Gramsci e o Brasil
Desde 1957, a cada dez anos, o aniversário da morte de Gramsci é a ocasião de seminários de estudos nacionais e internacionais, quase sempre promovidos pelo Instituto que traz seu nome e preparados com muito cuidado. Poder-se-ia dizer que constituem uma “tradição”, caracterizada tanto por constantes quanto por variações. Entre as primeiras, pode-se sublinhar o método histórico, vale dizer, o esforço de relacionar o pensamento de Gramsci com o contexto histórico; o debate entre estudiosos das mais diferentes inspirações culturais e campos de investigação, influenciados pela leitura de Gramsci, mas não necessariamente especialistas do seu pensamento e frequentemente “antigramscianos”; o objetivo de fazer um balanço da difusão dos seus escritos e de promovê-la; o envolvimento de figuras eminentes de estudiosos estrangeiros influenciados, de modo variado, pelo pensamento de Gramsci. Entre as segundas, podemo-nos limitar a indicar o objetivo de formular uma interpretação deste pensamento e de promover um diálogo entre os estudiosos de Gramsci italianos e estrangeiros.
Os elementos indicados repetem-se em todos os seminários a cada dez anos, diferentemente combinados entre si. A incidência maior ou menor de um ou de outro elemento pode ser referida principalmente aos seguintes fatores: a relação do Instituto Gramsci com o PCI; a situação política e cultural do período; os desdobramentos dos estudos gramscianos e o debate, até mesmo acalorado, entre as diferentes interpretações.
A relação do Instituto Gramsci com o PCI deve ser especificada. Até 1982, o Instituto era uma seção de trabalho do comitê central do partido. Mas só o primeiro seminário, inspirado por Togliatti e intitulado “Estudos gramscianos” (Roma, janeiro de 1958), pode ser considerado uma projeção direta da política cultural do PCI. Na sua realização, os elementos indicados apresentavam um notável equilíbrio, mas prevalecia a intenção de inaugurar uma nova interpretação de Gramsci atribuída principalmente ao texto de Togliatti e coerente com a inovação política que ele tentava promover (a via italiana para o socialismo). Além disso, dava-se grande impulso à historicização do pensamento de Gramsci e ao debate entre os intérpretes italianos e estrangeiros.
No entanto, o segundo seminário, “Gramsci e a cultura contemporânea” (Cagliari, abril de 1967), foi promovido por um grupo de professores das universidades de Cagliari e de Sassari. Não se pode dizer que não estivesse em sintonia com a política cultural do partido, que, de resto, compartilhava a iniciativa, mas o seminário se caracterizou principalmente por um balanço e uma promoção da presença de Gramsci na cultura acadêmica, repetindo suas divisões disciplinares e distanciando profundamente o Gramsci “pensador” e “homem de cultura” do político.
O terceiro seminário, “Política e histórica em Gramsci” (Florença, dezembro de 1977), foi promovido e preparado cuidadosamente pelo Instituto Gramsci, mas não se pode dizer que fosse inspirado pela direção do partido. Na sua estruturação prevaleceu a marca do grupo de intelectuais mais diretamente empenhados nas atividades do Instituto. Eram ao mesmo tempo estudiosos e dirigentes de partido claramente críticos em relação à formulação do seminário de Cagliari, e, valendo-se sobretudo da edição crítica dos Cadernos publicada no ano anterior, deslocaram a ênfase para a unidade da figura de Gramsci como pensador e homem de ação, e sobretudo como teórico da transição ao socialismo. Não é fácil dizer em que medida a iniciativa fosse compartilhada pela, ou imposta à, direção do partido; o certo é que, entre o volume que recolhe os textos preparatórios e que foi publicado com notável antecipação em relação ao seminário, e o volume que recolhe os textos do próprio seminário, aparecem consideráveis assimetrias, provavelmente originadas pela exigência de diluir o impacto da formulação inicial do seminário sobre a orientação política do PCI, que naquele período estava empenhado nas difíceis vicissitudes dos governos de solidariedade nacional.
Também o quarto seminário foi idealizado e promovido pelo Instituto Gramsci, neste meio-tempo transformado em Fundação, e tinha uma conotação predominantemente interpretativa. O tema “Moral e política em Gramsci” (Roma, junho de 1987) e a estruturação do seminário, cujos textos não foram publicados, ressentiam-se das incertezas e do ecletismo da orientação do partido, no qual a própria noção de “política cultural” já estava em desuso.
Entre os anos setenta e oitenta, graças à edição crítica dos Cadernos e sua crescente fortuna internacional, Gramsci já era geralmente considerado um clássico do pensamento político do século XX e, no entanto, sua influência na cultura italiana decaíra drasticamente. Paradoxalmente, foi 1989 o que favoreceu a retomada de interesse, depois da longa agonia do PCI que acompanhara o eclipse e a marginalização do seu pensamento. A iniciativa mais relevante do Instituto foi a proposta de uma Edição Nacional dos escritos de Gramsci, que, entre outras coisas, confirma seu reconhecimento como clássico. A proposta teve uma gestação atribulada, e o projeto só começou em 1998. Mas seu lento amadurecimento já influenciara o modo de estruturar as celebrações decenais.
O seminário de 1997, “Gramsci e o século XX” (Cagliari, abril de 1997), propunha-se mais uma vez “interrogar” o pensamento gramsciano “a partir do presente”, mas o fazia de modo diferente do passado. Já a escolha do tema sugeria a intenção de uma historicização mais ponderada. Em segundo lugar, os temas das intervenções originavam-se das novas pesquisas estimuladas pelo seminário de 1977, que enfatizara os conceitos de “revolução passiva” e “crise orgânica”, deslocando o foco para a interpretação gramsciana do moderno, do americanismo e do fascismo, e inovara o conceito de hegemonia. Portanto, o seminário de 1997 permitia propor aos intérpretes, tanto italianos quanto estrangeiros, sondagens de amplo espectro sobre nós cruciais da história do século XX, empregando como reagentes as categorias fundamentais dos Cadernos. Repropor a leitura de Gramsci focalizando a relação entre seu pensamento e o século XX era um modo de relançar o método histórico como sua chave interpretativa, mantendo distância, no entanto, das disputas ideológicas e das leituras voltadas para a política contingente de uma facção ou de outra.
Nesta trilha trabalhamos no seminário de 2007, cujo título manifesta a intenção de uma historicização integral. Parece-nos útil um esclarecimento de tal propósito. A escolha de promover uma Edição Nacional dos escritos de Gramsci pretendeu corresponder a uma redefinição das tarefas fundamentais da Fundação. Entre os primeiros a reconhecer a Gramsci o status de clássico, o mais respeitado foi Valentino Gerratana, que não casualmente propôs este conceito justamente no momento em que publicava a edição crítica dos Cadernos. Em seguida, Gerratana voltou a esta definição e, em 1991, especificou-a do modo seguinte: “clássico é um autor que vale a pena reler e reinterpretar à luz de novas exigências e de novos problemas”. É uma das definições possíveis, certamente legítima para o “filósofo individual”, mas seria válida para uma fundação cultural que traz o nome de Gramsci? Seria válida depois dos progressos realizados pela crítica gramsciana em setenta anos? Gramsci é um autor póstumo que não deixou “obras”, mas uma imensa quantidade de escritos jornalísticos, de intervenções políticas, de cartas e apontamentos inéditos que constituem o calhamaço de manuscritos do cárcere. É, pois, um “clássico” inteiramente particular, cujos escritos tornam-se “obras” através do atento trabalho dos editores e cujo pensamento vive e muda segundo os progressos e as diferenças das suas edições (não há edição de um “clássico” que dele não proponha também uma ou mais interpretações, e isso é verdade sobretudo para um autor como o nosso).
A Fundação Instituto Gramsci iniciou o projeto da nova edição crítica de todos os escritos de Gramsci porque os desenvolvimentos da documentação e da pesquisa demonstravam a necessidade e sugeriam os critérios para superar as edições anteriores: dos escritos jornalísticos e políticos, que requeriam uma verificação das atribuições e um aparato crítico que permitisse sua melhor contextualização; do epistolário, que não podia mais ser limitado às cartas escritas por Gramsci entre 1908 e 1937, mas devia também compreender as cartas dos seus correspondentes e as “correspondências paralelas”: em particular, entre Piero Sraffa e Tania Schucht, e entre Tania e seus familiares, ambas essenciais para a biografia do prisioneiro; e, enfim, dos Cadernos, porquanto a exclusão dos cadernos de tradução da edição Gerratana revelava-se cada vez mais manifestamente injustificada e critérios mais precisos de datação dos parágrafos foram elaborados neste meio-tempo. Por outro lado, o crescente desenvolvimento das traduções das Cartas e dos Cadernos, a difusão dos estudos gramscianos no mundo, sua diferenciação disciplinar, política e cultural faziam-nos perceber como uma responsabilidade da cultura italiana preparar uma edição crítica integral dos escritos de Gramsci, a mais cuidadosa que o progresso das pesquisas e da documentação pudesse permitir: uma tarefa que só a “cultura nacional” que tinha dado origem ao seu pensamento podia realizar e que a Fundação Instituto Gramsci devia assumir, tornando-a seu principal desafio.
Nesta escolha talvez haja um modo diverso de conceber o caráter “clássico” de Gramsci. Poder-se-ia dizer assim: “clássico” é um pensador com cujo pensamento todo aquele que, depois dele, enfrentar os grandes problemas em torno dos quais se atormentou sua reflexão não pode — ou pelo menos não deve — deixar de debater. Não é uma definição inconciliável com aquela proposta por Gerratana. Certamente, “clássico é um autor que vale a pena reler e reinterpretar à luz de novas exigências e de novos problemas”, mas fornecer os instrumentos que permitam relê-lo em bases filológicas e críticas mais sólidas é uma garantia para respeitar seu “ritmo de pensamento em desenvolvimento” e imunizar o intérprete contra a tentação de “forçar os textos”. Isso é ainda mais verdade quando são novas exigências e novos pensamentos que nos fazem voltar às páginas iluminadoras de um clássico da filosofia da práxis. Historicizar não é relativizar e muito menos neutralizar. Quanto mais se historiciza, tanto mais se multiplicam e se enriquecem, mas também se redefinem e encontram fundamento as perspectivas de leitura dos textos, e o intérprete pode verificar a pertinência e a validade das “novas exigências” e dos “novos pensamentos” que o levam a reinterrogar o autor.
O trabalho de mais do que uma década para a Edição Nacional está na base do seminário de 2007. A nova investigação biográfica começada em 1990, a aquisição de novos documentos relativos à vida de Gramsci, à história do PCI e do comunismo internacional, os progressos dos estudos gramscianos na Itália e no exterior, o refinamento dos instrumentos filológicos marcaram as pesquisas de um número significativo de estudiosos jovens e não tão jovens. A dispersão dos documentos nos arquivos italianos e estrangeiros, bem como a complexidade do trabalho dos organizadores dos volumes não nos permitiram proceder mais celeremente, mas isto será possível agora que as pesquisas estão substancialmente ultimadas. Através da preparação da Edição Nacional formaram-se novos estudiosos e novas investigações.
O conjunto da experiência acumulada nos permite tentar uma historicização geral da obra de Gramsci que não se poderia arriscar nos seminários anteriores. Portanto, em conclusão, convém dizer algo sobre os critérios seguidos na estruturação do seminário e do modo pelo qual se apresentam seus resultados. Em 2007 ocorreram dezenas de seminários dedicados a Gramsci na Itália e no mundo, para cuja realização a Fundação contribuiu e de muitos dos quais participou. Da sua parte, não se limitou a promover, em colaboração com a Fundação Gramsci da Puglia, o encontro de Bari-Turi, mas também dedicou um denso seminário internacional à influência de Gramsci sobre os Cultural Studies, Subaltern Studies e Postcolonial Studies, promovido com a International Gramsci Society-Itália (Roma, abril de 2007).
“Gramsci no seu tempo”, em vez disso, foi reservado aos pesquisadores italianos com o objetivo de verificar o amadurecimento dos estudos gramscianos diante da tarefa de reconstruir os contextos do seu pensamento, a rede das suas interações e, sobretudo, a relação entre teoria e biografia. Quisemos assim pôr à prova nossa capacidade de contribuir para aquela tarefa da cultura italiana de que falamos a propósito da Edição Nacional, e não é um acaso que muitos dos estudiosos que dela participam apareçam entre os relatores do seminário. Naturalmente, reconstruir os contextos do pensamento e da ação de Gramsci requer a cooperação de estudiosos de várias disciplinas humanistas que interagem com sua obra mesmo quando não se trate de “especialistas” desta mesma obra. O limite dos nossos conhecimentos e do espectro dos investigadores de que podíamos dispor não nos permitiu cobrir todos os lados de uma figura tão poliédrica como a de Gramsci. No entanto, parece-nos que realizamos um significativo passo adiante para lançar as bases de uma biografia gramsciana de que a cultura italiana e a comunidade científica internacional ainda não dispõem.
O seminário requereu uma longa preparação e um trabalho intenso de coordenação das pesquisas e dos dias em que elas foram apresentadas. A ordem em que foram recolhidas nos parece melhor do que aquela seguida durante os trabalhos do seminário. Além disso, as intervenções foram reelaboradas pelos autores, tendo em conta o debate ocorrido no seminário e realizando um elogiável esforço para conter o próprio texto nos limites permitidos pelo volume, ainda que alentado, dos anais.
Não nos cabe avaliar os resultados alcançados; de todo modo, não podemos deixar de sublinhar que o conjunto dos textos constitui uma proposta de biografia política e intelectual de Gramsci muito mais rica e articulada — quanto aos temas e à periodização — do que aquilo de que se dispõe até agora. Muitas investigações realizadas para o seminário apresentam novidades de leitura particularmente significativas. No conjunto, parece-nos que o enquadramento histórico mais preciso do pensamento de Gramsci produz inovações teóricas múltiplas que não se referem só à interpretação do autor, mas são ricas de sugestões para a investigação histórica, filosófica e crítica em geral. Portanto, vale o critério segundo o qual quanto mais se historiciza o pensamento de um clássico, tanto mais se regenera sua validade, abrindo sua obra para inovações heurísticas plurais, como é justo que seja. Por isso, são muito sentidos os agradecimentos aos estudiosos que contribuíram para o seminário, aos colaboradores da equipe técnica da Fundação Instituto Gramsci e da Fundação Instituto Gramsci da Puglia, bem como à Região da Puglia, que, graças à sensibilidade do presidente Nichi Vendola e da secretária de Cultura e de Mediterrâneo, Silvia Godelli — aliás, valorosos intelectuais de formação gramsciana, além de políticos —, nos permitiram realizá-lo. O agradecimento que a eles dirigimos é ainda mais sentido na medida em que nos permitiram realizar o seminário inclusive na cidadezinha [Turi] em que Gramsci, recluso, concebeu e escreveu a maior parte dos cadernos e das cartas do cárcere.
Entre aqueles que aderiram com entusiasmo à iniciativa estava Giorgio Sola, finíssimo estudioso de ciência política, que deveria apresentar um texto sobre as relações de Gramsci com o elitismo, mas veio a falecer poucos meses antes do seminário. Era um interlocutor sensível dos nossos estudos gramscianos e um dos poucos politólogos italianos a carregar Gramsci na própria bagagem teórica e cultural. Além disso, era um amigo, sóbrio e reservado, mas intensamente participante da comum paixão ético-civil. Recordamo-lo brevemente na abertura do seminário e o recordamos mais uma vez, dedicando-lhe a publicação dos anais.
Um comentário:
EStive por aqui em visita ao seu blog!! Abraços Ademar!
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