sábado, 28 de dezembro de 2013

Bruno Latour fala sobre natureza e política

Fernando Eichenberg
O Globo

Bruno Latour diz que ‘ecologizar’ é o verbo da vez, mas propõe uma noção de 'ecologia' com sentido mais amplo do que o defendido hoje por ativistas e políticos. Para ele, o Brasil, apesar das contradições, é ator fundamental na construção de uma inteligência política e científica para o futuro.

A modernidade é uma falácia, uma ficção inventada para organizar a vida intelectual. Os chamados “modernos” pregam a separação de ciência, política, natureza e cultura, numa teoria distante da realidade do mundo e inadaptada aos desafios impostos neste início de século, acusa o pensador francês Bruno Latour, de 66 anos. “Ecologizar” é verbo da vez, sustenta ele, mas num sentido bem mais amplo do que o espaço compreendido pela ecologia defendida por ativistas e partidos políticos.

"O desenvolvimento da frente de modernização, como se fala de uma frente pioneira na Amazônia, sempre foi, ao contrário, uma extensão de uma quantidade de associações, da marca dos humanos, da intimidade de conexões entre as coisas e as pessoas. A modernidade nunca existiu" — dispara Latour, em entrevista. Na sua opinião, o Brasil, com todas as suas contradições, é fundamental na possibilidade de um futuro de inovações que gerem um novo tipo de “civilização ecológica”, numa nova “inteligência política e científica”.

Antropólogo, sociólogo e filósofo das ciências, Bruno Latour, que recebeu em maio passado o prestigiado prêmio Holberg de Ciências Humanas, é um dos intelectuais franceses contemporâneos mais traduzidos no exterior. Além de suas originais investigações teóricas, também se aventurou no terreno das artes (com as exposições “Iconoclash” e “Making things public”) e, em outubro, estreou a peça “Gaïa Global Circus”, uma “tragicomédia climática”, que ele espera um dia poder encenar no Jardim Botânico, no Rio. Professor do Instituto de Estudos Políticos de Paris (Sciences-Po), lançou ainda este ano o ensaio “Enquête sur les modes d’existence — Une anthropologie des Modernes” (Investigação sobre os modos de existência – uma antropologia dos Modernos, ed. La Découverte).

Qual a diferença entre “ecologizar” e “modernizar”, segundo seu pensamento?

Modernizar é o argumento que diz que quanto mais nós separamos as questões de natureza e de política, melhor será. Ecologizar é dizer: já que, de fato, não separamos tudo isso, já que a História recente dos humanos na Terra foi o embaraçamento cada vez mais importante das questões de natureza e de sociedade, se é isso que fazemos na prática, então que construamos a política que lhe corresponda em vez de fazer de conta que há uma história subterrânea, aquela das associações, e uma história oficial, que é a de emancipação dos limites da natureza. Ecologizar é um verbo como modernizar, exceto que se trata da prática e não somente da teoria. Mas pode-se dizer “modernidade reflexiva” ou utilizar outros termos. O importante é que haja uma alternativa a modernizar, que não seja arcaica, reacionária. Que seja progressista, mas de uma outra forma, não modernista. Um problema complicado hoje, sobretudo no Brasil. Mas é complicado por todo o lado, na França também. Qualquer dúvida sobre a modernização, se diz que é preciso estancar a frente pioneira, decrescer, voltar ao passado. Isso é impossível. É preciso inovar, descobrir novas formas, e isso se parece com a modernização. Mas é uma modernização que aceita seu passado. E o passado foi uma mistura cada vez mais intensa entre os produtos químicos, as florestas, os peixes, etc. Isso é “ecologizar”. É a instituição da prática e não da teoria.

Qual é a situação e o papel do Brasil neste contexto?

Penso que deve haver uma verdadeira revolução ecológica, não somente no sentido de natureza, e o Brasil é um ator importante. A esperança do mundo repousa muito sobre o Brasil, país com uma enormidade de reservas e de recursos. Se fala muito do movimento da civilização na direção da Ásia, o que não faz muito sentido do ponto de vista ecológico, pois quando se vai a estes países se vê a devastação. Não se pode imaginar uma civilização ecológica vindo da Ásia. No Brasil — e também na Índia — há um pensamento, não simplesmente a força nua, num país em que os problemas ecológicos são colocados em grande escala. Há um verdadeiro pensamento e uma verdadeira arte, o que é muito importante. Se fosse me aposentar, pensaria no Brasil. Brasil e Índia são os dois países nos quais podemos imaginar verdadeiras inovações de civilização, e não simplesmente fazer desenvolvimento sustentável ou reciclagem de lixo. Podem mostrar ao resto do mundo o que a Europa acreditou por muito tempo poder fazer. A Europa ainda poderá colaborar com seu grão de areia, mas não poderá mais inovar muito em termos de construir um quadro de vida, porque em parte já o fez, com cidades ligadas por autoestradas, com belas paisagens e belos museus. Já está feito. Mas numa perspectiva de inventar novas modas e novas formas de existência que nada têm a ver com a economia e a modernização, com a conservação, será preciso muita inteligência política e científica. Não há muitos países que possuem esses recursos. Os Estados Unidos poderiam, mas os perderam há muito tempo, saíram da História quando o presidente George W. Bush disse que o modo de vida dos americanos não era negociável. Brasil e Índia ainda têm essa chance. Mas este é o cenário otimista. O cenário pessimista talvez seja o mais provável.

Qual a hipótese pessimista?

Há os chineses que entram com força no Brasil, por exemplo. Meu amigo Clive Hamilton (pensador australiano) diz que, infelizmente, nada vai acontecer, que se vai fazer uma reengenharia, se vai modernizar numa outra escala e numa outra versão catastrófica. Provavelmente, é o que vai ocorrer, já que não conseguimos decidir nada, e que será preciso ainda assim tomar medidas. Uma hipótese é a de que se vai delegar a Estados ainda mais modernizadores no sentido tradicional e hegemônico a tarefa de reparar a situação por meio de medidas drásticas, sem nada mudar, portanto agravando-a. Mas meu dever é o de ser otimista. Em todo caso, é preciso inventar novas formas para pensar essas questões.

O senhor acompanhou as manifestações de rua no Brasil neste ano que passou?

É uma das razões pelas quais o Brasil é interessante, porque há ao mesmo tempo um dinamismo de invenção política, ligado a outros dinamismos relacionados às ciências, às artes. Há um potencial no Brasil. E há, hoje, uma riqueza. Não são temas que se pode abordar em uma situação de miséria. É preciso algo que se pareça ao bem-estar. Na Índia, se você tem um milhão de pessoas morrendo de fome não pode fazer muito. O Brasil é hoje muito importante para a civilização mundial.

Os partidos ecologistas, na sua opinião, não souberam assimilar estas questões?

Nenhum partido ecologista conseguiu manter uma prática. A ecologia se tornou um domínio, enquanto é uma outra forma de tudo fazer. A ecologia se viu encerrada em um tema, e não é vista como uma outra forma de fazer política. É uma posição bastante difícil. É preciso ao mesmo tempo uma posição revolucionária, pois significa modificar o conjunto dos elementos do sistema de produção. Mas é modificar no nível do detalhe de interconexão de redes técnico-sociais, para as quais não há tradição política. Sabemos o que é imaginar a revolução sem fazê-la, administrar situações estabelecidas melhorando-as, modernizar livrando-se de coisas do passado, mas não sabemos o que é criar um novo sistema de produção inovador, que obriga a tudo mudar, como numa revolução, mas assimilando cada vez mais elementos que estão interconectados. Não há uma tradição política para isso. Não é o socialismo, o liberalismo. E é preciso reconhecer que os partidos verdes, seja na Alemanha, na França, nos EUA não fizeram o trabalho de reflexão intelectual necessária. Como os socialistas, no século XIX, refizeram toda a filosofia, seja marxista ou socialista tradicional, libertária, nas relações com a ciência, na reinvenção da economia. Há uma espécie de ideia de que a questão ecológica era local, e que se podia servir do que chamamos de filosofia da ecologia, que é uma filosofia da natureza, muito impregnada do passado, da conservação. O que é completamente inadaptado a uma revolução desta grandeza. Não podemos criticá-los. Eles tentaram, mas não investiram intelectualmente na escala do problema. Não se deram conta do que quer dizer “ecologizar” em vez de “modernizar”. Imagine o pobre do infeliz responsável pelo transporte público de São Paulo ou de Los Angeles.

A França receberá em 2015 a Conferência Internacional sobre o Clima. Como o senhor avalia esses encontros?

Estamos muito mobilizados aqui na Sciences-Po, porque em 2015 ocorrerá em Paris, e trabalhamos bastante sobre o fracasso da conferência de Copenhague, em 2009. Estamos muito ativos, tanto aqui como no Palácio do Eliseu. Na minha interpretação, o sistema de agregação por nação é demasiado convencional para identificar as verdadeiras linhas de clivagens sobre os combates e as oposições. Cada país é atravessado em seu interior por múltiplas facções, e o sistema de negociação pertence à geopolítica tradicional. E também ainda não admitimos de que se tratam de conflitos políticos importantes. A França aceitou a conferência sem perceber realmente do que se tratava, como um tema político maior. Por quê? Porque ainda não estamos habituados a considerar — e aqui outra diferença entre “ecologizar” e “modernizar” — que as questões de meio ambiente e da natureza são questões de conflito, e não questões que vão nos colocar em acordo. Vocês têm isso no Brasil em relação à Floresta Amazônica. Não é porque se diz “vamos salvar a Floresta Amazônica” que todo mundo vai estar de acordo. Há muita discordância. E isso é muito complicado de entender na mentalidade do que é uma negociação.

Poderá haver avanços em 2015?

Uma das hipóteses que faço para 2015 é a de que é preciso acentuar o caráter conflituoso antes de entrar em negociações. Não começar pela repartição das tarefas, mas admitindo que se está em conflito nas questões da natureza. Os ecologistas têm um pouco a ideia de que no momento em que se fala de natureza e de fatos científicos as pessoas vão se alinhar. Acham que se falar que o atum está desaparecendo os pescadores vão começar a parar de matá-los. Sabe-se há muito tempo que é exatamente o contrário, eles vão rapidamente em busca do último atum. A minha hipótese para 2015 é que se deve tornar visíveis estes conflitos. O que coloca vários problemas de teoria política, de ecologia, de representação, de geografia etc. Talvez 2015 já seja um fracasso como foi 2009. Mas é interessante tentar, talvez seja nossa última chance. Tenho muitas ideias. Faremos um colóquio no Rio de Janeiro em setembro de 2014, organizado por Eduardo Viveiros de Castro, sobre isso. Depois faremos um outro, em Toulouse, para testar os modelos de negociação. Em 2015 faremos um outro aqui na Sciences-Po. A ideia é encontrar alternativas no debate sobre conflitos de mundo. Não é uma questão das pessoas que são a favor do carvão, os que são contra os “climacéticos” etc. Não é a mesma conexão, não é a mesma ciência, não é a mesma confiança na política. São conflitos antropocêntricos. Interessante que as pessoas que assistiram à minha peça de teatro ficaram contentes em ver os conflitos. Na ecologia se faz muita pedagogia, se diz como se deve fazer para salvar a Floresta Amazônica. Mas não se fala muito de conflitos.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Javier Sicilia, um poeta mexicano contra o narcotráfico

Eduardo Febbro
Carta Maior

O poeta mexicano Javier Sicilia fez da morte do filho de 24 anos uma causa não só sua, mas de todas as outras vítimas da chamada guerra ao narcotráfico.

A narração pontual do horror pode não bastar. O desfile interminável de mortos na rua, de imagens de gente pendurada nas pontes, de decapitados, fuzilados, a contagem regular de novas vítimas que se somam as 50 mil da véspera são só isso: imagens e estatísticas. A sociedade prossegue mergulhada em um estranho silêncio. Mas um estouro entre tantos torna-se uma revelação incrível.

O poeta mexicano Javier Sicilia encarna na pele e nos ossos essa transformação da sociedade mexicana. Com ele se passou do silêncio à rua, da mansidão à rebeldia, da solidão e do anonimato ao movimento, da mais profunda injustiça ao sonho de que exista uma justiça. Um drama precipitou esse despertar coletivo. No final de março de 2011, Juan Francisco Sicilia, seu filho de 24 anos, foi assassinado pelo crime organizado junto com outros seis jovens no Estado de Morelos.

Dessa morte íntima, Javier Sicilia fará uma causa, não sua, mas sim de todas as outras vítimas. Javier Sicilia saiu à rua para reclamar justiça, por seu filho e pelas dezenas de milhares de mortos que o narcotráfico deixou no país. Marchas, caravanas ao longo do país, pouco a pouco o México foi abrindo os olhos ante o horror com que convivia. Dessas marchas surgiu um grupo, o Movimento pela Paz com Justiça e Dignidade.

Sicilia obrigou o presidente que havia lançado uma guerra contra o narcotráfico, Felipe Calderón, a dialogar, aceitar as responsabilidades do Estado, a pactuar uma lei geral de vítimas mediante a qual fossem garantidos os seus direitos. Sem disparar um só tiro. Só com as marchas, as caravanas, a poesia como aposta e alguns cadernos que foram sendo preenchidos com os nomes de tantos mortos anônimos.

O Movimento pela Paz com Justiça e Dignidade é uma das iniciativas mais originais e únicas do último quarto de século. Deu nome e sobrenome aos mortos. Não tem similar no mundo: não só enfrentou o Estado, como também os criminosos, a impunidade e o pior inimigo da justiça: o silêncio.

“Já não há mais o que dizer. O mundo já não é digno da Palavra”, escreveu Javier Sicilia no último poema de seu último livro. O poeta decidiu calar-se para sempre, mas não o homem de ação que, em seus protestos por justiça coletiva, descobriu o México extenso da dor e do horror.

Em seu mundo natural de Cuernavaca, Javier Sicilia fala com essa marca que fica nos olhos quando a vida fere sem avisar. Não há ódio nem rancor em suas palavras, mas sim o peso de uma consciência viva e a bondade que, para além do mal, persiste no coração humano. Às vezes, a poesia pode convocar a consciência moral de uma nação no momento de máximo horror, de máximo adormecimento dessa consciência. Javier Sicilia e seu movimento tornaram realidade esse “milagre cívico”.

Seu movimento tem uma essência muito pessoal. Frente à violência extrema que assola o México, você saiu à rua para pedir justiça tendo a poesia como mediadora.

Os dois grandes movimentos dos últimos 20 anos que tem uma posição moral indiscutível foram gerados com uma linguagem poética. O zapatismo e o nosso. Toda linguagem poética rompe a unicidade o unívoco das linguagens políticas e permite voltar a ver a realidade em sua profundidade, em seu horror e em sua humanidade. Ambos os movimentos, com diferentes linguagens poéticas, mas sempre utilizando os recursos da poesia, as imagens, os símbolos, as metáforas, funcionaram e desvelaram um horror que estava oculto sob as linguagens unívocas do político, sob a abstração da estatística. Também revelaram a responsabilidade do Estado frente a essa humanidade negada. No caso do Subcomandante Marcos foi com as comunidades indígenas, no caso do Movimento pela Paz com Justiça e Dignidade foram as vítimas desta guerra contra o narcotráfico lançada pelo ex-presidente Felipe Calderón.

Por que a poesia pode mais que a própria verdade do horror e do incontável número de assassinatos? Qual é sua capacidade de interação, de revelação ou de consolo?

A poesia nasce do mais profundo do humano, nasce do coração, e só desde o coração se pode assumir tanta dor e dar tanto amor. Isso é o que permitiu a ambos movimentos fazer o que fizeram pelas vítimas, ir contra o crime organizado, contra o Estado e plasmar o registo de sua respectiva desumanidade, de seu terrível desprezo, e das dívidas que o Estado tem com as vítimas.


Você conseguiu o que quase ninguém havia conseguido até então: interpelar o Estado, colocá-lo diante de sua responsabilidade.

A base de um Estado consiste em garantir a paz, a segurança e a justiça de uma sociedade. Quando isso não se cumpre há algo que está falhando profundamente. E isso é o que ocorre no México, onde há 98% de impunidade. Se está se matando, sequestrando e destruindo a vida humana, como faz o crime organizado, há algo que não está funcionando bem no Estado. E alguém tem que interpelar o Estado. Em um dos diálogos com o ex-presidente Felipe Calderón, ele se atreveu a me dizer por que eu não reclamava para os narcos. Eu lhe respondi: diga-me que não há Estado e então nós nos acertaremos com os criminosos. Mas, até onde sei, o Estado tem que responder por isso.

O Movimento pela Paz com Justiça e Dignidade nasceu em 2011, depois do assassinato de seu filho e amigos. O México já conhecia um grau de horror inqualificável, no entanto, essas mortes despertaram o país, o fizeram olhar de frente para o que estava ocorrendo.

As linguagens que descrevem fenômenos sociais não são suficientes para explicar isso. Por que, a partir de mim e de meu filho, foi possível conseguir uma coisa desta natureza? A explicação histórica, antropológica, não basta para entendê-lo.

Creio que pertence a uma ordem que nos rebaixa, a uma espécie de milagre cívico nascido do horror, da tragédia. Creio que não há resposta. Eu nunca pensei em passar à ação coletiva, não pensava que ia fazer um movimento. Eu só fui protestar, reclamar, expor minha palavra. E algo ocorreu a partir dessa palavra e tudo começou a se articular, algo estava aí à espera de uma palavra-chave, de uma palavra mágica que convocasse uma mobilização, uma dignificação, uma lógica humana de vida, de força moral.

Creio que a partir da morte de meu filho João Francisco e de seus amigos e das palavras proferidas se despertou a reserva moral do país, que estava adormecida, mergulhada. Mas estava viva. O terror adormece, o terror busca escapar por saídas psíquicas que nos levam à aparência de certa indiferença. Mas as reservas estão aí. Enquanto não se matar completamente a alma de um povo, a reserva moral está esperando algo que a detone. Aqui foi uma tragédia e uma palavra dura, indignada, ou seja, dizer: “Basta. Estamos fartos disso”. As forças vivas despertaram a partir da morte. O horror que era negado neste país tornou-se visível.

A partir desse despertar, foram realizadas caravanas em todo o país pela paz. O que descobriu neste périplo?

Vi um México que intuía que existia, do horror e do mal, um México que nunca havia sentido antes com todo o peso de minha carne, um México que toquei com todos os meus sentidos. Vi esse México massacrado, destroçado, sofrendo. Um dia, em uma das caravanas que fizemos em uma das zonas mais duras do país, Durango, se aproximou de mim um menino de cinco anos com o retrato de seu pai. Ele me disse: “esse é meu pai, mataram ele, ontem me entregaram ele envolto em um cobertor”. Esse menino órfão era a imagem do país. Nestes tempos, o horror é a incapacidade de vê-lo. Por isso o horror se torna mais brutal.

Devo dizer também que um Estado corrupto como este também gera uma tremenda corrupção moral. Há uma parte deste país que, junto com o Estado, está profundamente corrompida, degradada. Não se explica que tenhamos chegado onde chegamos. Este é um poder que se baseia na máfia e na delinquência. Por isso temos o que temos. Refazer isso será muito custoso. É muito fácil destruir, corromper. Construir é muito difícil.

O movimento se confrontou com dois poderes: o do Estado e o dos criminosos.

Todo poder é covarde porque utiliza uma força que transcende toda proporção humana. Os criminosos exercem um poder cínico, covarde. E tivemos que confrontar essa imensa covardia, esse imenso cinismo, tanto do Estado quanto dos criminosos. Os desafiamos desde nossa pequenez e com as armas que são o amor e a dignidade. Com isso atravessamos este país, atravessamos os Estados Unidos. Já não podem ocultar o horror, a dor e a impunidade. Terão que encontrar um caminho de justiça e de paz. A força coletiva é muito importante frente ao poder, o poder precisa ver uma nação de pé, expressando-se. A democracia não se resume às urnas. A democracia é o poder do povo. Quando um povo se une e desafia um Estado que não está cumprindo a vontade desse povo, aí começamos a viver a democracia.

Isso é o que ocorreu com as mobilizações. Neste momento, o Estado teve medo e começamos a viver a democracia. Foi a presidência, o poder político, que veio até nós e disse: “dialoguemos”. De acordo, dissemos, mas segundo nossas condições.

Não dialogamos na obscuridade, não dialogamos atrás de portas fechadas, dialogamos frente à nação porque este é um tema da nação e diz respeito a todos nós. Assim foram os diálogos. Chamamos o poder de tu e o confrontamos como o que ele é: servidor desta nação, da cidadania. Mas nós sozinhos não valíamos nada. O poder não zombou de nós porque chegamos unidos.

Vocês conseguiram também algo muito profundo: dar nome e sobrenome aos mortos, dotá-los da identidade que o Estado e os criminosos negavam. Retiraram o manto de silêncio.

O país acumulava cinco anos de profunda dor, de muitas vítimas. Neste momento, tínhamos mais de 40 mil mortos, 10 mil desaparecidos. E apesar disso, nada ocorria. O poder político falava de “baixas colaterais” enquanto que o presidente dizia: “estão se matando entre eles”. O poder negou às vítimas seus direitos civis, seus direitos humanos. Eu disse: através da morte de meu filho assumo a morte de todos. A partir deste momento, todos os jovens assassinados neste país, que são a maioria, são meus filhos. Assim começaram a chegar as vítimas, assim começaram a falar, assim começou a falar a alma de um povo. As vítimas vinham e narravam seu horror, sua dor, com suas próprias palavras.

Fomos do norte ao sul do país para que as vítimas falassem, para que contassem sua história. Uma palavra se tornou a palavra de todos, com seus respectivos nomes, sobrenomes e histórias. Formou-se uma grande coalizão, reunindo setores da esquerda e da direita, o que foi fundamental para este movimento. O nome de João Francisco Sicilia nomeou a todos. O que fizemos foi abrir os espaços públicos aos negados para que nomeassem seus mortos, suas dores, sua condição de vítimas. Eu não fui mais que a voz de uma tribo de pessoas que sofriam, por minha voz falaram as vítimas e através do nome de meu filho estão falando muitas outras vítimas.

Como se salva um ser humano que, em seu nome pessoal e no de sua sociedade, enfrentou o horror? Com esquecimento, perdão?

O perdão é complexo. É preciso entender o perdão. Há quem ache que o perdão é esquecimento, mas não é. O perdão é um dom, é um ato de gratuidade como o amor. Quando me perguntam se perdoei os criminosos que mataram meu filho eu respondo: sim, perdoei. Pedi justiça, não pedi sua morte. Mas para que esse dom se cumpra, o perdão não pode prescindir da justiça. Tem que haver arrependimento da outra parte. Caso o contrário o perdão não ocorre.

Você disse depois da morte de seu filho que não escreveria mais.

Minha relação com a escritura mudou substancialmente. Deixei de escrever poesia. As palavras degradadas de minha época já não me bastam para dizer, veja o paradoxo, o horror indizível que estamos vivendo, nem para empreender a reconstrução do sentido. O idioma não me basta mais. Estamos diante de fenômenos onde a linguagem entra em crise. Fenômenos de horror, da morte, de ausência de sentido que colocam em crise a língua e, sobretudo, a mais alta expressão da língua que é a expressão literária. Um escritor vive da língua de sua época, quando essa língua se degrada pela barbárie que estamos vivendo no México, pelo uso mentiroso da linguagem, essa língua já não é suficiente para poder refundar os sentidos. Isso ocorreu em meu país.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

O discreto charme do populismo

Eleonora de Lucena
Folha

Livro A Razão Populista de Ernesto Laclau publicado agora no Brasil revê o populismo em chave bem diversa do menosprezo e desdém em geral atribuído a ele. Para o pesquisador, a prática política representa uma articulação profunda por mudanças institucionais e teve papel preponderante na consolidação da democracia na América Latina.

O populismo foi essencial na construção de governos nacionais e populares na América Latina e "teve um papel enormemente positivo para a democracia no continente". A visão é do sociólogo e historiador argentino Ernesto Laclau, 78, um especialista no tema que divide o debate político e horroriza setores conservadores.

Parafraseando o célebre "Manifesto Comunista", de Karl Marx, ele afirma: "Há um fantasma que assombra a América Latina e esse fantasma é o populismo". Para ele, a ascensão de movimentos de massas no continente provoca mudanças em governos, que assumem características nacional-populares. Há batalhas por alterações institucionais e inevitáveis choques com elites. Institucionalismo versus populismo -aí está o embate. "A participação democrática das massas, com seus ideais comunitários, não se ajusta a Estados liberais tradicionais", afirma ele.

Afinal, as instituições nunca são neutras. "Elas são a cristalização de uma relação de forças entre grupos sociais. Quando mudam essas relações, as instituições -e até as constituições- precisam ser modificadas. Estamos num processo de mudança no qual as novas forças sociais estão fazendo novas demandas e, naturalmente, vão se chocar com vários aspectos constitucionais estabelecidos anteriormente, em sociedades que eram muito diferentes", analisa.

É para bloquear essa ascensão das massas que o poder conservador trata de se agarrar a essas antigas formas institucionais e faz uma cruzada antipopulista, avalia Laclau. "Não que as instituições tenham que ser abolidas, mas precisam ser reformadas", pondera. "As instituições da República Velha do Brasil não funcionariam na sociedade contemporânea", exemplifica o professor.

Laclau se refere especialmente às mudanças institucionais ocorridas na Bolívia, no Equador e na Venezuela. Nesse último país, diz que houve uma mudança radical, que deixou para trás uma sociedade desestruturada e com pouca participação de massas. Destaca o papel das "misiones" (os programas sociais chavistas), que formam grupos autônomos em distintos níveis da comunidade. "Essa sociedade necessita instituições novas, e os conservadores querem manter as instituições mais tradicionais." Também no Equador o debate foi para mudar leis dos anos 1990, que refletiam o apogeu do neoliberalismo e das ideias do Consenso de Washington implantadas no país. Situações semelhantes ocorrem na Bolívia, com participação indígena, e na Argentina.

Pergunto sobre o alegado viés autoritário que, segundo alguns, está embutido em mudanças nesses países. Laclau diz que a acusação é absurda. Cita as eleições periódicas que ocorrem hoje no continente. E lembra as ditaduras que proliferaram por aqui no século 20, especialmente do Chile de Augusto Pinochet. "Se houve um ataque autoritário às instituições, esse ataque não veio do populismo, veio do neoliberalismo", declara.

RETÓRICA

O populismo é alvo de achincalhe, menosprezo, desdém. Muitas vezes, é apontado como simples retórica. É o que Laclau descreve, com exemplos históricos, em todo um capítulo. "O populismo não só tem sido degradado mas também denegrido. Seu rechaço tem sido parte da construção discursiva de certa normalidade, de um universo político ascético do qual sua lógica perigosa teria que ser excluída", diz.

É dessa concepção de um mundo sem ação das massas que surgem as conhecidas ideias de que governos devem ser exercidos por técnicos e gestores teoricamente competentes? "Trocar a política pela administração tem sido sempre a ideologia conservadora das elites econômicas da América Latina", responde Laclau. E observa que não é à toa que na bandeira brasileira consta o lema positivista "ordem e progresso".

E o que é, então, o populismo? Para Laclau, é "uma forma de construir o político, não é uma ideologia". Supõe uma divisão da sociedade em dois campos e ocorre quando os "de baixo" interpelam o poder. Surge quando as instituições já não são capazes de absorver as reivindicações dos "de baixo". "Tais demandas tendem a se aglutinar fora do sistema, num ponto de ruptura com o sistema. É o corte populista", define.

É na construção desse conceito que se desenrola o livro "A Razão Populista". Este populismo "não é uma anomalia ou mesmo um subdesenvolvimento irracional da democracia representativa". Na concepção de Laclau, o populismo não pode ser resumido apenas à relação entre liderança política e população, ao seu carisma. Mas representa uma articulação política muito mais profunda, uma "construção do povo contra o seu inimigo" -pobres versus ricos, nacionais versus estrangeiros. O povo não é uma categoria estática, mas sempre uma construção discursiva, com as mais diversas experiências e tendências ideológicas.

Por telefone, desde Londres, o historiador afirma que na República Velha brasileira os canais para as demandas ocorriam por meio do coronelismo e outras formas de poder. "Em certo momento, as demandas das massas começaram a ser mais amplas do que os canais institucionais tradicionais podiam absorver. Então começam a ser produzidos momentos de ruptura: a Coluna Prestes, a Revolução de 1930, o Estado Novo. É um processo de rompimento com os canais tradicionais de absorção das demandas e de formulação das demandas."

Como comparar Getúlio Vargas com Juan Domingo Perón? "Perón encarnava um populismo mais radical", avalia Laclau. A Argentina naquela época tinha núcleos industriais bem definidos (Buenos Aires, Rosario, Córdoba) e uma sociedade mais homogênea. "Vargas encontrou uma base social muito mais heterogênea. O Brasil é mais regionalizado do que a Argentina. Getúlio foi um líder populista impuro, mas um articulador de interesses muito visíveis."

Laclau lembra que o processo de construção da democracia na América Latina tem características específicas. Na Europa, o Legislativo assumiu um papel de protagonista, ao levar as reivindicações populares ao poder monárquico centralizador. Aqui, aconteceu o contrário. "O poder parlamentar era o poder das oligarquias locais, de proprietários de terras, de interesses agrários que se organizavam em torno do Estado. Na América Latina, o Poder Executivo tem sido mais democrático que o Legislativo e segue sendo central na democracia de hoje", analisa.

ORIENTAÇÃO

Segundo Laclau, o populismo pode ser de direita ou de esquerda -é indeterminado do ponto de vista de sua orientação ideológica. "O fascismo italiano e o maoísmo na China foram populismos", defende. Se atualmente, na América Latina, "o populismo está ligado à ascensão de regimes de esquerda e se fundamenta na construção de uma ordem nacional e popular que rompa com os ditames do Consenso de Washington", na Europa é diferente. Lá, aponta o sociólogo, "temos um populismo étnico em países do Leste, após a desintegração do sistema soviético; um populismo também de direita na Europa Ocidental, baseado na xenofobia e no repúdio aos imigrantes". São casos de um populismo "conservador e reacionário, que não é progressivo em nenhum aspecto". Ao contrário do que ocorre na América Latina, aí o populismo é negativo na classificação de Laclau.

Na história brasileira, ele inclui Adhemar de Barros entre os populistas, comparando-o com Mao Tse-tung. São dois exemplos extremos. Na Grande Marcha chinesa, há a tentativa de constituir "o 'povo' como ator histórico a partir de uma pluralidade de situações antagônicas". O contexto é de guerra civil, invasão japonesa. Existe a intenção de romper com a ordem institucional e construir outra.

Já em Adhemar, do lema "rouba, mas faz", Laclau enxerga um clientelismo e um sistema de corrupção que, à primeira vista, pouco têm a ver com o projeto emancipatório de Mao. Mas ele define os dois como populistas. "O elemento comum é fornecido pela presença de uma dimensão anti-institucional, de certo desafio a uma normalização política, à 'ordem habitual das coisas'. Em ambos os casos ocorre um chamado aos despossuídos", argumenta.

Há a atração popular pelo criminoso de alto coturno, por alguém que está fora do sistema legal e o desafia, diz Laclau, acrescentando que "o clientelismo não é necessariamente populista". O que acha o sociólogo sobre o "lulismo"? "É um fenômeno altamente positivo na sociedade brasileira", responde, especialmente porque elabora um equilíbrio entre uma nova participação de massas e a transformação do Estado. E Lula é um populista? Parcialmente, diz. "Lula foi um construtor de uma sociedade civil nova", declara. Para ele, o ex-presidente foi muito importante para "valorizar a integração latino-americana", estruturando o Mercosul e rechaçando a implantação da Alca, almejada pelos EUA.

Apesar das muitas nuances e diferenças, Laclau avalia que, "no essencial, o Brasil acompanhou o processo de afirmação nacional e popular no continente". Os protestos recentes mostram que não há ligação direta entre a melhoria das condições econômicas e as manifestações por mudança. Pelo mundo, ele identifica um elo entre as várias revoltas que eclodiram a partir da crise de 2008: a menor capacidade das instituições tradicionais de absorver as demandas das massas. "As pessoas não se reconhecem no sistema político e começam a se mobilizar fora dele", advoga.

Na visão de Laclau, "uma das coisas boas dos regimes populares da América Latina é que conseguiram combinar bastante bem as mobilizações dos 'de baixo' com uma tentativa de mudar a estrutura do Estado. Isso funcionou na região muito melhor do que na Europa, que é mais impermeável a modificações. Lá as pessoas percebem que há poucas possibilidades de mudanças dentro do sistema". Esse fato, segundo ele, ajuda a explicar os problemas que a esquerda enfrenta no velho continente. De um lado, há burocratização de regimes distanciados das massas; de outro, massas que protestam sem almejar o Estado e sem maior organização. "Não creio no discurso que diz não se importar com o poder estatal. A mobilização das massas, se não é acompanhada de um projeto de transformação política, tende à dispersão", alerta. Para ele, os movimentos precisam buscar autonomia e "transformar o Estado".

domingo, 8 de dezembro de 2013

Mandela “O Criador de Problemas”

Cristina Buarque de Holanda
Revista Pittacos

Nelson foi como a professora da escola primária decidiu chamá-lo, aos sete anos de idade. Crianças negras que tinham o privilégio de ir à escola recebiam nomes de brancos, mais civilizados. Antes do novo batismo, chamava-se Rolihlahla. Numa tradução aproximada: “criador de problemas” [trouble maker].

Este é o relato que inicia Long Way to Freedom, a autobiografia de Mandela. Ali o leitor é conduzido da sua infância no campo, num povoado em Transkei, à eleição presidencial de 1994, a primeira que levou os negros às urnas e um negro ao poder na África do Sul. Não é surpresa que o fio condutor desta vida farta de eventos seja a política, mas ela vem delicadamente embalada na memória dos amores, da família, da solidão no cárcere, dos medos e das fraquezas. Mandela não hesita em revelar a outra face da força que o consagrou como líder mundial. O protagonismo do relato biográfico não se confunde com narrativa heroica de si. Diluídas na vontade comum do povo que resiste à opressão, suas ações são narradas como peças de um contexto de luta política e social.

Em nota dirigida ao leitor, Mandela esclarece: a história em questão “não é apenas a minha história”, mas a “história de todos nós e da nossa luta para ser livre”. Seu texto é um exercício intelectual do fazer histórico imaginado por Antônio Cândido no memorável prefácio a Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque: “A certa altura da vida, vai ficando possível dar balanço no passado sem cair na autocomplacência, pois o nosso testemunho se torna registro da experiência de muitos, de todos que, pertencendo ao que se denomina uma geração, julgam-se a princípio diferentes uns dos outros e vão, aos poucos, ficando tão iguais, que acabam desaparecendo como indivíduos para se dissolverem nas características gerais da sua época. Então, registrar o passado não é falar de si; é falar dos que participaram de uma certa ordem de interesses e de visão do mundo, no momento particular do tempo que se deseja evocar”.

A narrativa de Mandela sobre si tem uma coisa qualquer de Michael K, o personagem de A Vida e o Tempo de Michael K de J.M. Coetzee que persiste na existência, a despeito das experiências reiteradas de subjugação. K é um jardineiro simplório em torno dos trinta anos de idade que decide deixar o emprego em Cape Town para levar a mãe, muito doente, de volta para sua cidade natal, Prince Albert. O pano de fundo é uma África do Sul convulsionada por uma guerra civil imaginária, na altura dos anos 80. O percurso é tortuoso e o retorno a Prince Albert ressignificado: depositar as cinzas da mãe, que sucumbiu à doença durante a viagem. Sem documentos de viagem, K se esquiva da polícia, vive em fazendas abandonadas, cavernas e, quando capturado, em campos de trabalho forçado. Arredio a toda dominação, foge, se esconde, come raízes, insetos e, excepcionalmente, um cabrito que mata afogado no açude. Animaliza-se para não renunciar à humanidade. Há nele, K, uma teimosia essencial cujo objeto é o desejo de liberdade. Mesmo quando submetido, persevera: a condição de dominado não esmorece seu sentido de dignidade pessoal.

Na biografia de Mandela, que pode inspirar tantos ângulos de observação, a obstinação por uma vida digna, sua e do seu povo, é justamente a pulsão que dá sentido ao todo. Quando cumpria pena de cinco anos por viagem ilegal ao exterior e organização de stayaway, em maio de 1961, Mandela foi transferido da Pretoria Prison para Robben Island. Na travessia para a ilha, acorrentado com outros presos políticos no porão da embarcação, recebia a luz do dia por pequenas janelas, de onde também chovia urina dos guardas de plantão. Encharcados e expostos ao frio do inverno sul-africano, em shorts e camiseta, chegaram à nova prisão. Na entrada, guardas brancos davam ordens para que corressem. Não havia razão aparente para isso, além do gozo de exercer autoridade sobre quem não está em condições de resistir a ela. Confrontado por seus novos algozes, Mandela sussurrou para Tefu, colega de infortúnio: “precisamos estabelecer um exemplo. Se desistirmos agora, estaremos sempre submetidos aos seus caprichos”. Tefu concordou e os dois seguiram o percurso a passos lentos. Provocaram a fúria dos guardas. Um deles bradou: “nós vamos matar vocês e ninguém nunca saberá o que aconteceu”. Ainda assim, resistiram e mantiveram o ritmo da caminhada. Foram conduzidos a um quarto preenchido com alguns centímetros de água e obrigados a despir-se.

Antes que fosse atingido por um soco de Gericke, o capitão a cargo da situação, Mandela disse da maneira mais firme que pôde: “se você encostar a mão em mim, eu vou te levar para a maior corte na terra e vou acabar com você. Você vai ser tão pobre quanto um rato de igreja.” Surpreso, o capitão indagou: “você sabe o que significa servir cinco anos?” Mandela retrucou: “estou pronto para servir cinco anos, mas não para ser intimidado. Você deve agir dentro da lei”. Gericke deixou o quarto alagado sem consumar a agressão.

Tal como K, Mandela afirma sua condição de sujeito, mesmo sob domínio. À diferença de K, não se isola na sua individualidade. Seu sentido de dignidade, rígido e alheio às circunstâncias, extrapola o indivíduo e abrange a espécie humana. Como se sabe, foram os negros, violentamente segregados pelo regime do apartheid, a inspiração da luta de Mandela antes e durante os anos de cárcere. Extintas as condições formais de reprodução do infortúnio negro (e também indiano e mulato), as fronteiras da sua práxis política dilataram-se para incluir os sul-africanos em geral, independente das suas origens. Vinte e seis anos de prisão e maus tratos não deixaram lastro de ressentimento no seu fazer político. Sua história pessoal de sacrifício não inibiu nele o sentimento da empatia, que é o fundamento moral dos direitos humanos na época moderna. Muito pelo contrário: Mandela não experimentou a empatia apenas como afeto individual, mas buscou formas de tradução política e institucional para ela – com acertos e equívocos, é certo.

A Comissão de Verdade e Reconciliação sul-africana foi a expressão síntese deste experimento da empatia como prática política. Na época da transição política no país, Mandela compreendeu que a natureza rígida e impessoal do aparelho burocrático de Estado seria impotente para lidar com o tipo de demanda social dirigida a ele. O desafio assumido por seu governo foi o de contornar os marcos da política formalista e instituir uma dimensão pública de diálogo e reconhecimento. Chamadas a sessões públicas em todo país, transmitidas em rede nacional de rádio e televisão, as vítimas do regime narravam suas histórias e contribuíam para o esclarecimento público sobre os métodos e o cotidiano de opressão no regime segregacionista.

O objetivo fundamental da comissão era expor todos os sul-africanos ao desafio de colocar-se no lugar do outro, sofrer o sofrimento alheio, gozar o gozo alheio e, enfim, reconhecer o outro como igual. Esta seria a condição de um novo tempo da política no país. Há inúmeras razões que fazem de Mandela um dos personagens mais notáveis do século XX. Uma delas foi a teimosa com que afirmou a dignidade de si e do seu povo.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Bolivia: La relación entre el gobierno y los pueblos indígenas acumula tensiones

Gabriel Delacoste
La Diaria

Luis Tapia, licenciado en Filosofía y doctor en Ciencia Política, impartió el curso “Democracia, actores sociales y partidos políticos en Bolivia contemporánea” para la maestría en Estudios Latinoamericanos de la Facultad de Humanidades y Ciencias de la Educación de la Universidad de la República. Cuando se acerca el año electoral en Bolivia, La diaria lo entrevistó acerca de la actualidad de la política y de los movimientos sociales en su país, en un contexto de conflictos y contradicciones entre el gobierno de Evo Morales y las organizaciones sindicales y campesinas.

Evo Morales es considerado fuera de Bolivia un símbolo del “giro a la izquierda” de la región. ¿Cómo es visto en su país?

Esa imagen se ha ido deteriorando. Empezó como un liderazgo nacional que quería unificar organizaciones indígenas, campesinas y sectores populares, basado en la defensa de la coca, que fue causa nacional durante muchos años. Eso se ha agotado, porque ahora el presidente aparece como un defensor de los intereses sectoriales corporativos de los plantadores de coca, contra las organizaciones indígenas. Y, explícitamente, el gobierno tiene hoy un discurso antiindígena. Entonces su imagen interna es distinta de su imagen internacional.

¿Antiindígena en qué sentido?

No reconoce a las organizaciones indígenas autónomas. Se les están iniciando juicios, se las ha reprimido, y el proyecto del gobierno básicamente consiste en apropiarse de territorios indígenas para concesiones de explotación de bosques, explotación petrolera, minera y proyectos como carreteras y represas.

Hay como una oposición entre modernización y desarrollismo por un lado y economía comunitaria y “buen vivir” por otro.

Desde el inicio del gobierno surgió un discurso de respeto a la Pachamama y el “vivir bien” para legitimar el nuevo plan de desarrollo nacional, pero en los últimos años el proyecto del gobierno ha sido básicamente de desarrollismo extractivista, relacionado con la megaminería, el agronegocio y la ampliación de la exportación de hidrocarburos. No hay nada sobre economía comunitaria. Entonces el mismo gobierno ha abandonado el discurso del “vivir bien” porque ya no es verosímil.

¿Cómo encajan en este modelo las nacionalizaciones en ciertos sectores estratégicos?

Eso es clave. Antes que nada porque era una demanda nacional generalizada, previa a la victoria electoral del Movimiento al Socialismo [MAS, el partido de Morales]. Y también porque la nacionalización es la base del poder económico, que se traduce en poder político del gobierno. Esos ingresos le permiten tener recursos para financiar la política social y la campaña electoral. Sin nacionalización no tendría poder, un poder que le dio un margen de autonomía frente a los norteamericanos, a los que pudo expulsar del país.

Durante este mismo período se dio la refundación de Bolivia como Estado Plurinacional. ¿Cómo se relaciona el modelo de desarrollo con el reconocimiento de la nueva Constitución hacia la economía comunitaria y la autonomía de los pueblos indígenas?

En Bolivia hay tensiones y contradicciones, porque la Constitución reconoce en el artículo 2 los territorios de 36 pueblos y culturas diferentes, además de su lengua y sus formas de autogobierno. Pero luego el gobierno no incluyó en la legislación la consulta vinculante a las comunidades sobre el uso de los territorios indígenas, por lo que es el Ejecutivo el que decide para qué usarlos. Ha entrado en contradicción con los pueblos indígenas de manera bien frontal. Una contradicción entre lo que dice la Constitución y lo que hace el gobierno, montado sobre vacíos de la propia Constitución.

¿Y cómo reaccionan los movimientos sociales?, porque el MAS también tiene una base importante en la población indígena.

Por un lado, se han organizado marchas masivas en torno a la sede de gobierno en La Paz, sobre todo desde el Amazonas, para reclamar consulta previa y rechazar los proyectos de construcción de carreteras y de explotación petrolera. Pero por otro lado, el sector que es base de apoyo del gobierno, los sindicatos campesinos, está interesado en ampliar su frontera agrícola hacia el territorio colectivo indígena. De hecho este sindicalismo ha sido utilizado por el gobierno para reprimir a las organizaciones indígenas comunitarias.

Se dio en 2011 una ruptura entre las organizaciones sindicales y las indígenas. ¿Cómo ve el futuro de los movimientos populares?

Es difícil decir; ahorita diría que estamos en una etapa de descomposición de lo construido durante décadas. El Pacto de Unidad entre indígenas y campesinos [articulación que impulsó una agenda política común], resultado de dos décadas de proceso de unificación, ahora se ha roto. Diría que está en una fase de resistencia, sobre todo por parte de lo comunitario indígena. Lentamente las comunidades están empezando a hacer alianzas con sectores urbanos, sobre todo de izquierda, que a su vez están asumiendo la idea de lo plurinacional, de respeto a los territorios comunitarios.

Me cuesta imaginar un proyecto económico basado en una economía comunitaria de pequeña escala para un país de millones de habitantes. ¿Existe una alternativa al modelo actual?

Eso no existe, no se ha planteado. Lo que se pensó desde el gobierno fue, por un lado, la nacionalización -la estructura productiva sigue siendo la misma, sólo que con mayor control estatal- y, por otro, la ampliación del extractivismo. La economía comunitaria, más que un proyecto, es lo que ha existido a lo largo de siglos, y obviamente no es una alternativa para los sectores modernos. Pero es algo que se puede preservar y evitar que se siga reduciendo.

¿Qué posibilidades le asigna a una nueva victoria electoral de Morales en octubre de 2014?

Yo creo que bajo la actual correlación de fuerzas y legislación electoral, el MAS ya no ganaría. El MAS probablemente tiene un tercio de apoyo en el país, aunque le favorece la fragmentación de la oposición, que no se sabe si se va a unificar. Sin embargo, con un tercio iría a segunda vuelta, y en la segunda vuelta yo creo que perdería.

¿Y quiénes son los desafiantes?

Probablemente quien tiene más posibilidades es Juan del Granado, del Movimiento Sin Miedo [MSM], que está articulando diferentes sectores opositores.

¿Cómo lo definiría políticamente?

Diría que es un partido de izquierda moderada, reformista pero pluralista, y que ha incorporado el tema de lo plurinacional. Ha entrado en una red de alianzas con movimientos indígenas.

Hubo en los últimos años un enfrentamiento con movimientos indígenas en torno a la construcción de una carretera que atravesaría el Territorio Indígena y Parque Nacional Isiboro Sécure, que últimamente recibe poca atención mediática. ¿Cuál es la situación?

Yo creo que esta baja en la intensidad tiene que ver con el período electoral. El gobierno ha insistido en hacer la carretera, y luego de haber decidido hacerla, como la población demandó una consulta previa, realizó una consulta amañada para dar la imagen de que la gente está de acuerdo. Ha intervenido militarmente, está persiguiendo por la vía jurídica a los principales dirigentes y está montando una red clientelar en la zona para dividir a las organizaciones indígenas. Pero mientras no haya elecciones se está manteniendo un bajo perfil, porque es el principal foco de oposición al gobierno. Por ello, probablemente la obra esté detenida hasta después del resultado de las elecciones.

Morales ha apostado fuerte a la integración de América del Sur, y sin embargo ha habido conflictos importantes entre capitales brasileños y chilenos, por ejemplo, y el gobierno boliviano. ¿Cómo se da esta relación?

El proyecto de integración que se ha ido desplegando en los últimos años es resultado de cambios internos en cada uno de los países, donde ha habido una recomposición de la relación entre Estado, sociedad y economía, lo que ha propiciado un mayor control de recursos económicos, generando una política económica un poco más autónoma a nivel regional, en particular en relación a Estados Unidos. Ahora, esto tiene contradicciones, porque por un lado hay políticas de integración regional, pero lo más fuerte, en el caso boliviano, es la subordinación a la geopolítica brasileña. Gran parte de los proyectos del gobierno son de interés brasileño, y no de la población boliviana, y los hemos financiado nosotros con préstamos del Banco de Desarrollo de Brasil. Están las dos cosas a la vez, las geopolíticas nacionales se despliegan bajo el marco de la integración.

domingo, 24 de novembro de 2013

El poder de las empresas en la cumbre de la ONU sobre cambio climático

Amy Goodman
Democracy Now!

La conferencia sobre cambio climático de las Naciones Unidas de este año se está desarrollando en Varsovia, una ciudad llena de historia. Aquí se encuentra el principal monumento erigido en homenaje a Nicolás Copérnico, el famoso astrónomo polaco que postuló por primera vez que la Tierra gira alrededor del sol y no al revés. El aeropuerto de Varsovia lleva el nombre Frederic Chopin, en honor al brillante compositor que vivió aquí. La pionera de la ciencia de la radiación, Marie Curie, la primera mujer en ganar un Premio Nobel (ganó dos, de hecho), nació aquí.

Aquí también fue el lugar donde estuvo el Gueto de Varsovia, uno de los más horribles símbolos del Holocausto, donde cientos de miles de judíos permanecieron encerrados antes de ser trasladados al campo de exterminio de Treblinka y otros campos de concentración nazis, donde fueron asesinados. En medio del terror de la ocupación Nazi, los judíos del gueto se alzaron en un valiente acto de autodefensa. Más tarde, inspirados por el levantamiento del gueto, los habitantes no judíos de Varsovia también se alzaron y lucharon durante dos meses antes de ser finalmente derrotados por las fuerzas de ocupación alemanas. Al finalizar la Segunda Guerra Mundial, 6 millones de polacos, la mitad de ellos judíos, habían sido asesinados y un ochenta y cinco por ciento de la ciudad de Varsovia estaba en ruinas.

En este preciso lugar se está desarrollando la 19a Conferencia de las Partes de la Convención Marco de las Naciones Unidas sobre Cambio Climático (CMNUCC), denominada COP 19. Miles de negociadores de los 198 países miembros de la Convención caminan con prisa a través de los corredores de tela provisorios instalados en el campo del Estadio Nacional, al igual que representantes de numerosas organizaciones no gubernamentales y miembros de la prensa. La cumbre de este año tiene una característica diferente: el auspicio de las empresas.

“Esta probablemente sea la conferencia sobre cambio climático con mayor presencia de las empresas que jamás hayamos visto", me dijo Pascoe Sabido. "Esto no significa que en las anteriores no haya habido una gran influencia de las empresas. Sin embargo, lo que es diferente esta vez es el nivel de institucionalización, el grado en el que el Gobierno polaco, la ONU y la convención misma, han recibido a las empresas con los brazos abiertos y han alentado su participación”. Sabido trabaja en la organización Corporate Europe Observatory, que publicó un folleto denominado “Guía de la COP 19 sobre el lobby empresarial: delincuentes climáticos y complicidad del Gobierno polaco”. Algunas de las grandes empresas presentes en esta COP 19, afirma Sabido, son “General Motors, conocida por financiar a grupos de investigación que niegan el cambio climático, como el Heartland Institute de Estados Unidos y está también BMW, que está haciendo cosas similares en Europa, en un intento por debilitar las normas sobre emisiones”. El logo de LOTOS Group, la segunda principal empresa petrolera polaca, aparece en los 11.000 bolsos entregados a los delegados.

Polonia, cuya principal fuente de energía es el carbón, organizó una conferencia paralela junto con la Asociación Mundial del Carbón, denominada Cumbre Internacional del Carbón y el Clima. La Secretaria Ejecutiva de la COP 19, Christiana Figueres, provocó la ira de muchos activistas por el clima al pronunciar el discurso inaugural de la conferencia de la industria del carbón. Fuera de la cumbre, los activistas de Greenpeace colgaron una gran pancarta con los colores de la bandera polaca en la fachada del Ministerio de Economía. La pancarta decía: “¿Quién manda en Polonia: la industria del carbón o la gente?”. En el techo del edificio, otros activistas desplegaron una pancarta con la leyenda: “¿Quién manda en el mundo: la industria de los combustibles fósiles o la gente?”. Mientras tanto, en la plaza que se encuentra abajo, cientos de personas se manifestaban en contra del carbón en una procesión denominada “Cough 4 Coal” (Tos por el carbón) en la que había dos grandes pulmones inflables, que representaban los efectos nocivos del carbón en la atmósfera y en la salud humana.

Mientras que en el Estadio Nacional las negociaciones se iban diluyendo, los activistas gritaban al unísono: “¿Dónde está el financiamiento?”. Los países ricos prometieron brindar apoyo financiero a los países en desarrollo para que realicen la transición hacia fuentes de energía renovables (mitigación) y para que puedan hacer frente a los efectos del cambio climático (adaptación). Oxfam calcula que, hasta el momento, este fondo ha recaudado tan solo 7.600 millones de dólares, muy por debajo de la cifra prometida de entre 30.000 y 100.000 millones de dólares. No se trata de caridad, los contaminadores deben pagar. Hablé con el principal negociador sobre cambio climático de Filipinas, Yeb Saño, en el noveno día de su huelga de hambre, que comenzó el día en que se inauguró la COP 19. Saño me dijo: “Estados Unidos, que es responsable de al menos un 25% de las emisiones totales, tiene una gran responsabilidad, una responsabilidad moral de combatir el cambio climático, no solo a nivel nacional, sino también de brindar apoyo a los países en desarrollo”.

La destrucción causada por el tifón Haiyan es un crudo telón de fondo de las negociaciones en Varsovia. Yeb Saño se enteró de que su hermano sobrevivió al tifón al verlo en las noticias mientras ayudaba a juntar los cuerpos de los muertos. La ciencia es clara: si las temperaturas continúan aumentando, los eventos climáticos extremos se volverán cada vez más frecuentes y más mortales. Luego de que Saño anunciara en un emotivo discurso durante la sesión plenaria de la convención que había decidido iniciar una huelga de hambre, varios estudiantes marcharon en silencio junto a él mientras salía de la sala. Sostenían una pancarta en homenaje a los muertos en Filipinas. Como consecuencia de su acto espontáneo de solidaridad, se les prohibió asistir a las negociaciones sobre cambio climático durante un año. Una estudiante que participó en la acción, Clémence Hutin, de París, me dijo: “Para mí, la Cumbre sobre Cambio Climático es un espacio democrático. No entiendo por qué la sociedad civil no es bienvenida en la convención, pero las empresas sí lo son”.

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

¿Quién mató a Kennedy?

Yolanda Monge
El País

Una gran X de color blanco marca en la carretera el lugar exacto donde fue herido de muerte el presidente John F. Kennedy en la tristemente famosa Plaza Dealey de Dallas. A su alrededor, y mientras la luz lo permite, turistas y nostálgicos toman fotografías observados por un número no desdeñable de personas que aseguran a quien quiera escucharlo que la versión oficial de lo que sucedió el viernes 22 de noviembre de 1963 en esta ciudad tejana está lejos de la realidad.

Los visitantes observan con una extraña mezcla de emoción y aversión el escenario que hace 50 años provocaría el nacimiento de una gran duda que sigue alimentándose cada día que pasa. Porque una gran mayoría de los estadounidenses rechazan la historia oficial presentada en el informe de la Comisión Warren, que aseguraba que el hombre que acabó con la vida del 35° presidente de la nación fue Lee Harvey Oswald y solo Lee Harvey Oswald.

Incluso el actual secretario de Estado rechaza la versión con la que la Administración de Lyndon B. Johnson cerró —con una rapidez inusitada— la investigación del asesinato, según comentarios recientes del jefe de la diplomacia norteamericana, John Kerry. Desde la muerte de Kennedy, de la que este viernes se cumplen 50 años, se han escrito más de 2.000 libros sobre el asesinato, muchos de los cuales abrazan una o varias teorías conspiratorias.

Mark Oates vende algunas de ellas, expuestas sobre un tenderete, en forma de libros o panfletos, dependiendo del dinero que el investigador de turno haya tenido a la hora de publicar su teoría. Una mujer se acerca al puesto y durante un rato mira el vídeo que explica las poderosas y ocultas fuerzas que estuvieron detrás del asesinato. Al cabo de menos de dos minutos pierde el interés y sigue caminando. Cuando se le pregunta si cree que a Kennedy le mató Oswald, sin embargo, contesta que no. ¿Quién, entonces? “No sé, pero no fue Oswald”.

Si es cierto que el tiempo ha ido rebajando el número de quienes ven una mano conspiratoria tras el asesinato, también es una realidad que esos porcentajes siguen siendo muy altos. En 2001, un 81% de la población consideraba que no se sabía toda la verdad y apostaba por la conspiración, según un sondeo de Associated Press. En 2003, era un 75%, según Gallup. Hoy en día el porcentaje supera el 60%, de nuevo según AP. Solo un 36% dijo creer a la Comisión Warren cuando esta presentó sus conclusiones.

El número de teorías puede llegar a marear cuando se bucea en ellas: la mafia; la CIA; millonarios de extrema derecha; el complejo militar-industrial temeroso de que Kennedy saliera de Vietnam y que pusiera fin a la guerra fría; los magnates del petróleo temerosos de que el presidente demócrata les impusiera unos impuestos de los que entonces estaban exentos; Fidel Castro; los enemigos de Fidel Castro; la Unión Soviética; e incluso Lyndon B. Johnson, el vicepresidente de Kennedy y el hombre que juró el cargo junto al féretro del cadáver del mandatario, que según lee la teoría conspiratoria habría temido ser apartado del tándem de cara a las presidenciales de 1964 y optó por la vía expeditiva para llegar a la Casa Blanca.

Quienes defienden que fue la Mafia quien atentó contra Kennedy se basan en que la CIA sabía que el crimen organizado discutía asesinar al “presidente”. Pero según explica Forrest Scheiber, habitual desde 1995 de la Plaza Dealey, el presidente a quien quería eliminar la Mafia no era Kennedy sino Castro, ya que su llegada al poder les había hecho perder lo que suponían sería una lucrativa inversión en los casinos instaurados en La Habana durante la época de Batista. Aunque “para ser justos”, también apunta Scheiber, la fallida invasión de Bahía de Cochinos —emprendida por Kennedy— acabó con cualquier esperanza del crimen organizado de retornar a la isla. “¿Quién sabe?”, dice encogiéndose de hombros.

A la Agencia Central de Inteligencia (CIA, en inglés) se le atribuyen varios asesinatos políticos de alto nivel de los años sesenta, y el de Kennedy es uno de ellos, siempre según los amantes de la conspiración. Una teoría asegura que Oswald era un agente del espionaje norteamericano —algo que aseguró la señora Marguerite, madre de Oswald, hasta su último aliento en 1981— al que la agencia utilizó y luego entregó en bandeja de plata como chivo expiatorio del crimen político.

En el conocido como ‘Grassy Knoll’, epítome local de la teoría conspiratoria, sobre la hierba de un montículo famoso pese a su insignificancia, Jerome Mead acusa a los soviéticos del crimen. Mead hace referencia al famoso hombre del paraguas, ese sujeto que se ve en algunas instantáneas de la época y que, incomprensiblemente, portaba un paraguas negro abierto a pesar del día soleado y seco. “Eran tiempos de guerra fría”, explica este joven de 27 años, casi nacido cuando ya no existía el Muro de Berlín. Según su relato, el dirigente soviético Nikita Kruschev no perdonó a Kennedy haber tenido que dar marcha atrás tras la crisis de los Misiles y puso precio a su cabeza. “El paraguas era una señal”, dice misterioso.

Y por supuesto está la prueba irrefutable de que Oswald abandonó EE UU para vivir en la URSS, donde conoció a su mujer y madre de sus dos hijas, Marina, y de donde volvió convertido en “un traidor comunista”, apunta Mead. “Quién sabe lo que pasó en la época en que Oswald vivió entre ellos [los comunistas]. ¿Cómo un marine del Ejército de EE UU pudo traicionar así a su país?”, se pregunta.

Un disparo, dos, tres… hasta cinco tiros dicen que se escucharon. Todos provenientes de arma cubanas. “¿No quiso Kennedy acabar con Castro?”, pregunta Harold Myers, que hoy vende chapas conmemorativas, sin casi darse tiempo a acabar para decir: “Pues fue Castro quien acabó antes con Kennedy”, asegura sin dar más explicaciones y acercándose a un grupo de doctores que se encuentran estos días en la ciudad tejana para una convención de cirugía cardiaca. Expuesto lo anterior, la teoría cubana tuvo su mayor defensor en el presidente Johnson, quien llegó a decir lo siguiente en televisión en 1968: “Kennedy intentaba llegar a Castro pero fue Castro quien llegó primero”.

Cae la noche sobre la Plaza Dealey y quienes no se adhieren a la versión oficial dan el día por concluido. Saben que esta semana es importante. Esta semana tendrán la atención de los medios de comunicación y Dallas conmemorará, por primera vez desde el magnicidio, el aniversario de la muerte de Kennedy. “¿Quién sabe?”, dice Scheiber, “puede que no haya que esperar otros 50 años para conocer la verdad”, asegura al añadir que el resto de los archivos clasificados del caso Kennedy deberían ser accesibles al público en 2017 y dar a conocer la verdad. Quién sabe.

domingo, 17 de novembro de 2013

Bem-vindos a Dallas

Juliana Sayuri
O Estado de São Paulo

Escritor revisita a cidade fervorosamente anti-Kennedy na década de 1960, onde o ódio cresceu nos dias de JFK, culminando em sua morte.

Dallas, Texas. Ali John F. Kennedy foi assassinado a tiros. Se Kennedy entrou para a história imortalizado em diferentes papéis - o conquistador, o herói americano, o jovial presidente, o símbolo de uma época, Dallas também entrou. Foi-lhe cravada a identidade de "cidade do ódio". Sobre essa arena se debruçaram os americanos Steven L. Davis e Bill Minutaglio, autores de Dallas 1963.

Anotações, cartas e jornais antigos formaram o arquivo desses escritores, que retratam o que era a cidade à época. Quem nos conta essa história é Steven L. Davis, 50 anos, que cresceu e viveu por décadas em Dallas. "O ódio estava realmente presente na cidade. Esse sentimento que nós vimos começar, dominar e explodir em Dallas agora se espalhou nacionalmente. Está em todos os lugares dos EUA", diz Davis.

O que era Dallas em 1963?

John F. Kennedy foi alertado, por conselheiros e amigos próximos, a não ir a Dallas. No dia 24 de outubro de 1963, Adlai Stevenson, embaixador americano nas Nações Unidas, foi agredido ali - e também alertou o presidente. Na manhã em que desembarcavam na cidade, Kennedy disse a Jackie: "Estamos entrando numa terra insana". Por que Dallas era considerada uma cidade louca, uma cidade do ódio? À época, Dallas reunia americanos extremistas, que se sentiam ameaçados pelas posições do presidente sobre os direitos civis e a URSS. Ameaçados, pois defendiam a segregação racial e uma ofensiva nuclear contra a Rússia. E os lunáticos de Dallas não estavam à margem da sociedade, mas no centro. Líderes cívicos e poderosos eram os organizadores dessa resistência. Um dos principais opositores, o general Edwin Walker, conhecido por suas visões políticas ultraconservadoras, fez manifestações violentas e liderou o protesto contra Stevenson. Kennedy não podia deixar de ir a Dallas - isso mandaria uma mensagem errada para a sociedade, como se o presidente estivesse se rendendo ao general, e ele jamais faria isso. Dias antes de 22 de novembro, foram distribuídos milhares de pôsteres, como um cartaz de "procurado", com fotos de JFK, acusado de traição. Certamente havia outras cidades furiosas, outros focos de resistência, mas Dallas se tornou o quartel-general.

Por quê?

Dallas tinha influências religiosas, políticas e econômicas consideráveis por trás dessa resistência. H. L. Hunt, petroleiro texano e um dos mais ricos do mundo, estava destinando parte de sua fortuna a financiar investidas contra o presidente. Hunt tinha estações de rádio que transmitiam sua mensagem anti-Kennedy para o país. O nome da Praça Dealey, onde o presidente foi assassinado, vem de George B. Dealey, editor por muito tempo do Dallas Morning News, o mais influente jornal no sul do país. Ted Dealey, herdeiro do jornal, detestava JFK. Convidado com outros editores texanos a visitar a Casa Branca, em 1961, Ted confrontou o presidente. Disse: "Queremos um homem forte para liderar a América. Você só está brincando com o velocípede de Caroline". Quer dizer, o presidente estava diante de pressões internacionais - mísseis em Cuba, muro em Berlim, a URSS - e os opositores o viam como uma garotinha num triciclo. A cidade ainda tinha a maior igreja batista do país, com W. A. Criswell como líder espiritual. Num sermão, o reverendo criticou a religião de JFK, o primeiro católico a ocupar a Casa Branca, dizendo que o presidente não governaria, pois sempre se ajoelharia para o papa. Assim, Dallas se tornou um ímã para outros opositores de JFK, antes e durante sua presidência.

Como era antes?

Na campanha, Lyndon B. Johnson era a chave para conquistar votos no sul do país. Diante dessas investidas anti-Kennedy, os democratas estavam perdendo o Texas. No fim, as eleições de 1960 seriam decididas entre Texas e Illinois. JFK pediu a Lyndon Johnson que fosse a Dallas fazer campanha de última hora. Isso entrou para a história: apoiadores de Richard Nixon e parlamentares de Dallas receberam Johnson e Lady Bird com uma manifestação surreal, com cartazes dizendo que eles eram traidores e socialistas ianques. A cidade simples, com ruas simpáticas e minimercados se transformou, com moradores agressivos cuspindo nos Johnsons, atirando pedras e placas de trânsito neles. Era muita raiva, como se a loucura tivesse dominado as ruas de Dallas. As câmeras de TV gravaram essas cenas, que rodaram o país inteiro. Isso provocou uma reviravolta na campanha. Na época, o partido democrata reunia muita gente conservadora no sul. Eles eram contra os direitos civis, e por isso, não estavam apoiando JFK. Mas após essa manifestação horrível, principalmente contra Lady Bird Johnson, tão elegante, mudaram de ideia. Isso contribuiu muito para a vitória de Kennedy no Texas. E tornou a cidade famosa como polo anti-Kennedy, um antro de lunáticos agressivos. Essa atmosfera só piorou nos 1.036 dias de JFK na presidência, culminando em sua morte.

E após a morte de JFK, a cidade é outra?

Por muito tempo os americanos culparam a cidade inteira pelo assassinato. De fato, havia muito ódio ali. Após as primeiras notícias da morte de JFK, a polícia recebeu milhares de telefonemas. Eram mulheres desesperadas querendo confessar o crime para livrar seus maridos - que, pensavam elas, certamente teriam matado o presidente. A angústia de uma minoria, de gente poderosa, dominou Dallas. Depois, as pessoas passaram a negar qualquer relação entre o clima de ódio na cidade e a morte do presidente. Diziam que o assassinato poderia ter ocorrido em qualquer outro lugar. Assim, Dallas teve sua identidade marcada por 1963. Lutou contra esse passado por muito tempo - e ainda luta. Muitos queriam simplesmente apagar essa lembrança, demolir o prédio em que Lee Oswald se escondeu para atirar. Com o tempo, a cidade continuou a crescer, tornou-se mais cosmopolita, diversa e próspera, elegeu um prefeito negro (Ron Kirk, em 1995). Esse fazer as pazes com o passado começou na década de 1980, quando finalmente decidiram salvar o prédio da Praça Dealey, transformado no Museu Sixth Floor, que conta a história de uma maneira muito digna. Aliás, a morte de JFK foi um episódio sequestrado por teorias de conspiração envolvendo a máfia, a CIA, os cubanos. Muitos perderam perspectiva sobre o que realmente aconteceu.

O que realmente aconteceu?

JFK foi assassinado por Lee Oswald. Mas ainda hoje há muitas teorias de conspiração. O interessante é: por quê? Bill Minutaglio e eu estivemos em Dallas, no fim de semana passado. Quando discutimos nosso livro no Texas, os texanos imediatamente entendem o que estamos dizendo. Entendem totalmente o que era a cidade do ódio que certamente influenciou o atirador. Em outros lugares, é difícil compreender o que era essa atmosfera insana, é mais atraente acreditar em outras teorias - afinal, JFK era um político inteligente e carismático, um jovem bonito e sedutor, por que um perdedor iria matá-lo no Texas? Aí é mais fácil inventar histórias. Algumas teorias são simplesmente absurdas, como a que diz que LBJ matou JFK. As pessoas talvez prefiram acreditar em contos de fadas e filmes de Hollywood.

No pós-Kennedy, os americanos encontraram outro presidente que se tornou um símbolo de esperança nos EUA?

Sim, Barack Obama. Apesar das decepções e dos erros, Obama acertou muitas vezes. Suas palavras nos atingem, realmente trazem esperança por um país melhor. Não por acaso há paralelos com Kennedy. Os inimigos de Obama usam as mesmíssimas palavras que usavam os inimigos de JFK. Seriam traidores, socialistas, antiamericanos. Se Kennedy foi criticado por ser católico, Obama teria uma religião estranha e estrangeira - dizem os opositores, erroneamente, que o presidente é muçulmano. Um campo de batalha está se formando no nosso país. Muitos americanos se sentem ameaçados pelas mudanças que Obama poderia trazer, assim como se sentiam ameaçados por JFK. Ao visitar Dallas, Obama foi recebido pelo Tea Party com muitos cartazes que lembram 1963, com um fator a mais: o racismo. Mas tudo ocorreu tranquilamente. Afinal, a segurança presidencial melhorou muito desde a década de 1960.

O que mudou?

Não sou especialista em segurança, não posso dizer exatamente o que mudou. Mas melhorou. É uma característica interessante sobre nós, americanos. Após um ataque, forte e trágico, tendemos a ficar superprotetores e supercautelosos. Em diferentes escalas, o choque do 22 de Novembro é semelhante ao do 11 de Setembro. Tentamos manter tudo sob controle e nos conformes, um mundo hiperorganizado, mas é impossível controlar tudo.

Queria propor um exercício de imaginação: e se JFK não tivesse morrido?

Muitos imaginam como o mundo seria. Stephen King escreveu 11/22/63, uma viagem no tempo que tenta impedir o assassinato. O livro dá uma ideia do que seriam os EUA se a história tivesse sido diferente. Na realidade, não seria uma história muito bonita, pois JFK poderia não ser reeleito e ficaríamos muito perto de uma guerra nuclear. Na política internacional, JFK é lembrado por impedir a guerra nuclear, mas, na política interna, foi um fracasso total. Não avançou em nenhuma de suas propostas. Se JFK não tivesse morrido, enfrentaria o que Obama enfrenta hoje: críticas e frustrações por promessas e esperanças não cumpridas. Realmente, a morte muda tudo.

Há uma cidade raivosa como Dallas atualmente nos EUA?

Não há uma cidade em particular. Na verdade, esse sentimento de ódio que nós vimos começar, dominar e explodir em Dallas agora se espalhou nacionalmente. Está em todos os lugares do país.

Pensei que o sr. seria mais otimista...

Desculpe, mas é difícil ser um americano otimista nos dias de hoje.

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

O feitiço do camarote

Ruy Braga
Boitempo

Em sua teoria da acumulação do capital, Marx recorreu a um “conflito fáustico” para ilustrar a posição do capitalista no interior da estrutura social. Apesar da posse do dinheiro assegurar-lhe vasto poder e prestígio, este não poderia dispor livremente de seu capital como renda:

“Enquanto o capitalista clássico estigmatizava o consumo individual como pecado contra sua função e como uma ‘abstinência’ da acumulação, o capitalista moderno está em condições de conceber a acumulação como ‘renúncia’ ao seu impulso de fruição. ‘Vivem-lhe duas almas, ah! No seio,/Querem trilhar em tudo opostas sendas’ (Goethe)” (Marx, O capital, p. 668-9).

As leis coercitivas da concorrência simplesmente o obrigavam a transformar parte do valor não pago à classe trabalhadora em meios de produção e salários. Entre o desejo de consumir e a necessidade de reinvestir, o velho mestre do socialismo científico argumentou que a sociedade moderna transformava todos, sem exceção, em servos de um poder alheio e irracional, isto é, a pulsão da acumulação.

Mesmo descontando a simplificação do argumento, ou seja, todos os proprietários são considerados capitalistas industriais, o mais-valor é sempre realizado em sua globalidade e o crédito e o comércio exterior não existem, Marx argumentou que a capitalização seria impossível sem que a burguesia sacrificasse parte de sua liberdade em benefício do reinvestimento. Em termos sociológicos, foi Max Weber quem mais longe chegou nesta vereda ao afirmar que a ascese protestante teria representado um fator-chave na formação do fundo originário de investimento. Em suma, conforme o argumento clássico, a sociedade moderna, ao menos em suas origens remotas, dependeu de certa moderação dos gastos improdutivos.

É bem sabido que Weber e Marx deixaram de identificar resíduos deste comportamento racional entre os burgueses de sua própria época. Este associou, por exemplo, o circuito D-D’, isto é, a valorização do dinheiro pelo movimento do próprio dinheiro, ao coroamento do fetichismo do capital. Uma sociedade balizada por esta irracionalidade fatalmente degradaria seu padrão civilizacional em benefício da universalização da barbárie. A história do século XX em seu interminável calvário de crises, de guerras e de holocaustos, deu-lhe total razão.

Como a crise econômica mundial não nos deixa esquecer, o ciclo da globalização financeira livrou o capitalista até mesmo da memória daquele dilema “fáustico”. Afinal, a acumulação é hoje em dia predominantemente orientada para a compra e a venda de… dinheiro! Porque se preocupar com a longa desaceleração econômica que insiste em deprimir a economia mundial se é possível seguir lucrando por meio do financiamento da dívida dos Estados, da privatização do patrimônio público, da especulação financeira ou da imposição de pacotes fiscais de “austeridade” aos trabalhadores?

Se a ascese capitalista não é mais necessária à acumulação e os Estados garantirão os lucros e as rendas financeiras dos dominantes, o que resta à burguesia fazer? A resposta é simples: cair na farra enquanto o resto da sociedade vive da mão para a boca. Aliás, uma reportagem recente publicada pela revista Veja São Paulo sobre os “reis do camarote” da noite paulistana ilustrou à perfeição a natureza parasitária, perdulária, iletrada e patética da burguesia tupiniquim.

O personagem principal da matéria, Alexander de Almeida, é retratado como um incorrigível bon vivant sempre disposto a gastar 50 mil reais em uma única noitada. Quando ficamos sabendo que este senhor é proprietário de um escritório de recuperação de carros cujos clientes são bancos, percebemos a condição de acólito do capital financeiro cuja fortuna acumula-se em razão da desgraça dos devedores.

Evidentemente, o comportamento deste pateta não teria tido maiores consequências não fosse a desfaçatez pornográfica de sua impostura: um vídeo com os “dez mandamentos do rei do camarote” produzido pela “Vejinha” tornou-se viral na internet, escancarando a arrogância cínica e oca dos proprietários de capital:

“Eu gosto mais de tomar vodca, mas a champanhe ‘são’ ‘stats’. (…). Quando a pessoa tá na pista ela é mais um. Agora quando fica no camarote, ela acaba em evidência. O camarote é uma questão de ‘stats’. (…). A conta você sabe como é, né? Ela pode variar de R$ 5 mil até o infinito” (Alexander de Almeida).

Levando-se em conta o atual recorde de 45% de famílias trabalhadoras endividadas com os bancos, não é de se espantar que tantos tenham se sentido afrontados pelos “mandamentos” deste presbítero da igreja do rentismo. Além disso, não deixa de ser trágico que, em um país onde as lideranças petistas batalham diuturnamente pela conciliação de classes em benefício de super-lucros financeiros, a tarefa histórica de despertar e estimular o ódio contra os capitalistas e seus capachos tenha sido reservada à revista Veja.

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Decrecimiento es equidad

Jesús Veci
Lanzarote Sostenible

Si la producción genera desigualdad creciente, la injusticia social convierte en insostenible cualquier sociedad. Sabemos que el actual modelo de producción, distribución y consumo es insostenible a escala planetaria. La emergencia de países con grandes poblaciones que también aspiran a dicho modelo, acelera el agotamiento de los recursos y aumenta los impactos medioambientales.

El modelo capitalista es insostenible, irreproducible e imposible a escala global. La única salida socialmente equitativa y medioambientalmente sostenible es el decrecimiento de los países enriquecidos. Mantener el consumo actual supone dejar muchísimos menos recursos para otros países y para las siguientes generaciones. Por ello, unos tendrían que decrecer para que otros, que no tienen cubiertas sus necesidades básicas, puedan crecer a niveles adecuados. El computo global supondría una reducción de la escala física de la economía para hacerla compatible con los límites biofísicos del planeta, pero garantizando el crecimiento de aquellos que nada tienen, es decir, garantizando las necesidades básicas de todos los seres humanos. Ahí residiría la verdadera sostenibilidad, puesto que está totalmente ligado a la equidad.

El decrecimiento se ha intentado plasmar en la práctica de diferentes maneras, no es una fórmula cerrada, más bien se formula desde unos ejes y se deja a la actividad individual el poder llevarlos a la práctica. De manera general, los diferentes esfuerzos para construir una economía solidaria (comercio justo, banca ética, consumo crítico, cooperativas de consumidores, agricultura agroecológica, etc.) constituyen experiencias útiles para la definición de alternativas al crecimiento. Estas iniciativas intentan situar a las personas, sus necesidades, sus relaciones y su entorno en el centro de las actividades económicas, rechazando el objetivo del crecimiento por el crecimiento y superando la valoración exclusivamente monetaria de productos y servicios, al incorporar criterios de sostenibilidad social y ecológica.

Debemos realizar una amplia revolución cultural que propugne el ecocentrismo, apostando por la perseveración de todos los recursos naturales, sin la intervención de criterios económicos. Para solventar la crisis económico-social no basta con soluciones tecnológicas y económicas, hay que articular medidas a nivel educativo y social. La solución del problema vendrá por un profundo cambio en la sociedad, el individuo y su estilo de vida, el cual debemos empezar a realizar desde abajo hasta arriba desde ya. Se trata de cambiar el paradigma de visión propugnado por la cultura liberal y abordar un nuevo concepto de visión que posibilite un modelo económico no dañino con las pocas reservas existentes, ni con las generaciones venideras.

Debemos cambiar el eje de análisis cultural y desechar el antropocentrismo devastador de nuestro hábitat y de nuestras relaciones sociales, y apostar por nuevas visiones de carácter biocéntrico que de distintas maneras desplazan al ser humano del centro de la escena y ponen en su lugar la biosfera. Esto supone un cambio de cosmovisión. Es desde esa visión biocéntrica, desde donde los seres humanos podrán reconocer su intima relación y dependencia con respecto a su medio natural. Para poder desarrollar así una forma de crecimiento autosuficiente que no ataque los ciclos biológicos y que al final se vuelva en nuestra contra.

Para la economía actual, la distribución está supeditada a la producción; para el decrecimiento, la distribución tanto económica como ecológica prima sobre la producción. Si sobrepasamos la capacidad de carga de la biosfera el proceso productivo está destinado a acabar con la vida y con el planeta. Si la producción genera desigualdad creciente, la injusticia social convierte en insostenible cualquier sociedad, el bienestar está totalmente relacionado con la cuestión política de la distribución. El decrecimiento se sustenta siempre en el reparto de los recursos (naturales, bienes y servicios, etc.) de la manera más igualitaria posible, para que todos tengamos suficiente y no cada vez más. Eso nos lleva a la valoración en los ámbitos de la producción: ¿Qué hay que producir? ¿Por qué? ¿Para qué?.

El reto del decrecimiento es aprender a producir valor y felicidad reduciendo la utilización de materia y energía. No es un concepto cerrado, sino más bien de una fórmula dinámica que deja fundamentalmente a la praxis los caminos posibles para superar todas estas contradicciones. El decrecimiento implica desprenderse de un modo de vida equivocado, incompatible con el planeta, se trata de buscar nuevas formas de socialización, de organización social y económica. Es necesario reducir el consumo para reducir el agotamiento de nuestros recursos vitales al mínimo compatible con una supervivencia razonable de la especie.

En última instancia, nuestros modelos de economía y sociedad tienen que volver a respetar la capacidad de carga de la tierra y reconocerse como lo que son: subsistemas dependientes de la biosfera. Respetar la capacidad de carga de la tierra significa vivir de los ingresos naturales. Nuestro modelo de desarrollo se sustenta en el desgaste de recursos no renovables, lo cual condena la supervivencia de la humanidad y de la biosfera. Para alcanzar la sostenibilidad ecológica, tendremos que apostar por energías renovables que, por sus limitaciones, nos llevará a una reducción drástica de nuestro consumo energético.

Las consecuencias del fin de la era del petróleo son impredecibles, conllevará una desglobalización y el fin de la economía de crecimiento y del modelo occidental. Lo que sí es evidente es que el aspecto energético es clave en las perspectivas futuras de agravación de las crisis ecológicas y sociales del planeta.