O Globo
Se a ciência nos aproximou do sonhado mundo dos Jetsons, criou ameaças que parecem saídas da ficção. É o que defende Martin Rees, um dos cientistas mais importantes da atualidade, que acaba de criar na Universidade de Cambridge um centro para estudos sobre o que chama de riscos existenciais. O presidente da Sociedade Real de Astronomia afirma que a maior ameaça à Humanidade vem do próprio homem.
O senhor afirma que o mundo está mais sujeito a riscos de catástrofes e que é difícil convencer as pessoas disso. Ficamos todos céticos?
Temos que saber diferenciar o que são ameaças genuínas do que é ficção científica. As pessoas não sabem reconhecer os riscos reais. A ciência hoje é tão poderosa que um único indivíduo pode cometer um erro capaz de causar uma catástrofe. Os riscos existenciais estão mais em ações provocadas pelo homem do que pela natureza. Descobertas sempre podem ser usadas para o bem ou para o mal. O laser pode estar num leitor de DVD ou numa cirurgia ocular, mas também produzir uma arma. A ciência nuclear pode ser usada para fabricar bombas ou gerar energia. Não queremos impedir os avanços da ciência, nem podemos. Precisamos garantir que podemos maximizar os benefícios das descobertas e minimizar os riscos.
O senhor se refere a riscos existenciais específicos, como energia nuclear, e novas tecnologias da biologia e da cibernética. Que ameaças exatamente são essas?
Estas são algumas. Um ponto importante que devo mencionar é o fato de que nos preocupamos demais com riscos muito pequenos como contaminação de alimentos que podem prejudicar a nossa saúde, acidentes de avião, por exemplo. Mas não nos preocupamos suficientemente com problemas mais sérios, tão sérios que, se acontecerem uma única vez, podem desencadear uma grande catástrofe, como a rápida disseminação de epidemias nas cada vez maiores cidades do mundo em desenvolvimento, danos ambientais causados pelo crescimento populacional descontrolado, escassez de recursos e mudanças climáticas. O que estamos tentando fazer em Cambridge é montar um grupo de algumas pessoas que vai pensar sobre essas ameaças.
Mas essas coisas pequenas não são sérias também?
Claro, e não é uma coisa ruim se preocupar com elas. Mas, em proporção aos chamados riscos existenciais, não nos preocupamos o suficiente. E estes últimos, embora tenham uma probabilidade pequena de se concretizar, têm consequências que podem ser desastrosas. O que fazemos é buscar o equilíbrio e dar atenção para riscos que não estão bem caracterizados. E temos que levar em conta que, quando uma coisa não é familiar, não significa que não é provável. Por isso, precisamos tentar pelo menos nos antecipar, levando em consideração a grande velocidade dos avanços da tecnologia.
Tendo em vista as chances de estes riscos se concretizarem e o fato de que temos de pensar no longo prazo, como convencer as pessoas sobre ameaças que não devem sequer afetar a sua geração?
Acho que as ameaças podem estar mais próximas do que isso, embora alguns riscos possam se concretizar apenas no longo prazo, sim. O problema é que não fazemos planos suficientemente de longo prazo. Temos que tratar esses problemas em um contexto mais convencional. Se decidirmos construir uma usina nuclear agora, temos que considerar que ela continuará existindo nos próximos 50 anos. Ao desenvolver infraestrutura em qualquer país, temos que pensar nos 50 anos seguintes, nos efeitos ao meio ambiente e levar em conta que a população continua crescendo e temos que planejar tudo isso. Todos estão preocupados em relação a esses temas, aqueles que têm netos, mas também os jovens, que podem estar vivos no final do século. Os jovens estão mais preocupados com problemas do meio ambiente porque perceberam que, embora tenham em mente que são de longo prazo, sabem que estarão vivos e poderão sofrer as suas consequências.
Como estudar tantos temas tão diversos?
Temos que contribuir nos reunindo em pequenos grupos de cientistas com especialização em áreas diferentes. Precisamos começar logo. Mas, é claro que, se concluirmos que há ameaças sérias que não estejam sendo discutidas suficientemente, será, então, importante ter certeza de que academia e governos estarão familiarizados com elas. Mas, para isso, temos que nos esforçar para identificar os riscos mais sérios advindos dos novos desdobramentos da ciência, da tecnologia. Quais são, por exemplo, as ameaças ao meio ambiente derivadas da pressão crescente do crescimento da população, que está consumindo os recursos do planeta. É necessário nos antecipar os problemas.
O senhor defende que os riscos são menos naturais e mais vinculados às ações humanas.
Ao longo da História, estivemos sujeitos aos riscos de epidemias, terremotos, inundações, quedas de asteroides e outros desastres. E sabemos que pudemos sobreviver a eles, embora sejam grandes desastres. Mas acho que devemos nos preocupar mais com as novas ameaças causadas pela tecnologia e pela ação humana de maneira geral, porque são difíceis de prever e não temos garantia de que poderemos sobreviver a elas. Por isso, estamos interessados nas novas tecnologias.
Como o senhor vê os riscos geopolíticos do mundo moderno?
As grandes ameaças que vivemos durante a Guerra Fria, quando estávamos sob o risco de destruir a civilização no Hemisfério Norte, são menores agora. Mas nos próximos 50 anos podemos estar diante de uma nova corrida armamentista por novas superpotências e, se tivermos uma situação parecida com a de Cuba durante a Crise dos Mísseis, pode ser que os países tenham uma maneira de lidar com ela menos regional. Isso significa, por exemplo, que o risco nuclear pode ter ficado para trás por pouco tempo.
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