Cristina Soreanu
Carta Maior
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Separados por quase uma década, o setembro de 2001 e o maio de 2011 parecem conformar um pequeno momento histórico da política interna e externa dos Estados Unidos (EUA). De uma prova de fraqueza a uma de força da hegemonia, este ciclo teve Osama Bin Laden como sua personagem principal, e a Al-Qaeda e o terrorismo transnacional fundamentalista islâmico, como simbólicas da violência contra a democracia.
Apesar das diferenças partidárias do republicano George W. Bush (2001/2008) e do democrata Barack Obama (2009/2011), Bin Laden continuou sendo definido, do auge da guerra contra o terror até 2011, como o inimigo número 1 da América.
Para Obama, a continuidade dos esforços para a captura de Bin Laden tornou-se simbólica de uma das principais promessas de sua campanha, a de lutar a “guerra certa” (Afeganistão e Paquistão) e não a “guerra de escolha” (Iraque). Com a morte de Bin Laden no Paquistão, associada à retirada do Iraque e o cronograma de saída do Afeganistão, na Casa Branca parece-se dizer, enfim, “missão cumprida”. Mas será que a morte de Bin Laden deterá todos os impactos internacionais que tem se atribuído a ela? Ou trata-se mais de um reposicionamento tático da presidência Barack Obama às vésperas do décimo aniversário do 11/09, em meio a uma economia sem vigor e com suas reformas trancadas pela pauta eleitoral de 2012 e a pressão dos grupos de interesse?
Dificilmente, em termos comparativos, Obama buscará capitalizar os eventos relativos à morte de Bin Laden da mesma forma que W. Bush o fez em 2001, com base na tragédia e no medo. Além de representarem eventos diferentes em magnitude e escala, a vitória representada pelo desaparecimento de Bin Laden tende a ser curta e rapidamente esvaziada pela realidade doméstica. Ainda que possam celebrar nas ruas o desaparecimento de seu maior adversário, atitude que condenaram, e condenam em outras nações em eventos semelhantes, os norte-americanos têm diante de si uma sociedade economicamente debilitada e socialmente fragmentada. Passado este momento de união nacional breve, o vazio moral e de esperança que tem caracterizado o último ano tende a reaparecer com intensidade em meio às pressões da corrida à Casa Branca. Na verdade, considerando-se o passado político recente de Obama, seria incorreto atribuir ao Presidente a tentativa de manipular o imaginário norte-americano em torno exclusivamente do tema Bin Laden.
Mais do que nunca, este foco de discussão tentará ser superado à medida que o pleito neoconservador sustentou-se durante grande parte da década passada no trinômio Bin Laden-Al Qaeda-Guerra Global contra o Terrorismo. Embora a Secretária de Estado Hillary Clinton tenha afirmado que a “luta continua”, a mensagem precisa ser lida de duas maneiras: a luta, hoje, será travada nos termos definidos pela Casa Branca, nos teatros e batalhas vistos como prioritários pelos democratas e, segundo, a luta contra os que acusaram Obama de, ao longo de seus dois primeiros anos de mandato, de diminuir os esforços contra o terror e enfraquecer o país. Mesmo com as revisões de missão no Iraque e Afeganistão, estas eram as guerras de W. Bush, travadas segundo seus referenciais. Agora, pós-Bin Laden, os conflitos serão os de Obama.
Entretanto, ao fazer estas afirmações não estaríamos incorrendo em apenas uma mudança de semântica? Não se repetiria apenas um jogo de palavras que esconde os mesmos interesses norte-americanos? Sim e não. Pois, se dentro de casa a morte de Bin Laden deve ser entendida como uma “limpeza de agenda”, privando os neoconservadores do discurso do medo, também no exterior ela deve ser percebida desta forma. Falar em reposicionamento tático não significa afirmar que a hegemonia deixou de projetar poder ou abdicará de sua condição imperial, mas indicar que a mesma está se reajustando para tentar minimizar suas recentes perdas.
Basta uma breve contextualização do cenário do Oriente Médio para se perceber esta demanda urgente por uma adaptação: a queda de Hosni Mubarak no Egito, as operações da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) na Líbia, a instabilidade na Síria, as revoltas no Iemen, somente para mencionar alguns acontecimentos que indicam a dificuldade dos EUA em controlarem o cenário regional. As conversações entre o Hamas e o Fatah, o processo de paz Israel-Palestina em estagnação são igualmente componentes deste processo. Apesar da alegada “sombra” da Al-Qaeda em muitos destes eventos, apontada tanto pelo Ocidente quanto pelo Oriente, a quase totalidade dos processos deu-se à margem do que era, ou foi, a influência de Bin Laden. A morte de Bin Laden apenas formaliza, principalmente para o público norte-americano, aquilo que já havia se tornado patente, a dinâmica própria que as nações têm assumido em paralelo, escapando às tentativas de controle pelos EUA, e que demandam contenção para minimizar a perda de influência.
Não deixa de ser sintomático que em meio a todas as transformações , a pergunta dominante tenha sido “o que mudará sem Osama Bin Laden” como se o ato terrorista perpetrado em 2001 fosse a única origem da nova ordem mundial em formação. Exagerada, a expectativa de que tudo mudará no pós-Bin Laden, esconde as transformações graduais e táticas que Obama busca imprimir em sua administração para a campanha presidencial de 2012. Em meio a uma oposição republicana que o acusa de não ser norte-americano e que faz de sua plataforma discursos radicais anti-governo, pró-armas, pró-religião e maniqueísta, que se concentra em nomes como os de Sarah Palin e Donald Trump, Obama precisa diferenciar-se por projetos e visões positivas de esperança como o fez em 2008.
Se houver mudanças nos EUA, as mesmas não serão motivadas pelo fator Bin Laden, mas residirão em iniciativas democratas. Iniciativas estas interligadas em cenários internos e externos, que variam desde a reforma de saúde e as incursões de Obama mais próximas à população em tragédias nacionais (do atentado a Gabrielle Giffords à destruição dos tornados), até a reavaliação das alianças estratégicas regionais e globais.
Nesta trajetória, a morte de Bin Laden pode ser descrita como último capítulo da administração W. Bush escrito pelos democratas, e o primeiro do que poderá se converter em um novo tempo para a gestão Obama.
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