sexta-feira, 15 de abril de 2011

Susan George: "A política ambiental deve ser forte e fazer muita pressão"



Pedro J. Ortega
Andalucía Solidária


Tal como está colocado hoje, o livre mercado supõe uma luta entre o sistema social e o tributário. A competição entre ambos é cada vez mais férrea. É impossível fazer política hoje se as pessoas não entendem como estão sendo exploradas. É preciso que se fale às pessoas o que normalmente não se fala. Trabalhadores, mulheres, agricultores, organizações para o desenvolvimento, meios de comunicação, ecologistas...Não devemos deixar de fazer o que estamos fazendo hoje, mas precisamos nos esforçar mais.

Susan George é ativista social, filósofa, escritora e presidenta do Comitê de Planificação do Transnational Institute, fundadora da ATTAC e pioneira do movimento altermundista. Ela inaugurou em Málaga o ciclo de conferências intitulado “Crise Econômica e Financeira: há alternativas?”, organizado pela Oficina de Informação Europeia da Assembleia Legislativa de Málaga, em colaboração com o Fundo Andaluz de Municípios para a Solidariedade Internacional (FAMSI).

Em seu discurso, destacou as contradições do modelo da reforma da União Europeia e sua política comercial; a globalização neoliberal, a organização do comércio mundial, o papel das instituições financeiras internacionais e as relações Norte-Sul, aspectos nos quais centrou suas denúncias públicas e seus diversos livros, traduzidos para mais de 20 idiomas. O Informe Lugano, um de seus livros mais conhecidos, já vai para a 14ª edição.

Já em 2001, você afirmava que o começo do fim dos mais graves problemas começava com a formulação de duas perguntas. Umas delas era: quem são os responsáveis pela crise atual? Desde então, passou-se quase uma década. Soubemos responder essa pergunta?

Há muito tempo que não leio o Informe Lugano, mas estou segura da responsabilidade do grupo de Davos. Eles são os principais atores da indústria e da economia e os governos atuam a favor deste grupo, inclusive os socialistas, como é o caso da Espanha, que estão mais próximos do neoliberalismo. Em meu último livro, intitulado “Crises deles, soluções nossas”, que trata das causas da crise, sustento que a elite econômica mundial reunida no Fórum de Davos é o principal ator da crise econômica e financeira.

Calcula-se que com os 700 bilhões gastos pelos EUA para resgatar os bancos, seria possível aliviar a fome no mundo e ainda sobrariam recursos. Qual é sua proposta?

O mercado dos Estados Unidos é desregulado. Havia um livre mercado com regramento e regulação, mas os bancos gastaram 5 bilhões de dólares para acabar com essa regulação e, dessa forma, fazer o que queriam. Essa é a razão central da crise. E ela se agrava pela preocupação dos governos com o déficit do Estado e não com o déficit dos indivíduos. Minha proposta é socializar os bancos, sobretudo aqueles que foram resgatados com dinheiro público. É justo exigir deles o empréstimo de uma porcentagem dos valores que receberam.

E o livre mercado fica sob desconfiança?

Tal como está colocado hoje, o livre mercado supõe uma luta entre o sistema social e o tributário. A competição entre ambos é cada vez mais férrea.

Em sua teoria dos círculos concêntricos você situa as finanças acima de todas as coisas. O planeta não é mais do que um mínimo ponto na escala de interesses desse sistema. Como inverter a ordem dos círculos?

Como se faz isso? É preciso inverter essa hierarquia com alianças, com outras pessoas e entendendo os problemas. É impossível fazer política se as pessoas não entendem como estão sendo exploradas. Se não quisermos nos suicidar, devemos colocar o planeta na base superior dos círculos concêntricos, na situação privilegiada [1]. Em seguida deveria estar a sociedade que tem que obedecer as regras da biosfera e para isso necessitamos de uma economia. E, por último, situaríamos as finanças porque elas são apenas uma ferramenta.

Você propõe uma aliança internacional de sindicatos para frear as consequências do neoliberalismo sobre o trabalho...

Não só de sindicatos. Todo mundo precisa de alianças para se defender as consequências do modelo atual. Eu proponho que se fale às pessoas o que normalmente não se fala. Trabalhadores, mulheres, agricultores, organizações para o desenvolvimento, meios de comunicação, ecologistas... Não devemos deixar de fazer o que estamos fazendo hoje, mas precisamos nos esforçar mais. É necessária muita pressão.

No Transnational Institute [2], você tem dedicado muita atenção às políticas locais inovadoras, como a democracia participativa. Que papel desempenham essas políticas?

Sim, temos um novo programa sobre democracia direta, dirigido por Hilary Wainwright, pesquisadora e escritora sobre as novas formas de responsabilidade dentro dos partidos, os movimentos do Estado. Ela é a editora de Red Pepper, uma popular revista de esquerda inglesa, e tem documentado numerosos exemplos de novos movimentos democráticos, do Brasil até a Inglaterra, e as influências que exercem sobre as políticas progressistas.

Como avalia o fracasso das grandes cúpulas climáticas, como a de Copenhague, ou os acordos tíbios e não vinculantes de Cancún?

Chorei quando conheci os resultados. Este é um tema que não me deixa dormir. Não é algo irreversível, mas o tema do clima não é como outro, não é possível dizer “me equivoquei” e voltar atrás. A política ambiental deve ser forte e precisa fazer muita pressão. Não pode sair da agenda quando acaba o encontro.

Nos iludimos demasiadamente com Obama? Os estadunidenses perderam a esperança?

Com Obama também chorei quando ele foi eleito, mas por distintas razões daquelas pelas quais chorei com os resultados de Copenhague. É difícil para os europeus entenderem o que ocorre nos Estados Unidos. Nos EUA, 24% da população acreditam que Obama é o anticristo, 57% acreditam que é muçulmano, 67% que é socialista...É uma loucura, mas sigo. Cerca de 28% pensam que está imitando Hitler e 45% que não é estadunidense. A política é muito estranha nos Estados Unidos.

Entramos no terceiro quinquênio para o fim do prazo estabelecido pela ONU para atingir os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Resta ainda alguma esperança de que essas metas serão atingidas?

Com este sistema, certamente que não, ainda menos com os cinco anos que restam de prazo. Talvez dentro de 130 anos, se as coisas seguirem assim, sejamos capazes de conseguir algo.

Notas

[1] A teoria dos círculos concêntricos explica a estrutura do mundo como um conjunto de círculos onde o maior é o das finanças que engloba todo o resto. Logo a seguir, situa-se a economia verdadeira, de produção, consumo e distribuição. Estes dois círculos principais dizem à sociedade como ela tem que funcionar. Na sequência, no lugar menos importante, encontra-se o planeta, a biosfera, de onde são retirados os recursos e onde se lançam os desperdícios.
[2] O Transnational Institute desenvolve análises de vanguarda sobre questões de importância global, constrói alianças com movimentos sociais de base e elabora propostas para um mundo mais justo e sustentável.

Nenhum comentário: