domingo, 9 de agosto de 2009

Victor Kiernan: Estados Unidos, o Novo Imperialismo


Claudia Antunes
Folha

Um livro sobre o imperialismo americano publicado em 1978, 11 anos antes da queda do Muro de Berlim, por um acadêmico marxista que pertenceu ao Partido Comunista britânico está por certo parcialmente datado -como reconhece no prefácio Eric Hobsbawm, que compartilha as características acima com o autor, Victor Kiernan.

Mas a reedição de "Estados Unidos, o Novo Imperialismo" faz sentido por pelo menos dois motivos. Primeiro, porque o tema continua atual, como mostrou o discurso em que Barack Obama, visando reaproximar os EUA dos países de maioria muçulmana, fez um mea-culpa do golpe que depôs em 1953 o premiê nacionalista Mohammed Mossadegh, do Irã. Segundo, porque Kiernan, morto neste ano, aos 95, como professor emérito da Universidade de Edimburgo (Escócia), não era estudioso devotado a jargões.

Tendo deixado o PC após a repressão soviética ao levante democrático húngaro de 1956, ele tinha a literatura como segunda fonte de estudos. Publicou um livro sobre Shakespeare e traduziu obras de poetas de língua urdu.

Tanto a paixão pela literatura quanto a experiência de Kiernan como professor, nos anos 30, no subcontinente indiano (então colônia britânica), estão presentes no livro. A obra dá voz a escritores contemporâneos dos fatos, a partir da conquista do Oeste pelos desbravadores dos jovens EUA, e reflete interesse pela perspectiva dos asiáticos e latino-americanos.

Papel dos impérios

Ontem como hoje, o julgamento do papel dos impérios depende tanto da orientação ideológica quanto do ponto de vista de quem o emite. Em 2008, dois eminentes professores de Harvard travaram polêmica sobre a herança deixada pelos britânicos na Índia. O escocês Niall Ferguson defendia a influência benigna do liberalismo inglês nas instituições pós-coloniais. O indiano Amartya Sen citava as ondas de fome causadas pela economia de exploração colonial.

Kiernan, do mesmo modo, enfatiza que as conquistas imperiais, diretas ou indiretas, estão sempre revestidas de duas características: a certeza de superioridade na escala civilizatória e o enunciado, às vezes sincero, de boas intenções. Tendo seu país resultado da revolta contra um império europeu, os americanos sempre relutaram em aplicar o rótulo a si. A palavra teve um repique durante a ocupação das Filipinas, no final do século 19, e só foi retomada, pelos próprios neoconservadores, durante o governo Bush (2001-2009).

É essa dualidade que Kiernan ressalta o tempo todo. O faz, muitas vezes, pela voz dos americanos. Assim, diz, os africanos retratados por Edgar Rice Burroughs, autor de "Tarzan dos Macacos" (1914), "exibem o anticolonialismo e o racismo lado a lado". Os vizinhos negros de Tarzan, conta Burroughs, são fugitivos da opressão dos coletores de borracha "daquele arqui-hipócrita, Leopoldo 2º da Bélgica". Mas, prossegue, "seus grossos lábios ressaltados acrescentavam ainda mais brutalidade a sua aparência".

O historiador lembra também a tradicional rejeição de dirigentes americanos ao militarismo, tanto que, pouco antes da Segunda Guerra Mundial, "a força regular ainda somava 250 mil soldados e o Ministério da Guerra ficava espalhado a esmo em alguns prédios".

Kiernan não entra na discussão teórica sobre imperialismo, objeto de controvérsia. Opta por definição economicista: a "coerção exercida pelo exterior, por um ou outro meio, para extorquir lucros além dos que são garantidos pelas simples trocas comerciais". Ele ignora os estudos sobre hegemonia, em que a potência também se impõe pela capacidade de produzir bens coletivos. Erra ao prever que a saída da estagnação dos EUA nos anos 70 seria promover o aumento do consumo nos países pobres.

Como se sabe, o que se seguiu foi a "década perdida", graças em parte ao aumento dos juros americanos. Só com a ascensão da China, a partir de suas próprias reformas capitalistas, haveria uma nova fase de crescimento e redução da pobreza.

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