quinta-feira, 3 de julho de 2008

Educação no Chile: polemizando com García-Huidobro



Fernando de la Cuadra
Gramsci e o Brasil

Numa entrevista concedida ao jornal O Estado de S. Paulo e publicada no dia 14 de abril, o filósofo e educador chileno Juan Eduardo García-Huidobro deixa transparecer algumas inverdades a respeito da situação da educação no Chile.

Em primeiro lugar, ele assinala que cerca de 90% das escolas estão informatizadas. Segundo dados do próprio Centro de Educação e Tecnologia de Chile — Enlaces (www.enlaces.cl) do Ministério de Educação, atualmente cerca de 60% das escolas do país possuem o equipamento necessário para se considerarem informatizadas.

Noutra passagem da entrevista, García-Huidobro aponta que a diminuição de verbas para o ensino universitário para privilegiar o investimento no ensino básico não afetou os estudantes mais pobres, que podem obter uma bolsa do governo. Este argumento é, quando muito, incompleto. A rigor, uma porcentagem muito baixa dos alunos de escassos recursos obtém uma bolsa por parte do Estado. O que o Estado oferece, fundamentalmente, é a possibilidade de ser fiador do estudante, para este conseguir um crédito no sistema financeiro. Isso não torna o sistema mais justo, só permite que estudantes pobres possam se endividar para obter um diploma.

O aluno deve começar a pagar este empréstimo imediatamente depois de diplomado. Ou seja, independentemente do fato de se inserir ou não no mercado do trabalho, o profissional recém-formado tem que pagar de qualquer forma sua dívida ou negociar um novo prazo, com novas mensalidades, novos juros, etc.

Mais adiante o filósofo diz: “No começo do governo de Michelle Bachelet, os estudantes secundaristas voltaram às ruas, exigindo novos investimentos que levem à melhoria da qualidade do ensino básico, para que a prioridade adotada seja efetivada. Não houve uma contestação à política educacional como um todo, mas apenas a exigência de que seja dada a radicalidade necessária”.

Isso é completamente falso. A crítica dos estudantes foi dirigida ao modelo como um todo, especialmente à concepção de pensar a educação como uma atividade lucrativa, tema que ainda não foi incorporado ao informe final da Comissão Especial para Melhorar a Qualidade da Educação, criada pelo governo depois da rebelião dos estudantes secundaristas em 2006.

Existe um amplo consenso a respeito do fato de que os recursos públicos não devem destinar-se para o lucro privado, não só gerando a perda dos valores cívicos e republicanos, mas também afetando a própria qualidade da educação, por meio de instituições cuja principal finalidade é a obtenção de lucros.

Precisamente contra esta ordem de coisas é que os estudantes se rebelaram, e isso pode ser comprovado em dezenas de entrevistas e depoimentos que deram os dirigentes e protagonistas dos protestos. E este aspecto foi ratificado em inúmeros artigos e análises de especialistas publicados na época das mobilizações e também depois.

Em síntese, se bem que a entrevista em questão não seja totalmente apologética em relação ao modelo educativo atualmente aplicado no Chile, ela possui, a nosso ver, alguns equívocos que podem confundir os leitores brasileiros a respeito do “sucesso da revolução educacional” implementada naquele país.

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