segunda-feira, 1 de julho de 2013

Brasil se aproveita do sonho de Bolívar

Renaud Lambert
Le Monde diplomatique

Unificar os doze países da América do Sul para livrá-los da tutela norte-americana: no Brasil, o projeto de integração é unanimidade. Reunindo patrões e sindicalistas, movimentos sociais e representantes do governo, tal mobilização poderia, entretanto, facilitar o surgimento de uma nova hegemonia

Em princípio, eles não têm nada em comum. João Paulo Rodrigues milita desde a tenra infância no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Embaixador de seu país em Londres, depois em Washington, de 1994 a 2004, Rubens Barbosa coloca sua agenda de contatos a serviço de empresas. O primeiro nos recebeu em uma pequena e discreta casa em um bairro residencial de São Paulo. Nada de cartazes ou bandeiras vermelhas, apenas uma porta anônima. O segundo escolheu instalar seu escritório na elegante Avenida Brigadeiro Faria Lima, onde se escuta o zumbido de helicópteros de um arranha-céu a outro, que levam consigo empresários apressados. Quando nos encontramos, o dirigente do MST finalizava uma sessão de formação militante. O ex-diplomata, por sua vez, “conseguiu escapar por alguns instantes” entre duas ligações de clientes que, por um testemunho indiscreto, pareciam querer conhecer – um pouco antes dos outros? – as modalidades de uma licitação governamental.

Sem dúvida, esses dois homens se parecem muito pouco. Contudo, seus objetivos ecoam uns nos outros. Ao evocar o projeto político de sua organização, a “derrota do neoliberalismo em benefício de um sistema econômico mais solidário”, Rodrigues identifica uma urgência: a integração regional. De seu lado, o embaixador Barbosa sonha que seu país “transforme sua geografia em realidade política”. Segundo ele, a América Latina constitui “o jardim do Brasil, o espaço natural de expansão de suas empresas”.1 Manipulando maquinalmente uma miniatura de cães puxando um trenó coroada pelo slogan “Quando não somos o primeiro, a vista é monótona”, o ex-embaixador também desenha uma prioridade: “defender nossos próprios interesses” e reforçar o processo de integração regional.

Desde o sonho de unidade do libertador Simón Bolívar (1783-1830), inúmeras iniciativas tentaram promover a colaboração entre os países latino-americanos e sua integração em um conjunto mais vasto. Cada uma delas, no entanto, ganhava contornos variáveis em função dos objetivos: lutas pela independência no século XIX, industrialização da região após a Segunda Guerra Mundial, alinhamento neoliberal ao longo dos anos 1990.

Rodrigues e Barbosa negariam qualquer forma de aliança política, embora a ambição da integração regional os aproxime e os leve a atuar nesse sentido. “É a especificidade do processo de integração que o Brasil promove hoje. Trata-se de um projeto colocado em prática por forças políticas antagonistas, com interesses contraditórios. Mas, no momento, as agendas se revelam compatíveis, mesmo convergentes”, explica Armando Boito Júnior, professor de Ciência Política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Agendas compatíveis por enquanto...

Revolta patronal contra livre-comércio

Primeiro ponto de acordo: a rejeição à ideia de entrar na órbita norte-americana, que nos anos 1990, contudo, parecia convencer a elite. O presidente Fernando Henrique Cardoso (1994-2002) não poupou esforços para alimentar o sonho de Washington: uma imensa Área de Livre Comércio das Américas (a Alca, na sigla tanto em português como em espanhol), do Alasca à Terra do Fogo. Mas esse frenesi liberal não agradou o setor industrial da burguesia. Suas políticas de abertura do mercado brasileiro enterraram o país sob as importações, precipitando a quebra (ou a recompra) de certas empresas − um processo de desnacionalização audacioso o suficiente para desagradar até a revista superliberal Veja,2 que concluiu na época: “A história do capitalismo raramente viu uma transferência de controle tão intensa como essa, em um período tão curto”.3

Enquanto o setor financeiro prosperava, a poderosa Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) se armava. Em 2002, realizou um estudo que analisava o impacto da Alca na economia brasileira, e o documento confirmava “o que muitos empresários temiam”: um acordo de livre-comércio continental traria “mais riscos que vantagens para a economia brasileira”.4 Nas eleições desse mesmo ano, os industriais apoiaram a candidatura de um ex-metalúrgico, Luiz Inácio Lula da Silva, que, desde sua chegada ao Palácio do Planalto, se empenhou em dificultar as negociações com Washington. Em 2005, ocasião em que manifestações celebraram o fim do projeto Alca, a Fiesp se mostrou discreta e não declarou sua participação.

Longe das fronteiras brasileiras, a estratégia do livre-comércio regional busca uma segunda via, notadamente no âmbito da Aliança do Pacífico, assinada em junho de 2012 pelo Chile, Peru, Colômbia e México. Para Valter Pomar, dirigente da Articulação de Esquerda, uma tendência do PT, o acordo revela a mão de Washington: “Não há a menor dúvida quanto a isso”. Todos os países envolvidos já assinaram acordos de livre-comércio com os Estados Unidos.

Nos salões de Brasília e na Bolsa de Valores de São Paulo, entretanto, a crise “de 2008” contribuiu para aplacar a febre neoliberal. Desde então, é preciso se dirigir ao círculo mais próximo ao ex-presidente Fernando Henrique, ainda muito influente, ou bater na porta de um grande banco como o HSBC para escutar um poeta (de mercado) louvar, com olhos sonhadores, a reaproximação de México e Washington: “Os Estados Unidos são um pouco como o Sol, e o México é como um planeta que gira ao redor do astro central”. Uma órbita que custaria à população mexicana 6,7 pontos do PIB em 2009 – o que não deixou de se observar inclusive no seio da formação política de FHC, o PSDB.

“Existem outras formas de levar adiante a integração regional, como a que o MST defende por meio da Alba”, considera Rodrigues. Ele se refere à Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América, promovida pela Venezuela e à qual o Brasil jamais se uniu. Trata-se de uma integração baseada na solidariedade, e não na concorrência, e orientada para a busca por um “socialismo do século XXI”. Rodrigues, porém, avalia que “essa visão permanece muito minoritária no Brasil. Mesmo que a opinião de um punhado de iluminados da extrema esquerda aponte que, se não fossem as “traições” ao [programa do] PT, o socialismo chegaria amanhã, a luta por uma transformação social radical conta com uma base relativamente reduzida”. Na véspera, estudantes chilenos haviam reunido 100 mil pessoas nas ruas de Santiago: “A última vez que reunimos tanta gente no Brasil foi no Carnaval!”.

Uma mesma questão, de Berlim a Brasília

Daí a necessidade, para o MST, de identificar as pontes políticas entre seu próprio projeto e o modelo de integração hegemônica no país, aproveitando-se de suas contradições. “Elas são muitas”, sorri Rodrigues, antes de enumerar os componentes de uma linha de frente heteróclita: “O governo e seus aliados, certos setores industriais, empresas transnacionais, altos funcionários públicos, assim como amplos setores da classe trabalhadora, notadamente por meio das grandes centrais sindicais”. Em resumo, uma versão moderna do consenso “fordista” a serviço de um projeto geopolítico regional.

Primeiro ingrediente desse coquetel: a busca pela autonomia. Ex-secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores, depois ministro de Assuntos Estratégicos do presidente Lula (2003-2010), Samuel Pinheiro Guimarães figura entre os intelectuais brasileiros mais reconhecidos. O que explica talvez o fato de ter sido confiada a ele, em 2009, a redação do “Plano Brasil 2022”, com os objetivos estratégicos do país até o bicentenário da independência.

Perto dos 75 anos, o diplomata já não é adepto de discursos demagógicos. “De acordo com sua opinião, qual é o interesse da França ou da Alemanha em se integrar com um país como Malta?”, questiona neste 9 de abril de 2013, alguns instantes antes de ir observar em Caracas uma eleição presidencial que ele considera “crucial para o futuro da integração regional”. “Nenhum! A não ser o fato de Malta ser um país soberano e, como tal, dispor de um voto nas instituições internacionais.” Enquanto se constituem grandes blocos pelo mundo, “o Brasil deve, por sua vez, proceder como os outros” e criar “sua” região. Não a América “Latina”, porque México e América Central “votam com os Estados Unidos”; mas sim a do Sul, que deverá se tornar “o eixo central de nossa estratégia de rejeitar qualquer submissão aos interesses dos Estados Unidos”.

O anti-imperialismo das frações mais progressistas do alto funcionalismo público brasileiro se unem ao de Pomar. Independentemente das convicções políticas e de seus promotores, uma dinâmica que tire proveito dessa retórica hostil aos Estados Unidos poderia, segundo ele, servir de alavanca para a transformação social: “Todos os processos de construção de um campo socialista na América Latina se chocam contra dois obstáculos: o poder da burguesia interna e o da Casa Branca. Sem dúvida, a integração defendida pelo Brasil não elimina a ingerência exterior, mas reduz seu impacto e permite que dinâmicas nacionais sigam seu curso de forma mais autônoma”. As posições firmes da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) – nascida em 2008 – sem dúvida contribuíram para conter os golpistas bolivianos e equatorianos em 2008 e 2010.5 E, enquanto a oposição venezuelana e Washington questionavam a eleição de Nicolas Maduro, a organização deu seu apoio ao candidato chavista. “Em outros tempos, questões como essa se resolviam no âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA). A saber, na Casa Branca”, lança Guimarães. Um pouco irritado, o secretário de Estado John Kerry sugeriu recentemente que a América Latina era um “jardim”, mas dos Estados Unidos.6 Segundo a estratégia de Pomar, depois das investidas anglo-imperialistas, restaria confrontar o segundo obstáculo: a burguesia interna. Mas, sem dúvida, essa batalha deve ser deixada para mais adiante.

Privilegiados pela riqueza do subsolo e atualmente em processo de recuperar o controle de seus recursos naturais, os diferentes países da região se esforçam para diversificar suas economias e reforçar os setores produtivos. Dessa forma, Maduro se lamentava durante sua campanha presidencial na Venezuela: “Nosso país não dispõe de uma verdadeira burguesia nacional”. Caracterizados por um comportamento rentista, “os setores que se consagram à atividade econômica são extremamente dependentes do capital norte-americano”. Maduro lançou, então, um chamado a todas as forças capazes de ajudar o país a “lançar as bases de uma economia produtiva”.7 Dirigindo-se ao “setor privado nacionalista”, sem dúvida esperava que sua garrafa ao mar aportasse em praias brasileiras, onde os industriais têm reputação de mais “progressistas”.

Pois, longe de se afrouxar com Lula no poder, a aliança entre o PT, as grandes centrais sindicais e o patronato industrial se perpetuou por meio de uma atualização da tradição “desenvolvimentista” do Estado brasileiro. Em um contexto internacional caracterizado pela incapacidade dos dirigentes de vislumbrar outras respostas à crise do liberalismo que não seja o aprofundamento das reformas liberais, o surgimento de um programa com o objetivo de desenvolver o mercado interno por meio do pleno emprego, aumento dos salários, programas sociais e a retomada da produção (em detrimento da especulação) constitui provavelmente uma das opções mais revolucionárias que o planeta conhece no momento...

No entanto, inúmeros militantes de esquerda, não completamente satisfeitos, constatam: “Continuo a acreditar que é preciso lutar pelo socialismo”, explica Artur Henrique, ex-presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e articulador da aliança “neodesenvolvimentista”. “Mas não faço parte daqueles que acreditam no socialismo como algo próximo, que pode se concretizar no amanhecer de uma noite turbulenta. Não. Quero mudar as coisas, mas tenho consciência do contexto no qual trabalho. No âmbito regional, o que tentamos fazer é sair do neoliberalismo, mas sem acreditar que temos capacidade de derrotá-lo. Tentamos, antes, promover uma versão regional, não nacional. Quer dizer, uma versão que leva em conta as necessidades dos outros países da América do Sul.”

Assim, Caracas precisa de um metrô? Ela poderá contar com a empresa brasileira Odebrecht e subsídios financeiros de Brasília. A Venezuela experimenta uma penúria de produtos alimentares? Os industriais brasileiros se encarregarão de prover o vizinho setentrional – já fornecem quase a totalidade do frango que consomem. O comércio entre os dois países se multiplicou por oito desde a subida de Hugo Chávez no poder, em 1998.

“Para nós, a América do Sul constitui o mercado mais importante do mundo”, explica Carlos Cavalcanti, da Fiesp, que aumenta o tom de voz para ressaltar a natureza superlativa de sua proposta. “Ainda somos competitivos em relação aos produtos chineses, e é uma região que absorve a grande maioria das exportações de produtos manufaturados.” Enquanto 83% dos produtos manufaturados dos países da América do Sul são destinados à América Latina, apenas 5% se destinam à China. Além disso, em um contexto de desaquecimento econômico geral, os envios de mercadorias rumo aos vizinhos saltaram de US$ 7,5 bilhões em 2002 para mais de US$ 35 bilhões em 2010. Alisando os cabelos com uma das mãos, Cavalcanti observa, satisfeito: “Os países da região adotam políticas de aumento da renda de suas populações. Para nós, são mercados em crescimento”. Ninguém jamais sugeriu que anti-imperialismo e bons negócios fossem incompatíveis: em um documento de 2012, a Fiesp descrevia o processo de integração sul-americana como uma “ruptura” com uma história de “cinco séculos” marcada pela “submissão de nossos interesses nacionais às potências mundiais dominantes”.8

Uma saída para o Pacífico

Mas é no âmbito das infraestruturas que se encaixam com mais harmonia as exigências do desenvolvimento industrial da região, o reforço de sua autonomia geopolítica e a expansão do capital brasileiro.

Em 30 de outubro de 2012, a Unasul identificava os recursos naturais como “eixo dinâmico na estratégia de uma integração e unidade de [seus] países”. Essa mesma lógica havia justificado, pouco antes, a “continuação do trabalho da IIRSA”.9 IIRSA? É a sigla para Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana, uma série de grandes eixos rodoviários, ferroviários e fluviais que atravessam o sul do continente de Leste a Oeste e de Norte a Sul. Sonhado por FHC em 2000 como uma etapa do caminho que conduziria ao grande mercado “livre” das Américas, o projeto não convencia Chávez. Em 2006, durante uma reunião de chefes de Estado da região, o falecido presidente venezuelano denunciava a “lógica neocolonial” do projeto.

Mas, das raízes neoliberais da IIRSA às promessas da Unasul, “as coisas mudaram”, assegura em coro a maioria de nossos interlocutores. Não se trata mais de criar “apenas uma economia” sul-americana, mas de se abrir ao “desenvolvimento interno”, à “durabilidade ambiental”, em suma, de conceber as infraestruturas “como um instrumento de inclusão social”, promete María Emma Mejía, a nova secretária (colombiana) da Unasul.10

Na região, as necessidades de infraestrutura são imensas. Para tentar aplacar as críticas dos ecologistas, o vice-presidente boliviano Álvaro García Linera prometeu que a exploração dos recursos naturais permitiria industrializar o país. A debilidade do aparato tecnológico nacional, porém, ameaça desmenti-lo. Assim como o Peru, a Venezuela precisa se equipar com novas redes portuárias e rodoviárias. No Brasil, a produção de cereais cresceu cerca de 220% entre 1992 e 2012, mas as malhas rodoviária e férrea não evoluíram nada. Resultado: em abril de 2013, a BR-364 – que leva ao terminal ferroviário que serve o Porto de Santos – ficou travada com a fila de caminhões que se estendia por mais de 100 quilômetros e gerou um atraso de sessenta dias na exportação da produção. “Nosso agronegócio se beneficiaria de um acesso ao Pacífico”, observa o embaixador Barbosa. “E, afinal, a China é hoje nosso principal parceiro comercial.” Sem mencionar a cobiça das empresas brasileiras pelas terras além das fronteiras do país.

Solidariedade e saída de indústrias

Concebida em um contexto de idolatria liberal, a IIRSA confiava grande parte do financiamento de suas atividades aos mercados, assim como ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) − um fracasso com o qual está de acordo o bilionário argentino Eduardo Eurnekian: “Não penso sequer um segundo nos empresários se encarregando de conectar os países”. Nesse estágio, a responsabilidade de levar adiante os trabalhos é, portanto, dos “Estados, não do setor privado”.11

Mensagem recebida. Atualmente, a integração física da região pode contar com uma miríade de financiamentos nacionais. Ora, Brasília dispõe do banco de desenvolvimento mais rico do mundo: o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Em 2010, a instituição emprestou mais US$ 100 bilhões, contra US$ 15 bilhões do BID e US$ 40 bilhões do Banco Mundial. Um detalhe: seu estatuto restringe o financiamento apenas a empresas brasileiras − uma grande oportunidade para Odebrecht, Camargo Correia etc., “campeões nacionais” que o país busca promover.

Nos escritórios dessas transnacionais da construção, a definição da primeira Agenda Prioritária de Investimento (API) da Unasul, em novembro de 2011, deve ter sido aplaudida. A iniciativa prevê a construção de 1.500 quilômetros de gasodutos, 3.490 quilômetros de vias fluviais, 5.142 quilômetros de estradas e 9.739 quilômetros de ferrovias – um investimento total de US$ 21 bilhões para os projetos prioritários e US$ 116 bilhões para o conjunto dos 531 projetos.

Nos vizinhos, esse sentimento é mais difuso. No dia 22 de abril de 2013, durante o primeiro encontro da organização dos “Estados afetados pelas transnacionais”, Bolívia, Cuba, Equador, Nicarágua, República Dominicana, São Vicente e Granadinas, assim como a Venezuela, denunciaram o poder econômico de “certas empresas”, que ameaçariam a soberania de “certos Estados”. Apesar da declaração um pouco obscura, os olhares se voltaram para a mesma direção.

Para o intelectual uruguaio Raúl Zibechi, a integração promovida por Brasília poderia se resumir a uma transferência de projetos: um capital vindo do “Norte” teria cedido seu lugar a outro, do “Sul”. “Os ingleses construíram as primeiras ferrovias para exportar minerais, e os Estados Unidos quiseram que a rota Cochabamba–Santa Cruz entrasse no escopo da ‘Marcha para o Oeste’. Agora, o Brasil impulsiona seus próprios corredores de integração.”12

Guimarães apresenta as coisas de outra forma. Segundo ele, o problema é, em primeiro lugar, geográfico: na América do Sul, o Brasil representa metade do território, da população e da riqueza produzida a cada ano. Em 2011, o PIB do país era cinco vezes superior ao da Argentina, o segundo país mais próspero da região, e cem vezes maior que o da Bolívia. “Além disso, certas capitais da América do Sul apenas recentemente introduziram o imposto sobre a renda. Sozinhas, elas não dispõem dos recursos necessários para alavancar o desenvolvimento.” Convém, assim, “ajudá-las”.

Exploração ou solidariedade? As opções parecem coexistir tanto no plano regional como no seio do poder brasileiro, que ambiciona “reconciliar” sindicatos e patronatos. Até quando?

No dia 1º de abril de 2013, Guimarães ilustrava a solidariedade regional com um exemplo: “Sob o governo Lula, aconteceu algo extraordinário: uma subvenção brasileira permitiu a construção de uma linha de transmissão elétrica entre a usina hidrelétrica paraguaia de Itaipu e Assunção”,13 colocando um fim aos cortes de luz constantes sofridos pela capital paraguaia.

Dois dias depois, os empresários de São Paulo tiravam outra conclusão do episódio: “As indústrias nacionais com uso intensivo de mão de obra, como a têxtil ou a de confecção, melhorariam a competitividade perante os concorrentes asiáticos no mercado interno brasileiro se deslocassem parte da linha de produção para o Paraguai”, onde “os custos salariais são cerca de 35% mais baixos”.14

NOTAS

1 Correspondência com o presidente Fernando Henrique Cardoso, 21 jan. 2000 (arquivos de Barbosa).
2 Ler Carla Luciana Silva, “Veja, a tática do cinismo” [Veja, a revista que conta no Brasil], Le Monde Diplomatique Brasil, dez. 2012.
3 Citado por Geisa Maria Rocha em “Neo-dependency in Brazil” [Nova dependência no Brasil], New Left Review, n.16, Londres, jul./ago. 2002.
4 “Estudo da Fiesp mostra que Alca é mais risco que oportunidade”, Valor Econômico, São Paulo, 26 jul. 2002.
5 Ler Hernando Calvo Ospina, “Petit précis de déstabilisation en Bolivie” [Pequeno indício de desestabilização na Bolívia], Le Monde Diplomatique, jun. 2010, e Maurice Lemoine, “État d’exception en Équateur”, La Valise Diplomatique, 1º out. 2010.
6 “US protests against Bolivia’s decision to expel USAID” [Estados Unidos protestam contra a decisão da Bolívia de expulsar a Usaid], BBC News, Londres, 1º maio 2013.
7 “Maduro no volante”, Folha de S.Paulo, 7 abr.2013.
8 “8 eixos de Integração da Infraestrutura da América do Sul”, Fiesp, São Paulo, 24 abr. 2012.
9 Plano de trabalho de 2012 do Conselho Sul-Americano de Infraestrutura e Planejamento (Cosiplan) da Unasul.
10 “8 eixos de Integração da Infraestrutura da América do Sul”, op. cit.
11 “Integração depende de governos, afirma bilionário”, Valor Econômico, 19, 20 e 21 abr. 2013.
12 Raúl Zibechi, Brasil potencia, Desde Abajo, Bogotá, 2012.
13 Entrevista com Valéria Nader e Gabriel Brito, 1º abr. 2013.
14 “Fiesp mostra vantagens de se levar indústrias ao Paraguai”, Valor Econômico, 3 abr. 2013.

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