quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

O que os dissidentes dizem sobre nós

Luiz Sérgio Henriques
Revista Pittacos

O exemplo não será de todo adequado, pois gira em torno de personagens da alta cultura, a saber, o romancista russo Alexander Soljenitsin e o filósofo húngaro Georg Lukács. O primeiro, como se sabe, prêmio Nobel de Literatura em 1970, foi um famoso “dissidente” no próprio país – a originária “pátria do socialismo” –, com dimensão simbólica internacional semelhante à do físico Andrei Sakharov. Cabe dizer que, como tantos outros oposicionistas do então bloco socialista do Leste europeu, figuras assim eram vistas como embaraço por boa parte da esquerda ocidental, ao se erguerem internamente contra as estruturas do socialismo realmente existente em nome da democracia e dos direitos humanos.

Georg Lukács, filósofo comunista de cepa irretocável, nunca foi um grande pensador da política: seu leninismo, mesmo em época bastante tardia, levou-o a imaginar um improvável retorno da URSS, já definitivamente enrijecida, aos tempos fervilhantes da revolução e da democracia direta. O filósofo, no entanto, teve a coragem de romper uma barreira espiritual quase intransponível, ao analisar e saudar, na década de 1960, o sopro de renovação trazido pelas narrativas de Soljenitsin, especialmente Um dia na vida de Ivan Denisovich, Primeiro círculo e Pavilhão dos cancerosos. Obras-primas da literatura e denúncias fundamentais do stalinismo.

Talvez sejam exemplos solenes demais para o caso de Yoani Sánchez, uma mulher deste nosso admirável mundo novo das redes sociais, que, tanto quanto se sabe, reporta com vivacidade, em blog, o cotidiano de Cuba, esta outra “pátria socialista”, agora em dimensão mais propriamente latino-americana. Yoani, retratando o dia a dia dos cubanos, ou de uma parte deles, por certo não escreveu nada parecido com a saga do Ivan Denisovitch num gulag soviético, mas, tal como Soljenitsin, é uma dissidente. E tantos anos depois este tipo de personagem ainda é encarado como estorvo ou mesmo como presença a ser rejeitada, no Brasil redemocratizado da Constituição de 1988 e com a presidência legalmente posta nas mãos de um partido de esquerda – de resto, fato inédito e digno de comemoração cívica.

Se Yoani, com o respeito que se deve a quem vive em condições adversas por causa das suas ideias, não é o Soljenitisin daqueles romances mencionados, seus detratores brasileiros ostentam credenciais que merecem também ser examinadas com o mesmo ou até maior rigor. Foram além de vaiar ou se manifestarem dos mais variados meios legítimos contra a presença da cubana, sem lhe ameaçar a integridade física. Fizeram algo muito diferente de, valendo-se dos recursos que a democracia a todos permite, reunirem-se em defesa da causa de Cuba – de uma determinada visão de Cuba – ou de, para dar um exemplo quase automático, protestarem contra o anacrônico bloqueio americano. Foram muito além disso tudo, e cabe examinar brevemente por que foram.

A visão de que o mundo se reparte em mocinhos e bandidos conheceu – exatamente com a consolidação do poder de Stalin, há quase 100 anos! – uma inusitada expansão para as relações interestatais. Várias gerações de comunistas, que no Ocidente e fora do poder, em geral combatiam boas causas em defesa dos subalternos, passaram a entender o mundo como o conflito irreconciliável entre um país que “encarnava” o socialismo e seus oponentes capitalistas ou imperialistas. Na falta de uma articulação democrática interna da pátria socialista, quem dissentia era literal e metaforicamente demonizado: não faltou quem chamasse Trotski, derrotado na luta interna, de “puta do fascismo” (o que, diga-se de passagem, não quer dizer que Trotski fosse garantir sorte melhor aos seus adversários, caso tivesse vencido). Bukharin, artífice de uma relação menos tensa com o imenso mundo camponês às vésperas da coletivização forçada, em 1928, apareceria alguns depois, humanamente arrasado, num dos infames processos de Moscou, na época do Grande Terror. Como se sabe, seria eliminado como “inimigo do povo”. E, sem terminar o rol da intolerância, no auge do sectarismo comunista os social-democratas eram, pura e simplesmente, “social-fascistas” – piores até do que os fascistas e os nazistas.

O hábito de designar religiosamente – no mau sentido da palavra, um sentido que a aproxima do fanatismo e do espírito inquisitorial – um país como a “pátria do socialismo” não se limitou à antiga URSS. O fascínio ideológico podia se deslocar para outros altares, como aconteceu com a China do maoísmo e da revolução cultural e, em momento sucessivo, até mesmo a Albânia do camarada Enver Hodja, tida numa certa época, inclusive por corrente política no Brasil, como o “verdadeiro farol do socialismo”. Paciência, aqui já estamos naquilo que o saudoso Stanislaw Ponte Preta chamava de “o perigoso terreno da galhofa”…

Este tipo de representação do mundo, de matriz stalinista, não é inocente. Quem forma a própria cabeça e a alma neste catecismo elementar incapacita-se, necessariamente, para o exercício da análise crítica, diferenciada. No paraíso que imagina, não consegue supor a existência de pessoas e grupos políticos e sociais que divirjam, que pensem diferente, que tenham outras visões das coisas e do próprio país. No inferno que esquematiza – no caso, a matriz ianque do imperialismo –, não consegue visualizar a rica cultura política fundadora, sua própria origem revolucionária, a dinâmica social e econômica multissecular que atraiu pensadores como Gramsci, bem como a inovação “epocal” representada pelo reformismo rooseveltiano ou pela batalha dos direitos civis de Luther King.

Ao contrário de tudo isso, o mundo, tal como ensinado por Stalin, divide-se em Disneylândias opostas, uma de tipo consumista, outra de tipo ideológica. E ambas falsas e ilusórias, a fanatizar, estreitar e limitar os espíritos. E, também, a limitar o horizonte político e cultural da própria esquerda, que teria a obrigação de defender as liberdades sempre e em toda parte, muito especialmente, como queriam o liberal Voltaire e a revolucionária Rosa, a liberdade de quem pensa de modo diferente.

Yoani, depois de várias tentativas, conseguiu exercer o direito elementar de sair de Cuba e enfim, entre nós, prestar um testemunho subjetivo e, por certo, parcial, sobre as coisas, as pessoas e as instituições que vivencia e com que se defronta e confronta todos os dias. A ilha, por seu turno, não está imobilizada no tempo: tem conhecido ultimamente reformas econômicas que, pelo menos na teoria, privilegiam a iniciativa dos indivíduos e limitam a paralisia asfixiante que parece característica irremovível dos regimes extremamente centralizados e “estatólatras”.

Tudo isso é positivo, mas não basta. Além do dinamismo econômico, a transição cubana, que só os voluntariamente cegos não veem já estar em pleno curso, precisaria assentar numa sociedade civil viva, feita de uma multiplicidade de indivíduos livres e capazes de pensar por si mesmos, como a própria Yoani. E feita também, evidentemente, de um tecido associativo que a resguarde de restaurações mafiosas, tal como a que, aliás, aconteceu na antiga matriz soviética, e dê alento a uma nova esquerda capaz de se movimentar no ambiente liberado das travas do partido-Estado – ambiente que, não tenhamos dúvida, mais cedo ou mais tarde virá.

Ao falar deste tipo de questão, estamos falando também de nós, do tipo de esquerda que temos (pelo menos em parte) e das suas estruturas mentais forjadas, como o enferrujado aço stalinista, no tempo da guerra fria. A propósito, não custa nada tirar da prateleira ou xeretar nos sebos o Ivan Denisovich e os ensaios lukacsianos que acolheram este Soljenitsin. Podem ser um bom inicio de conversa.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

¿El comienzo o el fin de las revoluciones?

Immanuel Wallerstein
La Jornada

En diciembre de 2010 un solo individuo encendió en Túnez una revolución popular contra un autócrata venal, levantamiento que fue seguido muy pronto por una erupción semejante en Egipto contra otro autócrata venal parecido. El mundo árabe se sorprendió y la opinión pública mundial expresó de inmediato sus simpatías con estas expresiones modelo de las luchas por todo el mundo en pos de autonomía, dignidad y un mundo mejor.

Ahora, tres años después, ambos países están enfrascados en fieras luchas políticas, violencia interna que está escalando –y una gran incertidumbre acerca de adónde conduce todo esto y quién resultará beneficiado. Hay algunos aspectos particulares en cada país, algunos que se reflejan en los levantamientos por todo el mundo árabe o árabe-islámico y algunos aspectos que son comparables con lo que está ocurriendo en Europa y, en alguna medida, por todo el mundo.

¿Qué ocurrió? Debemos comenzar con el levantamiento popular inicial. Como con frecuencia es el caso, comenzó con gente joven muy valiente que protestaba contra la arbitrariedad de los poderosos –a escala local, nacional e internacional. En este sentido su lucha era anti-imperialista, contra la explotación y profundamente igualitaria. Guarda mucha semejanza con la clase de levantamientos que ocurrieron por todo el mundo entre 1966 y 1970, que alguna vez llamamos la revolución-mundo de 1968. Como entonces, las protestas tocaron una cuerda profunda dentro del país y atrajeron un respaldo público amplio mucho más allá que el pequeño grupo que las iniciaron.

¿Qué pasó después? Una revolución anti-autoritaria generalizada es algo muy peligroso para quienes detentan la autoridad. Cuando las medidas represivas iniciales no parecieron surtir efecto, muchos grupos buscaron domesticar las revoluciones uniéndose a ellas, o por lo menos aparentando unirse. En Túnez y Egipto, el ejército entró en escena y se negó a disparar contra los manifestantes, pero buscó también el control de la situación tras la deposición de los dos autócratas.

En ambos países había habido un fuerte movimiento islamita, la Hermandad Musulmana. Fue puesta fuera de la ley en Túnez y se le había controlado y circunscrito en Egipto con cuidado. Las revoluciones permitieron que emergieran en dos formas: ofreciendo asistencia social a los pobres que habían sufrido por la negligencia del Estado y formando partidos políticos con el fin de obtener una mayoría parlamentaria que les permitiera controlar la redacción de las nuevas constituciones. En las primeras elecciones en cada uno de estos países emergieron como el partido político más fuerte.

Siguiendo con esto, hubo básicamente cuatro grupos compitiendo en la arena política. Además del partido de la Hermandad Musulmana –Ennahda, en Túnez, y el Partido de la Libertad y la Justicia, en Egipto– había tres otros actores políticos: las fuerzas laicistas más o menos a la izquierda, las fuerzas salafistas de extrema derecha que buscaban legislar una mucho más astringente versión de la sharia que la de los partidos de la Hermandad Musulmana y los todavía fuertes simpatizantes cuasi-subterráneos de los viejos regímenes.

Tanto los partidos de la Hermandad Musulmana como las fuerzas laicistas están, de hecho, bastante divididos al interior, especialmente en cuanto a las estrategias que buscan emprender. Los partidos de la Hermandad Musulmana se enfrentan con los mismos dilemas políticos que en años recientes han sido los de los partidos de centro-derecha en Europa. Los países tienen severos problemas económicos continuos, lo que da origen a partidos de extrema derecha o los fortalece, lo cual amenaza la capacidad de que el partido centro-derecha de corriente dominante gane las futuras elecciones. En estas situaciones ha habido quienes, por todas partes, pretenden recuperar votantes de la extrema derecha moviéndose en su dirección y endureciendo su línea con respecto a la izquierda o a las fuerzas laicistas. Y ha habido los llamados moderados que piensan que el partido debe moverse hacia el centro y recuperar votos ahí.

La izquierda o fuerzas laicistas contienen, a su vez, una amplia gama de grupos: grupos en verdad de izquierda (pero múltiples) y los demócratas de clase media que alientan lazos económicos más estrechos con las fuertes fuerzas de mercado de Europa y Estados Unidos. En cuestiones económicas, estos grupos de clase media están, de hecho, bastante cercanos a lo que proponen las fuerzas islamitas moderadas.

Entre tanto, las fuerzas que siguen siendo leales a los antiguos regímenes venales mantienen el control de una institución que es clave: la policía. Es la policía la que dispara en la manifestaciones de las fuerzas laicistas. Cuando estas fuerzas protestan por el asesinato de Chokri Belaid, líder laicista clave, el primer ministro de Túnez, Hamadi Jebali, islamita que se dice moderado, protesta diciendo que está apabullado por el asesinato. A esto, los grupos laicistas replican que los partidos islamitas, en especial los conocidos como de línea dura, son responsables, en cualquier caso indirectamente, de haber creado el clima dentro del cual pudo ocurrir un asesinato así.

Es más, Túnez y Egipto no son países aislados. Sus vecinos en el mundo árabe y más allá también están sumidos en disturbios. La intrusión geopolítica de las fuerzas exteriores es muy grande. Ambos países son relativamente pobres y necesitan de asistencia financiera exterior para lidiar con el creciente y duradero desempleo, que se hizo más severo por la pérdida de los ingresos procedentes del turismo –que para ambos países era una fuente central de entradas.

Así que, ¿a dónde va todo esto? Hay únicamente dos posibles direcciones. Una es el fin de la revolución, al menos por ahora. Los dos países pueden avizorar gobiernos muy incrustados por la derecha, con respaldo de los militares (y tal vez controlados por ellos), con constituciones socialmente conservadoras y políticas exteriores cautelosas. La otra dirección es el inicio de la revolución, en la cual el espíritu inicial de 1968 recupere fuerza, para que tanto Túnez como Egipto se vuelvan, una vez más, faros de transformación social, ellos mismos, para el mundo árabe, para todo el mundo.

Por el momento parecería que las fuerzas que empujan hacia el fin de la revolución tienen la mano. Pero en este caótico mundo es demasiado pronto para bajar la cortina para una fuerza revolucionaria renovada en ambos países.

sábado, 23 de fevereiro de 2013

Quem tem medo de Yoani Sánchez?

Diego Cruz
PSTU

É necessário um real debate sobre o que se passa em Cuba e o verdadeiro caráter do regime castrista

Desde o dia em que aterrissou no Brasil, a blogueira cubana Yoani Sánchez vem enfrentando protestos de militantes pró-regime castrista. Em Feira de Santana (BA), chegaram a impedir a exibição do documentário "Conexão Cuba-Honduras" que tem a blogueira como uma das entrevistadas. Além de defender o governo cubano, essas manifestações impulsionadas pela UJS/PCdoB e outros setores, atacam Yoani como "agente da CIA", supostamente bancada pelo imperialismo com o objetivo de desestabilizar Cuba.

Esses protestos mostram parte do respaldo que o regime cubano ainda encontra em vários setores da esquerda. Outros setores, no entanto, como o PSTU, não integram nem apoiam essas manifestações. E mais ainda, defendem a necessidade de se abrir uma real discussão sobre Cuba e o que representa o governo encabeçado pelos irmãos Castro. É esse o debate que os manifestantes que perseguem Yoani querem impedir que aconteça.

Cuba em debate

O que é Cuba hoje? Um bastião do socialismo que sobreviveu ao débâcle do chamado “socialismo real” na década de 1990, ou um país capitalista com uma ditadura que se perpetua graças à repressão e perseguição aos seus opositores? Por que essa discussão desperta tantas paixões em todo o mundo? A primeira resposta certamente é que, quando falamos de Cuba, estamos nos referindo a um país que foi palco de uma das mais importantes revoluções do século XX.

O regime castrista goza ainda da autoridade política e do prestígio conquistados com a revolução que, em 1959, depôs a ditadura de Fulgêncio Batista e pouco depois expropriou a burguesia. A primeira e única revolução socialista da América Latina transformou a pequena ilha do caribe do "quintal dos EUA" como era conhecido, em um país com índices sociais comparáveis aos dos países desenvolvidos. A reforma agrária e investimentos maciços nas áreas sociais extinguiram pragas do capitalismo como a miséria, o desemprego e o analfabetismo. Não foi por menos que Cuba se tornou em um exemplo para gerações de ativistas socialistas ao redor do mundo.

Cuba, porém, não é só um exemplo do que é possível avançar ao se expropriar a burguesia e o imperialismo. É uma prova também de que, tudo o que não avança, retrocede. No caso, o país, governado por uma burocracia estalinista desde o início, viu o capitalismo ser restaurado pelas mãos do próprio setor que dirigiu a revolução. Os três pilares de uma economia de transição ao socialismo hoje já não existem: o monopólio do comércio exterior, a propriedade estatal e o planejamento econômico pelo Estado.

A restauração do capitalismo imposta pela ditadura Castro principalmente a partir dos anos 1990, levou de volta à ilha velhos problemas sociais, como uma desigualdade cada vez maior, pobreza e antigas chagas do capitalismo que haviam desaparecido, como a prostituição que se prolifera nas áreas frequentadas pelos turistas estrangeiros. Em Havana, regiões ricas e sofisticadas dedicadas ao turismo e à burocracia castrista convivem ao lado de áreas pobres e literalmente caindo aos pedaços. Já os trabalhadores são obrigados a sobreviverem com um salário médio de 18 a 20 dólares por mês.

Em 2011, o governo anunciou a demissão de nada menos que um milhão e trezentos mil trabalhadores das estatais no país, como forma de se "reduzir" o peso do setor público. A dura verdade, que os defensores do regime castrista se negam a reconhecer, é que o capitalismo há muito é uma realidade em Cuba, assim como os demais males inerentes de uma sociedade capitalista. Confundem e transformam em uma só coisa a revolução cubana e a burocracia castrista.

O que restou no país, além do capitalismo, foi o controle de uma ditadura de partido único, que não permite qualquer liberdade de expressão e organização. Quando os militantes da UJS/PCdoB impedem Yoani Sánchez de falar ou qualquer debate sobre o tema, estão tentando bloquear aqui no Brasil esse mesmo debate que não pode ser feito em Cuba. Se não concordam que existe hoje uma ditadura, por que não argumentam e apresentam seu ponto de vista? Lamentavelmente, é essa a discussão que tanto temem esses ativistas. Mais do que qualquer suposto agente da CIA.

Yoani e as liberdades democráticas

Mas quem é essa figura chamada de “terrorista” pelos defensores do castrismo? Yoani Sanchez é filóloga e se tornou conhecida quando, em 2007, passou a publicar o blog "Geração Y", com fortes críticas ao regime cubano. Passou a denunciar perseguições e intimidações do governo e a ganhar notoriedade em grandes veículos de comunicação mundo afora. É colunista, por exemplo, do espanhol El Pais e, no Brasil, tem seus posts publicados pelo Estadão. Antes da reforma migratória, teve seu visto de saída negado 20 vezes pelas autoridades cubanas.

A esquerda castrista acusa Yoani de ser uma “agente do imperialismo”, guiada pela CIA e o próprio governo norte-americano. Para embasar tal tese, citam, por exemplo, os prêmios que a blogueira recebeu de veículos da imprensa internacional e documentos vazados pelo Wikileaks que relatariam reuniões da cubana com representantes do governo dos Estados Unidos. Em seu périplo pelo Brasil, a blogueira criticou a posição do governo brasileiro em relação aos Direitos Humanos em Cuba, condenou o embargo norte-americano à ilha e chegou a elogiar as últimas medidas do governo Castro: “as reformas econômicas que tem feito estão na direção correta”.


Suposições sobre suas reais motivações à parte, fato é que a blogueira faz uma crítica correta a partir de um fato concreto: a ausência de liberdade de expressão e organização em seu país. Ou os defensores do castrismo também dirão que vigora a democracia na ilha? Seria possível, por exemplo, organizar um partido que se coloca como oposição à burocracia castrista, como o PSTU, em Cuba? Ou como o PSOL? Ou qualquer partido ou organização sindical que tenha como objetivo organizar os trabalhadores e o povo de forma independente do governo? Sabemos muito bem que não.

O mais perverso dessa história é que a ausência de liberdades na ilha faz com que a única oposição à burocracia castrista que aparece como alternativa ao povo cubano seja composto pela direita e os gusanos (os exilados da revolução que se refugiaram na Flórida e que desejam reaver suas propriedades expropriadas). Ou Yoani que, apesar de corretamente reivindicar a democracia em seu país, tem como horizonte político um regime democrático burguês (por isso elogia as recentes medidas do governo).

A infeliz posição da esquerda castrista no Brasil, por sua vez, tem seu grau de responsabilidade, ao entregar de bandeja à direita a bandeira por liberdades democráticas em Cuba. É patético observar, por exemplo, o deputado Jair Bolsonaro, defensor da ditadura militar no Brasil, condenar a ditadura cubana.

O castrismo é responsável ainda por reforçar um estereótipo de socialismo associado a caricaturas totalitárias, como a China ou Coreia da Norte. O socialismo deveria não só aceitar como estimular debates e opiniões diversas. Deveria contrapor-se ao capitalismo e ao monopólio de seus grandes conglomerados de mídia com a mais ampla liberdade de expressão e crítica.

Já é hora de a esquerda identificada com o castrismo desfazer-se de seu arsenal de calúnias e acusações estalinistas e debater essas questões de forma franca, com ideias e argumentos.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Sexo, dinheiro e poder podem ter influenciado na renúncia do Papa

O Globo


Segundo “La Repubblica”, Bento XVI teria decidido deixar o cargo no dia em que recebeu o dossiê do Vatileaks.

Oficialmente, o desgaste físico e espiritual pesou sobre os 85 anos de Bento XVI. E um dossiê de quase 300 páginas, dividido em dois volumes encadernados com couro vermelho, sepultou de vez o pontificado dele, sustentou nesta quinta-feira o jornal italiano “La Repubblica”. O documento foi compilado por três cardeais a pedido do próprio Papa, durante nove meses, após o escândalo do roubo de documentos secretos do Pontífice, conhecido como VatiLeaks. As páginas proporcionaram leitura detalhada de dezenas de capítulos sobre corrupção, promiscuidade, mapeamento de uma rede de prostituição homossexual dentro do Vaticano e desvio de dinheiro. E transformaram-se no argumento definitivo para uma renúncia considerada há tempos pelo Pontífice alemão.

Este documento será entregue ao próximo Papa, que deverá ser bastante forte, jovem e santo para poder enfrentar o trabalho que o espera - teria reagido Bento XVI, segundo o “La Repubblica”. As investigações internas acerca do VatiLeaks se estenderam entre abril e dezembro, e o Papa era informado semanalmente do andamento do inquérito. No dia 17 de dezembro, ele recebeu o dossiê completo, de conclusões “devastadoras”, segundo o jornal.

O espanhol Julián Herranz, o italiano Salvatore De Giorgi e o eslovaco Josef Tomko formaram o trio de investigadores eleito por Bento XVI. Todos são cardeais veteranos, velhos conhecedores da Cúria, com mais de 80 anos de idade. Principalmente Tomko: aos 88 anos, foi o diretor do serviço de contraespionagem do Vaticano no papado de João Paulo II.

Rede de lobby gay entre sacerdotes

Entre os malfeitos que mais assombraram o Papa está a rede de prostituição de jovens seminaristas descoberta em 2010. No alvo da investigação, Angelo Balducci, presidente do Conselho Nacional Italiano de Obras Públicas, cujo telefone foi grampeado por suspeita de corrupção.

De acordo com o “La Repubblica”, descobriu-se, então, que frequentemente ele conversava com o nigeriano Chinedu Thiomas Eheim, membro do coro da Reverenda Capela Musical da Sacrossanta Basílica de São Pedro. Ele seria o agenciador de encontros que aconteciam numa casa fora de Roma, numa sauna, em um centro estético e até no próprio Vaticano, além de uma residência universitária na capital italiana onde vivia Marco Simeon, um jovem de 33 anos alçado a diretor da TV Rai Vaticano.

Só digo que ele tem dois metros de altura, pesa 97 quilos, tem 33 anos e é completamente ativo - disse o nigeriano a Balducci, numa das ligações interceptadas. O jornal italiano menciona, ainda, a possível existência de um “lobby gay” dentro do Vaticano, “uma rede transversal unida pela orientação sexual”.

Ao revelar ao Papa o caso em 9 de outubro passado, teria sido a primeira vez que a palavra “homossexualidade” fora pronunciada livremente, em voz alta, no apartamento de Bento XVI. Dois dias depois, num discurso a jovens da Ação Católica sobre o Concílio Vaticano II, o Papa fez uma espécie de desabafo. Mencionou que havia a certeza “de que viria uma nova primavera para a Igreja”, mas que, com o tempo, aprende-se “que a fragilidade humana está presente também na Igreja”.

O latim aparece no dossiê para falar de impropriam influentiam, influências impróprias e externas. Um fonte próxima aos três cardeais-investigadores explicou que Bento XVI decidiu renunciar com esse material sobre a mesa. Tudo gira em torno do cumprimento do sexto e do sétimo mandamentos - garantiu a fonte, referindo-se a “Não cometerás atos impuros” e “Não furtarás”.

Às vésperas de um conclave atípico e repleto de dúvidas sobre o futuro do Papa demissionário, não faltam interpretações dos últimos discursos de Bento XVI, onde se destacaram menções enigmáticas sobre “divisões que deturpam a face da Igreja” e pedem renovação. Ontem, o porta-voz do Vaticano, Federico Lombardi, não quis alimentar as polêmicas: Não espere comentários, desmentidos ou confirmações do que é dito sobre este tema. A comissão fez seu trabalho e entregou seu relatório nas mãos do Santo Padre como deveria ter feito.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Iglesia en colapso con la renuncia de Bento XVI

Bernardo Barranco
La Jornada

A una semana del anuncio inesperado de la renuncia del Papa empiezan a circular explicaciones más razonadas de una iniciativa inédita en la historia moderna de la Iglesia católica. El propio Papa se ha encargado de esclarecer el sentido de su renuncia. El Miércoles de Ceniza denuncia las divisiones dentro de la curia, la hipocresía y los intereses materiales e individuales de los actores religiosos, es decir, el mismo Benedicto XVI nos sugiere que su decisión es una renuncia de Estado, por el bien de la Iglesia. Aun bajo los efectos de la sorpresa, la Iglesia está bajo el estado de shock. Frente a la pérdida de compostura de muchos personajes de la Iglesia, colaboradores y fieles, Ratzinger es casi el único que guarda compostura, conserva toda su lucidez, serenidad y sapiencia.

El Papa parece ser el fatigado capitán de un navío que desde hace años naufraga, debilitándose cada vez más frente a las tormentas amenazantes que lo azotan. Joseph Ratzinger tal vez será más conocido como el primer Papa en la historia moderna que ha renunciado voluntariamente a su cargo. Se trata, sin duda, de una renuncia casi política. Las justificaciones sobre la edad, las enfermedades y el cansancio del Papa son parciales; se quiere acentuar, alegóricamente, la dificultad de ser anciano en esta época de grandes cambios tecnológicos y de mediatización mundial.

Joseph Ratzinger hereda una Iglesia gloriosa fabricada por Juan Pablo II: de masas, triunfalista, mediática, pero es sólo una ilusión que pronto se cae en pedazos. La tremenda crisis planetaria de la pederastia sacude violentamente sus viejos cimientos; la crisis mediática descobija y expone ante la opinión pública, sobre todo a la vieja guardia wojtyliana, la complicidad y encubrimiento a los pederastas clericales como modus operandi. Marcial Maciel y los legionarios quedan nuevamente en el ojo del huracán por la desvergonzada e inmoral corrupción con la que iban comprando lealtades y disimulos eclesiásticos, desde el secretario particular de Wojtyla Stanislaw Dziwisz y su secretario de Estado Angelo Sodano, entre otros potentes actores eclesiásticos.

La respuesta relativamente más autocrítica de Benedicto XVI irrita tanto a los monseñores de la curia como los nuevos nombramientos que indicaban un desplazamiento burocrático de la vieja guardia. Aquí se produce la fractura en medio de los huracanes que minaban la unidad de la Iglesia. Justo en su 15 viaje apostólico, en mayo de 2010, en Portugal, a propósito de los embates sobre la pederastia, el Papa sentenció: "No sólo de fuera vienen los ataques al Papa y a la Iglesia, sino que los sufrimientos de la Iglesia vienen justo del interior de la Iglesia, del pecado que existe en la Iglesia."

El propio Ratzinger en sus primeros cinco años contribuyó con ciertos desatinos provocando altercados en diferentes frentes. Ha propiciado con sus posicionamientos álgidas polémicas colaterales. Como el discurso de Ratisbona que desencadena la ira del mundo musulmán; abrió sin éxito las puertas a ultraconservadores lefebvristas, por tanto, la ambivalencia con que el Papa trató al principio a la comunidad judía; la contrarreforma de la liturgia y el regreso de la misa en latín, y, por supuesto, la injusta apreciación del pontífice sobre la evangelización del mundo indígena que expresó en Brasil en 2007. En contraparte, hay que agradecer sus sólidas encíclicas, especialmente la Deus caritas est (2005), en la que aborda precisamente el tema del amor y del erotismo.

Sin embargo el mayor fracaso de Ratzinger fue el pretender evangelizar la secular Europa y demostrar que la fe religiosa y la razón eran capaces de coexistir en el mundo moderno. En suma, la tragedia que ha sacudido a la Iglesia no sólo vino de reacciones externas, sino errores internos y principalmente escándalos internos, como lavado de dinero, opacidad financiera, y sobre todo el antagonismo de los actores que se refleja en esa filtración de documentos del fenómeno llamado Vatileaks que tan sólo son la punta del iceberg de la corrupción de la curia romana.

La renuncia refleja, por un lado, su frágil grandeza y la última lectio del herr professor. Una decisión contundente pone fin a un reinado marcado por escándalos y conspiraciones en la curia pero no los resuelve. Su salida permite que se reconstruyan los tejidos eclesiales y que se concerte un proyecto común entre los diferentes clanes de la Iglesia; así como elegir un nuevo pontífice con mayor vitalidad, energía y liderazgo que conduzca a buen puerto la nave averiada de la Iglesia católica. Su movimiento podría culminar con maestría, con un nuevo Papa cercano a su sensibilidad o uno de sus discípulos consentidos. Tiene una correlación cardenalicia propicia.

En Roma quizá comenzó una evolución inversa, como si, tras la decepción del progresismo católico del Concilio Vaticano II, ahora se vive la decepción del conservadurismo clerical. El Papa es, de hecho, como se suele decir, el último monarca absoluto en abdicar a su trono. Como diría el teólogo jesuita González Faus, el problema no es el Papa, el problema es el papado. La crisis de corto plazo es la dramática pérdida de autoridad moral y espiritual de la Iglesia; la crisis honda es el modelo de papado monárquico-absolutista que ha predominado desde la Edad Media y reafirmado en la crisis de Reforma. Es la arrogancia de autodenominarse salvaguarda de los valores y ejercer de manera autoritaria el monopolio del poder y la verdad.

Probablemente no habrá que derrumbar el papado pero es necesario renovarlo. Diferentes análisis apuntan a una agenda clave de retos para la Iglesia católica: a) la necesaria reforma de la curia; b) recuperar la credibilidad social herida por la pederastia y el Vatileaks; c) una Iglesia más pastoral y ecuménica; d) colegialidad, mayor apertura a la toma de decisiones; f) ordenación de las mujeres. Recuperar la tradición sinodal, la Iglesia no puede seguir manejándose como una monarquía absoluta; el propio Benedicto XVI con su renuncia seculariza el rol del propio papado, quizá éste sea su mayor aporte, hasta ahora gestionado como un ejercicio divino. En cierto sentido, Ratzinger ha cedido ante el oráculo de la modernidad poscristiana.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Que Papa esperar que não seja um Bento XVII?

Leonardo Boff

Dei generosamente uma entrevista à Folha de São Paulo que quase não aproveitou nada do que disse e escrevi. Então, publico a entrevista inteira a seguir para reflexão e discussão entre os interessados pelas coisas da Igreja Católica. As perguntas foram reordenadas.

1. Como o Sr. recebeu a renúncia de Bento XVI?

Eu, desde o principio, sentia muita pena dele, pois pelo que o conhecia, especialmente em sua timidez, imaginava o esforço que devia fazer para saudar o povo, abraçar pessoas, beijar crianças. Eu tinha certeza de que um dia ele aproveitaria alguma ocasião sensata, como os limites físicos de sua saúde e o menor vigor mental, para renunciar. Embora mostrou-se um Papa autoritário, não era apegado ao cargo de Papa. Eu fiquei aliviado, porque a Igreja está sem liderança espiritual que suscite esperança e ânimo. Precisamos de um outro perfil de Papa mais pastor que professor, não um homem da instituição-Igreja, mas um representante de Jesus que disse: “se alguém vem a mim eu não mandarei embora” (Evangelho de João 6,37), podia ser um homoafetivo, uma prostituta, um transexual.

2. Como é a personalidade de Bento XVI já que o Sr. privou de certa amizade com ele?

Conheci Bento XVI nos meus anos de estudo na Alemanha entre 1965-1970. Ouvi muitas conferências dele, mas não fui aluno dele. Ele leu minha tese doutoral: "O lugar da Igreja no mudo secularizado” e gostou muito a ponto de achar uma editora para publicá-la, um calhamaço de mais de 500 páginas. Depois trabalhamos juntos na revista internacional Concilium, cujos diretores se reuniam todos os anos na semana de Pentecostes em algum lugar na Europa. Eu a editava em português. Isso entre 1975-1980. Enquanto os outros faziam sesta, eu e ele passeávamos e conversávamos temas de teologia, sobre a fé na América Latina, especialmente sobre São Boaventura e Santo Agostinho, do quais é especialista e eu até hoje os frequento a miúde.

Depois, em 1984, nos encontramos num momento conflitivo: ele como meu julgador no processo do ex-Santo Ofício, movido contra meu livro “Igreja: carisma e poder”. Ai tive que sentar na cadeirinha onde Galileo Galilei e Giordano Bruno, entre outros, sentaram. Submeteu-me a um tempo de “silêncio obsequioso”; tive que deixar a cátedra e fui proibido de publicar qualquer coisa. Depois disso nunca mais nos encontramos. Como pessoa é finíssimo, tímido e extremamente inteligente.

3. Ele como Cardeal foi o seu Inquisidor depois de ter sido seu amigo: como viu esta situação?

Quando foi nomeado Presidente da Congregação para a Doutrina da Fé (ex-Inquisição) fiquei sumamente feliz. Pensava com meus botões: finalmente teremos um teólogo à frente de uma instituição com a pior fama que se possa imaginar. Quinze dias após me respondeu, agradecendo e disse: vejo que há várias pendências suas aqui na Congregação e temos que resolvê-las logo. É que praticamente a cada livro que publicava vinham de Roma perguntas de esclarecimento que eu demorava em responder. Nada vem de Roma sem antes de ter sido enviado a Roma.

Havia aqui bispos conservadores e perseguidores de teólogos da libertação que enviavam as queixas de sua ignorância teológica a Roma a pretexto de que minha teologia poderia fazer mal aos fiéis. Ai eu me dei conta: ele já foi contaminado pelo bacilo romano que faz com que todos os que ai trabalham no Vaticano rapidamente encontrem mil razões para serem moderados e até conservadores. Então, sim, fiquei mais que surpreso, verdadeiramente decepcionado.

4. Como o Sr. recebeu a punição do “silêncio obsequioso”?

Após o interrogatório e a leitura de minha defesa escrita, que está como adendo da nova edição de “Igreja: carisma e poder”, são 13 cardeais que opinam e decidem. Ratzinger é um apenas entre eles. Depois submetem a decisão ao Papa. Creio que ele foi voto vencido, porque conhecia outros livros meus de teologia, traduzidos para alemão, e me havia dito que tinha gostado deles, até, uma vez, diante do Papa numa audiência em Roma fez uma referência elogiosa. Eu recebi o “silêncio obsequioso” como um cristão ligado à Igreja o faria: calmamente o acolhi. Lembro que disse: “é melhor caminhar com a Igreja que sozinho com minha teologia”. Para mim foi relativamente fácil aceitar a imposição, porque a Presidência da CNBB me havia sempre apoiado e dois Cardeais, Dom Aloysio Lorscheider e Dom Paulo Evaristo Arns, me acompanharam a Roma e depois participaram, numa segunda parte, do diálogo com o Cardeal Ratzinger e comigo. Ai éramos três contra um. Colocamos algumas vezes o Cardeal Ratzinger em certo constrangimento, pois os cardeais brasileiros lhe asseguravam que as críticas contra a teologia da libertação que ele fizera num documento saído recentemente eram eco dos detratores e não uma análise objetiva. E pediram um novo documento positivo; ele acolheu a ideia e realmente o fez dois anos após. E até pediram a mim e ao meu irmão teólogo Clodovis, que estava em Roma, que escrevêssemos um esquema e o entregássemos na Sagrada Congregação. E num dia e numa noite o fizemos e o entregamos.

5. O Sr deixou a Igreja em 1992. Guardou alguma mágoa de todo o affaire no Vaticano?

Eu nunca deixei a Igreja. Deixei uma função dentro dela, que é de padre. Continuei como teólogo e professor de teologia em várias cátedras aqui e fora do país. Quem entende a lógica de um sistema autoritário e fechado, que pouco se abre ao mundo, não cultiva o diálogo e a troca (os sistemas vivos vivem na medida em que se abrem e trocam), sabe que se alguém, como eu, não se alinhar totalmente a tal sistema, será vigiado, controlado e eventualmente punido. É semelhante aos regime de segurança nacional que temos conhecido na América Latina sob os regimes militares no Brasil, na Argentina, no Chile e no Uruguai. Dentro desta lógica, o então Presidente da Congregação da Doutrina da Fé (ex-Santo Oficio, ex-Inquisição), o Cardeal J. Ratzinger, condenou, silenciou, depôs de cátedra ou transferiu mais de cem teólogos. Do Brasil fomos dois: a teóloga Ivone Gebara e eu. Em razão de entender a referida lógica, e lamentá-la, sei que eles estão condenados a fazer o que fazem na maior das boas vontades. Mas como dizia Blaise Pascal: “Nunca se faz tão perfeitamente o mal como quando se faz de boa vontade”. Só que esta boa vontade não é boa, pois cria vítimas. Não guardo nenhuma mágoa ou ressentimento, pois exerci compaixão e misericórdia por aqueles que se movem dentro daquela lógica que, a meu ver, está a quilômetros luz da prática de Jesus. Aliás é coisa do século passado, já passado. E evito voltar a isso.

6. Como o Sr. avalia o pontificado de Bento XVI? Soube gerenciar as crises internas e externas da Igreja?

Bento XVI foi um eminente teólogo, mas um Papa frustrado. Não tinha o carisma de direção e de animação da comunidade, como tinha João Paulo II. Infelizmente ele será estigmatizado, de forma reducionista, como o Papa onde grassaram os pedófilos, onde os homoafetivos não tiveram reconhecimento e as mulheres foram humilhadas como nos EUA, negando o direito de cidadania a uma teologia feita a partir do gênero. E também entrará na história como o Papa que censurou pesadamente a Teologia da Libertação, interpretada à luz de seus detratores, e não à luz das práticas pastorais e libertadoras de bispos, padres, teólogos, religiosos/as e leigos que fizeram uma séria opção pelos pobres contra a pobreza e a favor da vida e da liberdade. Por esta causa justa e nobre foram incompreendidos por seus irmãos de fé, e muitos deles presos, torturados e mortos pelos órgãos de segurança do Estado militar. Entre eles estavam bispos como Dom Angelelli, da Argentina, e Dom Oscar Romero, de El Salvador. Dom Helder foi o mártir que não mataram. Mas a Igreja é maior que seus papas e ela continuará, entre sombras e luzes, a prestar um serviço à humanidade, no sentido de manter viva a memória de Jesus, de oferecer uma fonte possível de sentido de vida que vai para além desta vida. Hoje sabemos pelo Vatileaks que dentro da Cúria romana se trava uma feroz disputa de poder, especialmente entre o atual Secretário de Estado Bertone e o ex-secretário Sodano, já emérito. Ambos têm seus aliados. Bertone, aproveitando as limitações do Papa, construiu praticamente um governo paralelo. Os escândalos de vazamento de documentos secretos da mesa do Papa e do Banco do Vaticano, usado pelos milionários italianos, alguns da mafia, para lavar dinheiro e mandá-lo para fora, abalaram muito o Papa. Ele foi se isolando cada vez mais. Sua renúncia se deve aos limites da idade e das enfermidades, mas foram agravadas por estas crises internas que o enfraqueceram e que ele não soube ou não pode atalhar a tempo.

7. O Papa João XXIII disse que a Igreja não pode virar um museu, mas uma casa com janelas e portas abertas. O Sr. acha que Bento XVI não tentou transformar a Igreja novamente em algo como um museu?

Bento XVI é um nostálgico da síntese medieval. Ele reintroduziu o latim na missa, escolheu vestimentas de papas renascentistas e de outros tempos passados, manteve os hábitos e os cerimoniais palacianos; para quem iria comungar, oferecia primeiro o anel papal para ser beijado e depois dava a hóstia, coisa que nunca mais se fazia. Sua visão era restauracionista e saudosista de uma síntese entre cultura e fé, que existe muito visível em sua terra natal, a Baviera, coisa que ele explicitamente comentava. Quando na Universidade, onde ele estudou e eu também, em Munique, viu um cartaz me anunciando como professor visitante para dar aulas sobre as novas fronteiras da teologia da libertação, pediu ao reitor que protelasse esse dia, o convite já acertado. Seus ídolos teológicos são Santo Agostinho e São Boaventura, que mantiveram sempre uma desconfiança de tudo o que vinha do mundo, contaminado pelo pecado e necessitado de ser resgatado pela Igreja. É uma das razões que explicam sua oposição à modernidade, que a vê sob a ótica do secularismo e do relativismo e fora do campo de influência do cristianismo que ajudou a formar a Europa.

8. A igreja vai mudar, em sua opinião, a doutrina sobre o uso de preservativos e em geral a moral sexual?

A Igreja deverá manter as suas convicções, algumas que estima irrenunciáveis como a questão do aborto e da não manipulação da vida. Mas deveria renunciar ao status de exclusividade, como se fora a única portadora da verdade. Ela deve se entender dentro do espaço democrático, no qual sua voz se faz ouvir junto com outras vozes. E as respeita e até se dispõe a aprender delas. E quando derrotada em seus pontos de vista, deveria oferecer sua experiência e tradição para melhorar onde puder melhorar e tornar mais leve o peso da existência. No fundo, ela precisa ser mais humana, humilde e ter mais fé, no sentido de não ter medo. O que se opõe à fé não é o ateísmo, mas o medo. O medo paralisa e isola as pessoas das outras pessoas. A Igreja precisa caminhar junto com a humanidade, porque a humanidade é o verdadeiro Povo de Deus. Ela o mostra mais conscientemente, mas não se apropria com exclusividade desta realidade.

9. O que um futuro Papa deveria fazer para evitar a emigração de tantos fiéis para outras igrejas, e especialmente pentecostais?

Bento XVI freou a renovação da Igreja incentivada pelo Concílio Vaticano II. Ele não aceita que na Igreja haja rupturas. Assim que preferiu uma visão linear, reforçando a tradição. Ocorre que a tradição a partir dos séculos XVIII e XIX se opôs a todas as conquistas modernas, da democracia, da liberdade religiosa e outros direitos. Ele tentou reduzir a Igreja a uma fortaleza contra estas modernidades. E via no Vaticano II o cavalo de Troia por onde elas poderiam entrar. Não negou o Vaticano II, mas o interpretou à luz do Vaticano I, que é todo centrado na figura do Papa com poder monárquico, absolutista e infalível. Assim se produziu uma grande centralização de tudo em Roma sob a direção do Papa que, coitado, tem que dirigir uma população católica do tamanho da China. Tal opção trouxe grande conflito na Igreja até entre inteiros episcopados, como o alemão e francês, e contaminou a atmosfera interna da Igreja com suspeitas, criação de grupos, emigração de muitos católicos da comunidade e acusações de relativismo e magistério paralelo. Em outras palavras, na Igreja não se vivia mais a fraternidade franca e aberta, um lar espiritual comum a todos. O perfil do próximo Papa, no meu entender, não deveria ser o de um homem do poder e da instituição. Onde há poder, inexiste amor e desaparece a misericórdia. Deveria ser um pastor, próximo dos fiéis e de todos os seres humanos, pouco importa a sua situação moral, étnica e política. Deveria tomar como lema a frase de Jesus que já citei anteriormente: “Se alguém vem a mim, eu não o mandarei embora”, pois acolhia a todos, desde uma prostituta como Madalena até um teólogo como Nicodemos.

Não deveria ser um homem do Ocidente que já é visto como um acidente na história. Mas um homem do vasto mundo globalizado, sentindo a paixão dos sofredores e o grito da Terra devastada pela voracidade consumista. Não deveria ser um homem de certezas, mas alguém que estimulasse a todos a buscarem os melhores caminhos. Logicamente se orientaria pelo Evangelho, mas sem espírito proselitista, com a consciência de que o Espírito chega sempre antes do missionário e o Verbo ilumina a todos que vêm a este mundo, como diz o evangelista São João. Deveria ser um homem profundamente espiritual e aberto a todos os caminhos religiosos, para juntos manterem viva a chama sagrada que existe em cada pessoa: a misteriosa presença de Deus. E, por fim, um homem de profunda bondade, no estilo do Papa João XXIII, com ternura para com os humildes e com firmeza profética para denunciar quem promove a exploração e faz da violência e da guerra instrumentos de dominação dos outros e do mundo. Que nas negociações que os cardeais fazem no conclave e nas tensões das tendências, prevaleça um nome com semelhante perfil. Como age o Espírito Santo ai é mistério. Ele não tem outra voz e outra cabeça do que aquela dos cardeais. Que o Espírito não lhes falte.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Jacques Rancière: El tiempo de la igualdad

La presente obra, compuesta por una selección de entrevistas realizadas entre 1981 y 2007, despliega todas las cuestiones que, con el paso de los años, se han revelado fundamentales en el pensamiento de Jacques Rancière, el destacado filósofo francés discípulo de Louis Althusser, con quien colaboró en la redacción de Para Leer El capital.

El lector podrá adentrarse y profundizar en el pensamiento de Rancière, que gira en torno a la lucha de clases y la igualdad, a partir del juego de preguntas y respuestas que agiliza el contenido, facilita la comprensión y, sin perder el rigor, hace emerger formulaciones directas, reveladoras incluso, por la fuerza de la interlocución. Los entrevistadores no se limitan al liviano intercambio de palabra, sino que invitan al autor a precisar puntos que les preocupan e incluso ponen abiertamente en cuestión su pensamiento, comparándolo con posiciones adoptadas por otros autores, como Marx, Althusser, Foucault, Barthes, Bourdieu o Negri. Frente a ellos, Rancière responde siempre de un modo contextualizado, teniendo en cuenta las dificultades que se plantean y las cuestiones que todavía permanecen en suspenso.

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Bradley Manning e o Wikileaks abriram uma janela na alma política dos Estados Unidos

Glenn Greenwald
The Guardian

Os Estados Unidos não fazem nada para castigar os culpados dos crimes de guerra e fraude do Wall Street, no entanto se dedicam a demonizar quem os denuncia. Durante o último ano e meio, todo o tempo em que Bradley Manning passou em uma prisão militar, muitas coisas foram ditas sobre ele, mas não o ouvimos dizer nada. Isso mudou apenas no final de dezembro, quando o soldado do exército estadunidense de 23 anos de idade, acusado de vazar documentos secretos ao Wikileaks, testemunhou sobre as condições de sua prisão na corte marcial, que abriu um processo contra ele.

Há algum tempo, podemos saber das medidas opressivas, que beiram à tortura, inclusive o prolongado confinamento na solitária e a nudez forçosa. Uma investigação formal, as Nações Unidas denunciaram essas condições ao considerá-las "cruéis e desumanas". O porta-voz do Departamento de Estado do presidente Obama, o coronel aposentado da força aérea PJ Crowley, admitiu, depois de condenar publicamente o mau-trato usado com Manning. Um psicólogo que trabalha nas prisões testemunhou esta semana que as condições em que mantiveram Manning eram piores do que as de quem se encontrava no corredor da morte ou em Guantánamo.

Ao escutar a descrição de todos esses abusos, através das próprias palavras do acusado de vazar informações, sentíamos também como nos demostrava visceralmente seu horror. Ao informar sobre a investigação, Ed Pilkington, do The Guardian, citava Manning: "Quando necessitava de papel higiênico, tinha que ser duro e gritar: "O preso Manning solicita papel higiênico!". E: "Me autorizavam 20 minutos de sol, acorrentado, a cada 24 horas". No início da sua prisão, recordava Manning: "Me dei totalmente por vencido. Pensei que ia morrer nesta jaula para animais de dois metros e meio por dois metros e meio.

O tratamento repressivo aplicado a Bradley Manning é uma das desgraças do primeiro mandato de Obama e demostra muitas das dinâmicas que estão moldando sua presidência. O presidente não só defendeu o tratamento aplicado a Manning, mas também decretou indevidamente a culpa de Manning, quando em uma entrevista afirmou "que ele havia desrespeitado a lei".

E o que é pior, Manning não é acusado apenas por revelar informação confidencial, mas também por ofensa capital de "ajudar o inimigo", pelo qual poderá ser aplicada a pena de morte (os fiscais militares estão solicitando "apenas" prisão perpétua). A radical teoria do governo é que, mesmo que Manning não tivesse esse propósito, a informação pode ter ajudado a Al Qaeda, uma teoria que rotula basicamente qualquer divulgação de informação confidencial – por um denunciante ou por um jornal – com traição.

Seja o que for que se pense dos supostos atos de Manning, parece ser o clássico denunciante. Podia haver vendido a informação a algum governo estrangeiro ou grupo terrorista. Pelo contrário, arriscou aparentemente sua liberdade para mostrar essa informação ao mundo porque, segundo alegou quando pensava que ninguém o escutava, queria desencadear "discussões, debates e reformas no âmbito mundial".

Comparem este agressivo processo com Manning com os vigorosos esforços da administração de Obama para proteger os crimes de guerra da era Bush e a fraude de Wall Street de qualquer forma de responsabilidade jurídica. Nenhum dos autores desses verdadeiros crimes enfrentou no tribunal alguma ordem de Obama, uma comparação que reflete as prioridades e valores da Justiça nos Estados Unidos.

Depois temos o comportamento dos partidários de Obama. Desde que informei pela primeira vez sobre as condições da prisão de Manning, em dezembro de 2010, muitos deles não só se animaram com o abuso, como também ridicularizaram grotescamente as preocupações com o fato. Joy-Ann Reid, uma antiga assessora de imprensa de Obama e agora colaboradora na rede progressista MSNBC, respondia de forma sádica ao relatório: "Bradley Manning não tem travesseiro?" Dessa forma, reproduzia em uma das páginas de internet mais extremistas da direita, RedState, que da mesma maneira gozava do relatório: "Devolvam o travesseiro e o cobertor a Bradley Manning".

Como sempre, os jornalistas do establishment “facilitam” para o governo em cada passo desse caminho. Apesar da pretensão de aparecer como vigilantes, nada mais provoca o ânimo de alguém que desafia realmente as ações do governo.

Como exemplo dessa mentalidade, temos uma recente entrevista da CNN com o fundador do Wikileaks, Julian Assange, dirigida por Erin Burnett. Abordaram os documentos recentemente publicados, que revelam os esforços secretos de funcionários estadunidenses, pressionando instituições financeiras para bloquear o financiamento do Wikileaks, uma vez que o grupo publicou os documentos confidenciais, supostamente filtrados por Manning – uma forma de castigo extralegal, que deveria preocupar a todo o mundo, especialmente os jornalistas.

Mas a anfitriã CNN não tinha nenhum interesse nos perigosos atos do seu próprio governo. Ao contrário, tratou rapidamente de mostrar que Assange condenara as políticas de imprensa do Equador, um país pequeno que, diferente dos Estados Unidos, não exerce influência além das suas fronteiras. Para os especialistas da imprensa vigilante estadunidense, Assange e Manning sãos inimigos a ser desprezados, porque fizeram o trabalho que a imprensa corporativa estadunidense se nega a fazer: levar transparência aos atos infames do governo dos Estados Unidos e dos seus aliados por todo o planeta.

Bradley Manning proporcionou ao mundo vários benefícios vitais. Mas enquanto seu conselho de guerra chega finalmente à conclusão, que provavelmente será a imposição de uma longa sentença de prisão, parece que seu maior presente é esta janela aberta na alma política dos Estados Unidos.

sábado, 16 de fevereiro de 2013

La bicicleta, el ciclista y la comparsa

Mario Unda
La línea de fuego

Están los encantados (y las encantadas) con la bicicleta. No se trata de la bicicleta como medio alternativo de transporte, como descontaminador de las ciudades, como deporte o como esparcimiento. No, esta es una bicicleta como símbolo político. Dizque la bicicleta refleja y condensa las virtudes humanistas de Correa. Creo que los entusiastas ya no pueden ver más que las visiones que ellos mismos se inventan. Pero el spot de la bicicleta merece analizarse un poco más. Porque muestra mucho del alma del correísmo, y no es precisamente lo que sus admiradores (y admiradoras) dicen ver.

Al principio, aparece Correa en el despacho presidencial, cambia su atuendo posmoderno de terno con camisa bordada por un traje de ciclista. Y comienza el recorrido por postales escogidas: el centro de Quito, el malecón de Guayaquil, montañas, lagunas, el mar, las gaviotas y botes de pesca, un edificio del 911, el ferrocarril, las aspas para la energía eólica, una casa indígena.

Sin embargo, es Correa solo, todo lo demás es únicamente comparsa. Los militares de la guardia a la salida del despacho, inmóviles, a quienes no se digna dirigir ni una mirada. Las calles del centro por donde avanza la bicicleta de Correa, pero calles que son sólo calzada y adoquines, nadie, excepto la virgen del Panecillo al fondo (que sigue dando la espalda al sur). Nadie tampoco en los puentes que atraviesa, nadie de a pie en su arribo triunfal a la noche de la 9 de Octubre, con el monumento de Bolívar y San Martín iluminado al fondo. Nadie, excepto una figura difusa de buses, mientras pedalea de nuevo en la carretera. Uno, dos espectadores viéndolo avanzar, y nuevamente sólo en camino. Correa pasa y un grupo de niños se acerca, lo acompaña un trecho y desaparece. Luego, nuevamente solo en la playa, con el mar al fondo. Correa solo, con el sol y el horizonte. Dos figuras más, apenas parte del paisaje, igual que los árboles y las barcas, mientras Correa toma su bicicleta al hombro y camina. Tres jinetes que lo siguen un segundo. Un cultivador de arroz, que desaparece con rapidez de la escena. Correa solo en la costa, en la sierra. Niños que lo saludan desde la ventana de una escuela. El tren que pasa al fondo y Correa pedalea solo. Solo de nuevo, pedaleando con el fondo de una montaña, con el fondo de bosques. Otra vez pedaleando solo. Y siempre sólo, siempre único, otra vez con el lago al fondo. “Es la hora de sumar fuerzas”, dice, llegando a una casa de familia indígena, y ofrece que “será la victoria definitiva de todo un pueblo”; saluda con estrechón de manos y beso y dice un par de frases en quichua. “Yo sólo estoy de paso”, les dice Correa, “el poder es de ustedes”. Da su mensaje electoral de voto en plancha, sale de la oscuridad de la vivienda hacia el paisaje soleado. La luminosidad del paisaje que lo espera contrasta con la penumbra de la vivienda que abandona. Correa bajo un árbol, con una cuesta a sus pies; atrás los montes y el lago. La toma se aleja, la imagen se difumina. Fin. Han pasado tres minutos y algo más de la versión extendida.

Y entonces, ¿de qué es símbolo la bicicleta? Del líder que reemplaza al pueblo, del líder que avanza sólo, ceñudo, esperando que “su” pueblo lo siga. Pero “su” pueblo no se diferencia en nada del paisaje de fondo. Es un elemento más de las postales, como las montañas y los lagos, como las calles, las playas y el mar. Es un pueblo que se diluye y desaparece mientras el líder avanza adelante, siempre sólo. La historia es la historia del caudillo, del pueblo no queda nada, apenas una imagen borrosa. Si acaso lo acompaña, mayormente no hace más que observar su paso. Ha desaparecido su historia propia, la historia de luchas y resistencias que frenaron la implementación del neoliberalismo y recuperaron la dignidad de todos.

El pueblo del correísmo es el sujeto ausente, porque su papel ha sido expropiado por el líder y por el Estado. El pueblo del correísmo no tiene voluntad propia, no tiene voz propia: la única voz que se escucha es la voz de Correa. De hecho, ese pueblo no tiene existencia propia, sólo existe en la medida en que lo convierten en telón de fondo de la historia del caudillo, la única historia que existe. El pueblo del correísmo no es más que comparsa. Comparsa, dice el diccionario, “conjunto de personas que en las representaciones teatrales o en los filmes figuran y no hablan”. Masas incapaces de representarse por sí mismas, sujetos anulados, sacrificados en el altar del culto al caudillo.

De esto se trata, finalmente. Para el correísmo, el pueblo no puede existir como sujeto autónomo. Y si tiene la osadía de reclamar él mismo por su dignidad, si tiene la pretensión de construir él mismo su libertad y su destino, si comete la grave ofensa de retomar por sí mismo sus palabras y su voz, entonces la difuminación no será solamente metafórica ni poética. Pero eso es lo que queda “fuera de cuadro”, lo que está más allá del marketing y de la propaganda, la contracara de los “valores humanistas”: la persecución, la división de las organizaciones, la cooptación de dirigentes, las amenazas, los juicios por terrorismo y sabotaje.

Sin embargo, los caudillos “sólo están de paso”. Su tránsito victorioso, así dure seis años, o diez, no asegura el cambio ni la permanencia de las conquistas sociales. La liberación, si habrá de ser, sólo será obra del pueblo mismo. Y eso es lo que está en juego ahora: hay una parte del pueblo que se rehúsa a ser “el pueblo de Correa”, ese pueblo pasivo, observador y comparsa; hay una parte del pueblo que no renuncia a su derecho a ser soberano, a construir el presente y el futuro con sus propias manos, y no a través de terceras personas. La lucha es dura y desigual, pero ¿cuándo ha sido distinto?

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Imagen de la tragedia palestina


El sueco Paul Hansen fue galardonado hoy con el primer premio en la edición de 2012 del certamen de fotoperiodismo más importante del mundo, el World Press Photo, por una instantánea que muestra la desesperación de un grupo de hombres en el funeral de una familia por una calle de Gaza.

La fotografía de Hansen, quien trabaja en el periódico sueco "Dagens Nyheter", muestra a un grupo de hombres desolados por la muerte de dos pequeños y su padre, cuyos cadáveres son llevados a hombros de camino a una mezquita para celebrar el entierro.

Los niños, dos hermanos de dos y tres años de edad, aparecen amortajados en primer plano, mientras que por detrás les sigue el cuerpo de su padre. Los tres murieron al quedar su casa destruida en un ataque israelí con misiles, en tanto que la madre fue ingresada en cuidados intensivos. La fotografía ganadora fue tomada el pasado 20 de noviembre en la ciudad de Gaza.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

A história secreta da renúncia de Bento XVI

Eduardo Febbro
Carta Maior

Os especialistas em assuntos do Vaticano afirmam que o Papa Bento XVI decidiu renunciar em março passado, depois de regressar de sua viagem ao México e a Cuba. Naquele momento, o papa, que encarna o que o diretor da École Pratique des Hautes Études de Paris (Sorbonne), Philippe Portier, chama “uma continuidade pesada” de seu predecessor, João Paulo II, descobriu em um informe elaborado por um grupo de cardeais os abismos nada espirituais nos quais a igreja havia caído: corrupção, finanças obscuras, guerras fratricidas pelo poder, roubo massivo de documentos secretos, luta entre facções, lavagem de dinheiro. O Vaticano era um ninho de hienas enlouquecidas, um pugilato sem limites nem moral alguma onde a cúria faminta de poder fomentava delações, traições, artimanhas e operações de inteligência para manter suas prerrogativas e privilégios a frente das instituições religiosas.

Muito longe do céu e muito perto dos pecados terrestres, sob o mandato de Bento XVI o Vaticano foi um dos Estados mais obscuros do planeta. Joseph Ratzinger teve o mérito de expor o imenso buraco negro dos padres pedófilos, mas não o de modernizar a igreja ou as práticas vaticanas. Bento XVI foi, como assinala Philippe Portier, um continuador da obra de João Paulo II: “desde 1981 seguiu o reino de seu predecessor acompanhando vários textos importantes que redigiu: a condenação das teologias da libertação dos anos 1984-1986; o Evangelium vitae de 1995 a propósito da doutrina da igreja sobre os temas da vida; o Splendor veritas, um texto fundamental redigido a quatro mãos com Wojtyla”. Esses dois textos citados pelo especialista francês são um compêndio prático da visão reacionária da igreja sobre as questões políticas, sociais e científicas do mundo moderno.

O Monsenhor Georg Gänsweins, fiel secretário pessoal do papa desde 2003, tem em sua página web um lema muito paradoxal: junto ao escudo de um dragão que simboliza a lealdade o lema diz “dar testemunho da verdade”. Mas a verdade, no Vaticano, não é uma moeda corrente. Depois do escândalo provocado pelo vazamento da correspondência secreta do papa e das obscuras finanças do Vaticano, a cúria romana agiu como faria qualquer Estado. Buscou mudar sua imagem com métodos modernos. Para isso contratou o jornalista estadunidense Greg Burke, membro da Opus Dei e ex-integrante da agência Reuters, da revista Time e da cadeia Fox. Burke tinha por missão melhorar a deteriorada imagem da igreja. “Minha ideia é trazer luz”, disse Burke ao assumir o posto. Muito tarde. Não há nada de claro na cúpula da igreja católica.

A divulgação dos documentos secretos do Vaticano orquestrada pelo mordomo do papa, Paolo Gabriele, e muitas outras mãos invisíveis, foi uma operação sabiamente montada cujos detalhes seguem sendo misteriosos: operação contra o poderoso secretário de Estado, Tarcisio Bertone, conspiração para empurrar Bento XVI à renúncia e colocar em seu lugar um italiano na tentativa de frear a luta interna em curso e a avalanche de segredos, os vatileaks fizeram afundar a tarefa de limpeza confiada a Greg Burke. Um inferno de paredes pintadas com anjos não é fácil de redesenhar.

Bento XVI acabou enrolado pelas contradições que ele mesmo suscitou. Estas são tais que, uma vez tornada pública sua renúncia, os tradicionalistas da Fraternidade de São Pio X, fundada pelo Monsenhor Lefebvre, saudaram a figura do Papa. Não é para menos: uma das primeiras missões que Ratzinger empreendeu consistiu em suprimir as sanções canônicas adotadas contra os partidários fascistóides e ultrarreacionários do Mosenhor Levebvre e, por conseguinte, legitimar no seio da igreja essa corrente retrógada que, de Pinochet a Videla, apoiou quase todas as ditaduras de ultradireita do mundo.

Bento XVI não foi o sumo pontífice da luz que seus retratistas se empenham em pintar, mas sim o contrário. Philippe Portier assinala a respeito que o papa “se deixou engolir pela opacidade que se instalou sob seu reinado”. E a primeira delas não é doutrinária, mas sim financeira. O Vaticano é um tenebroso gestor de dinheiro e muitas das querelas que surgiram no último ano têm a ver com as finanças, as contas maquiadas e o dinheiro dissimulado. Esta é a herança financeira deixada por João Paulo II, que, para muitos especialistas, explica a crise atual.

Em setembro de 2009, Ratzinger nomeou o banqueiro Ettore Gotti Tedeschi para o posto de presidente do Instituto para as Obras de Religião (IOR), o banco do Vaticano. Próximo à Opus Deis, representante do Banco Santander na Itália desde 1992, Gotti Tedeschi participou da preparação da encíclica social e econômica Caritas in veritate, publicada pelo papa Bento XVI em julho passado. A encíclica exige mais justiça social e propõe regras mais transparentes para o sistema financeiro mundial. Tedeschi teve como objetivo ordenar as turvas águas das finanças do Vaticano. As contas da Santa Sé são um labirinto de corrupção e lavagem de dinheiro cujas origens mais conhecidas remontam ao final dos anos 80, quando a justiça italiana emitiu uma ordem de prisão contra o arcebispo norteamericano Paul Marcinkus, o chamado “banqueiro de Deus”, presidente do IOR e máximo responsável pelos investimentos do Vaticano na época.

João Paulo II usou o argumento da soberania territorial do Vaticano para evitar a prisão e salvá-lo da cadeia. Não é de se estranhar, pois devia muito a ele. Nos anos 70, Marcinkus havia passado dinheiro “não contabilizado” do IOR para as contas do sindicato polonês Solidariedade, algo que Karol Wojtyla não esqueceu jamais. Marcinkus terminou seus dias jogando golfe em Phoenix, em meio a um gigantesco buraco negro de perdas e investimentos mafiosos, além de vários cadáveres. No dia 18 de junho de 1982 apareceu um cadáver enforcado na ponte de Blackfriars, em Londres. O corpo era de Roberto Calvi, presidente do Banco Ambrosiano. Seu aparente suicídio expôs uma imensa trama de corrupção que incluía, além do Banco Ambrosiano, a loja maçônica Propaganda 2 (mais conhecida como P-2), dirigida por Licio Gelli e o próprio IOR de Marcinkus.

Ettore Gotti Tedeschi recebeu uma missão quase impossível e só permaneceu três anos a frente do IOR. Ele foi demitido de forma fulminante em 2012 por supostas “irregularidades” em sua gestão. Tedeschi saiu do banco poucas horas depois da detenção do mordomo do Papa, justamente no momento em que o Vaticano estava sendo investigado por suposta violação das normas contra a lavagem de dinheiro. Na verdade, a expulsão de Tedeschi constitui outro episódio da guerra entre facções no Vaticano. Quando assumiu seu posto, Tedeschi começou a elaborar um informe secreto onde registrou o que foi descobrindo: contas secretas onde se escondia dinheiro sujo de “políticos, intermediários, construtores e altos funcionários do Estado”. Até Matteo Messina Dernaro, o novo chefe da Cosa Nostra, tinha seu dinheiro depositado no IOR por meio de laranjas.

Aí começou o infortúnio de Tedeschi. Quem conhece bem o Vaticano diz que o banqueiro amigo do papa foi vítima de um complô armado por conselheiros do banco com o respaldo do secretário de Estado, Monsenhor Bertone, um inimigo pessoal de Tedeschi e responsável pela comissão de cardeais que fiscaliza o funcionamento do banco. Sua destituição veio acompanhada pela difusão de um “documento” que o vinculava ao vazamento de documentos roubados do papa.

Mais do que querelas teológicas, são o dinheiro e as contas sujas do banco do Vaticano os elementos que parecem compor a trama da inédita renúncia do papa. Um ninho de corvos pedófilos, articuladores de complôs reacionários e ladrões sedentos de poder, imunes e capazes de tudo para defender sua facção. A hierarquia católica deixou uma imagem terrível de seu processo de decomposição moral. Nada muito diferente do mundo no qual vivemos: corrupção, capitalismo suicida, proteção de privilegiados, circuitos de poder que se autoalimentam, o Vaticano não é mais do que um reflexo pontual e decadente da própria decadência do sistema.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Gramsci cobiçado

Marco Aurélio Nogueira
Possibilidades da política

Acabo de ler o excepcional livro de meu amigo Guido Liguori, Gramsci conteso. Interpretazioni, dibattiti e polemiche 1922-2012 (Roma, Editori Riuniti University Press, 2012). Na verdade, foi uma nova leitura, pois se trata da segunda edição de um texto publicado em 1996 e que agora reaparece atualizado e reforçado.

O título -que poderia ser traduzido por "Gramsci cobiçado", ou Gramsci em disputa, algo assim- diz muito do que pretende o autor: mostrar e analisar como, ao longo do tempo, Gramsci foi um marxista disputado por muitas correntes de pensamento e posturas políticas. A tal ponto que em determinados momentos pareceu que ele estaria sendo ejetado para fora do universo marxista-comunista, como quando Croce (o filósofo hegeliano italiano) escreveu que Gramsci "foi um dos nossos". Liberais, socialdemocratas, comunistas de A a Z, conservadores e até gente de direita foram a Gramsci reivindicar algum tipo de sociedade com ele, com certos de seus conceitos ou então contra ele. Todos, de certa forma, dialogaram com Gramsci. E continuam a fazê-lo, de modo crescente.

A recepção de Gramsci disseminou-se pelo mundo, sem fronteiras, o que é uma demonstração cabal do fascínio e da amplitude de seu pensamento. E ainda que tenha sofrido oscilações, nunca deixou de estar firmemente ancorada na tradição marxista, da qual ele próprio se via como parte. Hoje, o marxismo de Gramsci está revitalizado e poucos são os que o contestam. Para isso, contribuíram as pesquisas desenvolvidas por estudiosos espalhados por diversos países, referenciados especialmente pelo que fazem a Fondazione Gramsci (onde está Giuseppe Vacca) e a seção italiana da International Gramsci Society, da qual Liguori é o principal animador. Liguori também é professor de História do Pensamento Político Contemporâneo da Universidade da Calábria e redator-chefe da revista de cultura política Critica Marxista, de Roma.

Seu livro passa em revista a história da recepção de Gramsci, especialmente na Itália. Acompanha 90 anos de interpretações, polêmicas e debates, fornecendo assim um mapa para que nos orientemos e possamos entender a difusão da obra de Gramsci, assim como as diferentes "traduções" que conheceu. O Gramsci de Bobbio, de Althusser, do pessoal dos cultural studies e dos subaltern studies, da moçada politicista, dos antropólogos, pedagogos e etimologistas, e assim por diante.

Como, no Brasil, Gramsci é uma referência importante e está presente em tantas vertentes político-partidárias, intelectuais e de atuação profissional, o livro de Liguori certamente faria muito sentido por aqui. Até porque, no correr de suas páginas, não encontramos somente uma análise das diferentes "leituras" recebidas por Gramsci, mas também um caminho a mais para pensarmos em sua teoria, em seus conceitos e no significado de sua obra.

Gramsci conteso é um convite à reflexão sobre o legado do marxismo para os nossos dias, legado esse visto pela obra de um de seus mais importantes representantes. É dedicado à memória de Carlos Nelson Coutinho, o intelectual marxista que mais contribuiu para tornar Gramsci conhecido e estudado no Brasil.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Benedicto XVI renunció: ¿Sólo falta de fuerzas?

Washington Uranga
Página 12

En el documento de su sorpresiva renuncia Benedicto XVI afirmó que “he llegado a la certeza de que, por la edad avanzada, ya no tengo fuerzas para ejercer adecuadamente el ministerio petrino”. Pero más adelante, en el breve texto que comunicó a los cardenales y a la sociedad, sostuvo también que “en el mundo de hoy, sujeto a rápidas transformaciones y sacudido por cuestiones de gran relieve para la vida de la fe, para gobernar la barca de San Pedro y anunciar el Evangelio es necesario también el vigor tanto del cuerpo como del espíritu, vigor que en los últimos meses ha disminuido en mí de tal forma que he de reconocer mi incapacidad para ejercer bien el ministerio que me fue encomendado”. Hasta aquí parte de la escueta declaración que incluye el anuncio de la dimisión de Jozef Ratzinger al pontificado católico. Pero ¿cuáles son todas las razones y motivos de la renuncia?

En primer lugar hay que dar por cierta la afirmación del Papa. El mismo lo había adelantado en algunas declaraciones públicas y reportajes. En una entrevista concedida a Peter Seewald y publicada en un libro señaló que “cuando un Papa alcanza la clara conciencia de no estar bien física y espiritualmente para llevar adelante el encargo confiado, entonces tiene derecho en algunas circunstancias también el deber de dimitir”. Así lo hizo, siguiendo lo que establece el Derecho Canónico (la Constitución eclesiástica) en el canon 332, 2: “Si el Romano Pontífice renunciase a su oficio, se requiere para la validez que la renuncia sea libre y se manifieste formalmente, pero no que sea aceptada por nadie”.

Benedicto XVI renunció, es un hecho, y desde el 28 de febrero la Iglesia Católica entrará en situación de “sede vacante”, es decir, en disposición de elegir un nuevo pontífice. Ratzinger sintió que sus fuerzas flaquearon. ¿Sólo por sus 85 años y problemas de salud? Apenas en parte. Es imposible saber cuáles son todas las razones que pasaron por la cabeza del Papa para empujarlo a tomar una decisión tan inédita en la Iglesia Católica que hay que remontarse a 1515, la dimisión de Gregorio XII (Angelo Correr) para encontrar el dato más reciente de una renuncia al papado. Pero se pueden señalar algunos de los motivos que podrían haber influido en la determinación tomada ahora por Ratzinger.

Quienes frecuentan los pasillos vaticanos reconocen que a Benedicto XVI lo afectaron muy seriamente todas las intrigas de poder generadas en la curia romana y que tuvieron su exteriorización en los llamados “vatileaks” a través de las filtraciones del mayordomo papal Paolo Gabrieli. Vale recordar que esas filtraciones involucraron al propio secretario de Estado, el cardenal Tarcisio Bertone, segundo en la jerarquía romana, como uno de los posibles conspiradores contra Benedicto XVI. Poco antes, el cardenal Carlo María Viganó, hoy nuncio (embajador) en Estados Unidos, había escrito al Papa denunciando casos de corrupción en el Governatorato (la administración del Vaticano) donde entonces se desempeñaba. Viganó fue removido y enviado a Estados Unidos, lejos de Roma. El cardenal colombiano Darío Castrillón también le escribió al Papa una carta confidencial y en idioma alemán revelando que Paolo Romero, cardenal de Sicilia, había comentado en un viaje a China que “el Papa morirá en 12 meses”. La lucha por el poder en el Vaticano, a la que en otros tiempos tampoco fue ajeno el cardenal Ratzinger, llegó a niveles que probablemente el Papa mismo no sospechó, o en algún momento pensó que podría controlar.

El Vaticano enfrenta además un grave problema económico-financiero y también han surgido datos respecto de operaciones poco claras del IOR, el banco vaticano. Sumado a lo anterior, uno de los principales financiadores de la Santa Sede, la Iglesia Católica en Estados Unidos, vive una enorme crisis a raíz de las comprobaciones de casos de pedofilia y del encubrimiento de las autoridades eclesiásticas a los curas pedófilos. El cardenal de Los Angeles, Roger Mahony (77 años), fue destituido de su cargo y le fue prohibida toda actividad pública después de que la Iglesia se viera obligada por una orden judicial a entregar sus archivos con datos de 124 curas acusados de abusos sexuales a niños y jóvenes. En el 2007 la Iglesia había llegado a un acuerdo con más de 500 víctimas por 660 millones de dólares, pretendiendo de esta manera tapar el escándalo. Los casos de pedofilia en todo el mundo afectaron fuertemente la credibilidad de la Iglesia Católica, y en el caso particular de los Estados Unidos terminaron también golpeando las finanzas de la estructura católica.

A lo anterior habría que sumar aquello que Benedicto XVI menciona en su renuncia como “rápidas transformaciones” y “cuestiones de gran relieve para la vida de la fe”. Aunque tampoco el Papa aclaró a qué se refiere, no es difícil concluir que entre ellas está la pérdida de autoridad moral y ética de la Iglesia Católica, la disminución de su incidencia en la vida política, social y cultural y en la actuación privada de las personas, los nuevos modelos de familia que surgen en el mundo y que hasta ahora el catolicismo se niega a reconocer, nuevas concepciones acerca de la moral sexual y los avances en bioética, para mencionar tan sólo algunos. Todo esto representa desafíos a los cuales Benedicto XVI, desde su visión conservadora del mundo, no pudo, no supo o no quiso dar respuestas.

Hacia el interior de la Iglesia, además de las disputas de poder y los escándalos ya mencionados, hay que consignar también la pérdida de vocaciones sacerdotales y religiosas, mientras se mantienen férreamente restricciones al ingreso de las mujeres al sacerdocio y se reafirma como obligatorio el celibato para acceder al ministerio consagrado. A esto habría que acrecentar también graves críticas provenientes de muchas iglesias de base respecto de la forma en que se ejerce la autoridad en la Iglesia, la necesidad de “democratizar” el poder eclesiástico por lo menos volviendo a una idea de colegialidad propuesta por el Concilio Vaticano II y paulinamente abandonada primero por Juan Pablo II y luego por Benedicto XVI. Son muchos los que hoy reclaman en la Iglesia la necesidad de retomar el camino trazado hace cincuenta años por el Vaticano II, el Concilio que a instancias del papa Juan XXIII, seguido luego por su sucesor Pablo VI, inició un camino de apertura de las ventanas de la Iglesia de cara a un diálogo que se intentó entonces fecundo y revitalizador con la sociedad.

Por último, habría que decir que en el escenario también se pueden mencionar los cambios que se vienen produciendo en cuanto al número de fieles de las diferentes religiones en el mundo. A pesar de dificultades existentes para tener estadísticas precisas, según el Atlas de las Religiones (2009) los católicos representan hoy el 17,4 por ciento de la población mundial, cada vez más debajo de los mulsulmanes (19,8 por ciento). A eso hay que sumarle que de las filas católicas se desgranan día a día de fieles que pasan a comunidades cristianas pertenecientes a iglesias o comunidades mayores. No hubo una sola razón para la renuncia de Benedicto XVI. Y las aquí expuestas seguramente no son las únicas.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Palestina: La violación de derechos humanos como negocio

Juan Gelman
Página 12

Una Europa agobiada por la crisis económica global, los estruendos de la guerra civil en Siria, la protesta ciudadana en Egipto contra un gobierno islamista, el atentado de Al Qaeda en Bulgaria y otros aconteceres de este vasto mundo apenas si han dejado una flaca rendija al conocimiento del informe de la misión internacional de la ONU sobre los asentamientos israelíes en territorio palestino ocupado, incluida Jerusalén Este. Creada por la Resolución 19/17 del Consejo de Derechos Humanos (CDH), presidida por la eminente jurista francesa Christian Chanet e integrada por otros tres jueces, su tarea consistió en averiguar la situación creada por los asentamientos israelíes ilegales en esos territorios.

El gobierno israelí no permitió el acceso del grupo a Cisjordania, pero a lo largo de seis meses sus miembros registraron los testimonios de palestinos habitantes de esa zona que limita con Jordania. La conclusión central de la misión: Israel comete una serie de violaciones de los derechos humanos que “se caracterizan sobre todo por la negación del derecho a la autodeterminación y la sistemática discriminación contra el pueblo palestino que se producen cada día”. El periódico israelí Ha’aretz calificó el informe de “la más dura condena de la política de Israel en Cisjordania desde 1967.” Es, de hecho, el primero de una misión de la ONU que sugiere la imposición de sanciones a Israel.

La doctora Chanet presentó las conclusiones de la misión en una conferencia de prensa que tuvo lugar en Ginebra y subrayó que los asentamientos israelíes violan el artículo 49 del Convenio de la ONU relativo a la protección de personas civiles en tiempos de guerra. Preguntada si las acciones de Israel constituyen crímenes de guerra, contestó que estaban contempladas en “el artículo 8 del Estatuto de la Corte Penal Internacional atinente a los crímenes de guerra. Esa es la respuesta”, remató.

El informe detalla las medidas que obedecen a “un patrón general de contravenciones” al derecho internacional y revela un aspecto poco conocido: el de los beneficios económicos que entraña la construcción de asentamientos en territorio palestino, cuyo número se estima en 200, habitados por 520.000 israelíes. Indica, por ejemplo: la compañía nacional del agua Mekorod y la agroindustria privada Mehadrin vienen perforando el territorio cisjordano para alcanzar las napas profundas de ese tesoro escaso en el país, el agua. Esto ha provocado el agotamiento de los pozos de agua palestinos, con las consecuencias humanas y agrícolas previsibles.

El informe indica que los asentamientos israelíes consumen el 80 por ciento de toda el agua extraída en esta zona y nunca sufren cortes, como ocurre con la población palestina. La Organización Mundial de la Salud estima que cada persona debe tener acceso al uso de 100 litros de agua por día. Los colonos asentados en Cisjordania –anota el informe– consumen 400 litros, los palestinos sólo 73 y los beduinos apenas 10.

La misión de la ONU reunió además información demostrativa de que las compañías privadas israelíes han alentado y aprovechado, directa o indirectamente, la construcción y el aumento del número de asentamientos. Menciona las actividades rendidoras para las empresas: suministro de equipos y materiales a los asentamientos y para la construcción del muro israelí, equipos de vigilancia e identificación incluso para los retenes militares, equipos para la demolición de casas y la destrucción de granjas, cosechas y olivares, palestinos, desde luego. La lista sigue.

La misión de la ONU detectó una variedad de operaciones bancarias y financieras destinadas a expandir y mantener los asentamientos, tales como préstamos para la construcción de viviendas y negocios, el uso de recursos naturales, en particular el agua y la tierra, con fines económicos y un hecho notorio: los mercados económicos y financieros palestinos son cautivos de Israel.

El grupo de jueces entrevistó académicos, diplomáticos, representantes de organizaciones civiles y palestinas, y demanda el cese de la instalación de más asentamientos y el retiro de los existentes. El informe se dio a conocer dos días después de que Israel no asistiera a una reunión convocada para evaluar su situación en materia de derechos humanos. Es la primera vez que un país no participa en un proceso acordado por 193 naciones de la ONU.

Ygor Palmor, vocero del Ministerio de Relaciones Exteriores, declaró que el CDH “sistemáticamente trata a Israel de manera injusta” y defendió así la decisión de no cooperar con la misión de la ONU: “Si las cartas están marcadas, ¿se espera de nosotros que juguemos de todos modos?”. Tenía razón, pero olvidó decir que es Israel el que las marca.