Carta Maior
O mais recente Golpe de Estado em Honduras contém um desses cadáveres escondidos, que assombram a história da América Latina. Hoje, com governos populares e nacionalistas encaminhando mudanças sociais, econômicas e políticas pela via constitucional, a direita prepara uma reação cuja retórica esconde esqueletos e mortos. As eleições legislativas argentinas do último domingo ajudam a entender essa retórica e os seus mortos no armário da impunidade com que a direita latinoamericana sempre golpeou seus povos.
Agora que não é mais proibido falar das diferenças com respeito à verdade, na política, a busca pelos ratos mortos nos armários da direita se reveste de sentido. O mais recente golpe de estado em Honduras contém um desses cadáveres escondidos, que assombram a história da América Latina. O arbítrio contra a legitimidade é uma briga que vem ganhando conotações ao mesmo tempo mais complexas e temerárias. Por um lado, a condenação do governo Obama ao golpe não é um fato irrelevante, quando menos, porque revela um inédito comportamento de respeito à democracia. Isso também se extende à atitude honrosa da Organização dos Estados Americanos. O monstro ideológico que está se formando não pode ser visto com os olhos do infantilismo e do sectarismo esquemáticos de um mundo que acabou.
Uma das coisas que se aprende em qualquer doutrina penal democrática é que a imputabilidade de conduta ilícita é pessoal. E as lições e interpretações européias ou europeizantes sobre totalitarismo e desresponsabilização criminal não se aplicam a uma elite golpista e avessa à ordem constitucional, se que é se aplicam em caso algum. A direita latinoamericana não precisou de lições da Santa Igreja nem de impérios seculares para perpetuar extermínios, saques e arbítrios, ao longo de séculos.
Hoje, com governos populares e nacionalistas encaminhando mudanças sociais, econômicas e políticas pela via constitucional, e com as derrotas políticas e morais dos mais recentes intentos golpistas (na Venezuela, no Brasil, no Paraguai, na Bolívia, em Honduras), a direita prepara uma reação cuja retórica esconde esqueletos e mortos não suscetíveis a qualquer debate interpretativo. As eleições legislativas argentinas do último domingo ajudam a entender essa retórica e os seus mortos no armário da impunidade com que a direita latinoamericana sempre golpeou seus povos.
Num artigo recente, a jornalista argentina Sandra Russo descreve com precisão do que se trata: querer ser eleito até se permite, mas querer um processo de mudança, não pode. Nem dentro das regras constitucionais, a manifestação mesma da vontade é o que é interdito. No caso do golpe em Tegucigalpa esse diagnóstico de Russo aparece assim: o golpe é um erro, mas Zelaya queria se perpetuar no poder! Essa mentira tem muitas versões e se diz de muitas maneiras. O texto de Sandra Russo, em janeiro deste ano, apresenta com rigor e elegância o monstro ideológico em gestação.
No que concerne às recentes eleições legislativas argentinas, que apresentaram o fenômeno do anti-kirchnerismo como novidade eleitoral, os mortos não estão sujeitos a interpretações. Na semana que se seguiu à vitória eleitoral da oposição ao casal Kirchner, o prefeito da Capital Federal e um dos dirigentes PRO (sigla da improvável Proposta Republicana), nomeou para a chefatura de Polícia Metropolitana de Buenos Aires Jorge “Fino” Palacios, policial acusado, entre outras coisas, de ter protegido suspeitos locais de participação no atentando contra a AMIA – Associação Mutual Israelita Argentina -, em 18 de julho de 1994, que deixou 85 mortos e nenhum condenado judicialmente, até agora.
Qual é mesmo a relação entre o brutal atentando – o segundo em Buenos Aires – contra a comunidade judaica e o golpe em Tegucigalpa? Quem é mesmo capaz de transitar de um acontecimento para outro assim, como se décadas não houvessem passado? Tem um velho ditado secular que diz o seguinte: “quando a pedra sai das mãos, ela cai nas mãos do diabo”.
Numa entrevista, o procurador responsável pela investigação do atentado da AMIA, Alberto Nísman, apresenta suspeitas e indícios de uma relação íntima entre responsáveis pelo atentado em 1994 e os “antikirchenristas” que comandam a Capital Federal. Maurício Macri, o prefeito que nomeou chefe de polícia um comissário aposentado suspeito de ter acobertado provas da investigação sobre o atentado contra a AMIA, disse algo importante quando foi eleito, em junho de 2007: “Hoje ganhou a cidade de Buenos Aires, ganhou a democracia, e o 'cambio' (a mudança). Não é uma mudança como slogan, mas que propõe outra política, outros valores, como não agredir os outros, não perseguir fantasmas do passado”.
Entre esses fantasmas assombrando Macri e os seus, estão os responsáveis pela ditadura Videla, que tem a marca inapagável de 30 mil exterminados desaparecidos. Responsáveis cuja condenação e julgamento são condenados, tanto por Macri, como por Menem. No seu improvável republicanismo também vale nomear para a chefatura de polícia alguém que obedeceu a ordens do irmão de Carlos Menem, Munir Menem, para interromper processos investigativos cujos indícios iriam, como o FBI depois reiterou, contribuir para o esclarecimento dos responsáveis, se não pelos 30 mil, pelo menos pelos 85 inocentes que naquele dia estavam na AMIA e que hoje são lembrados, para quem tem olhos de ver, naquelas placas dolorosas no pé das árvores jovens da Rua Pasteur.
O fantasma argentino que assombra Tegucigalpa é o dessa direita que odeia seu povo, que despreza a democracia e que sempre agiu às margens de qualquer regime constitucional. Com e sem constituição em vigor, é bom que se diga. A forma da retórica é, como diz Russo: eles podem até vencer eleição e ter um, dois mandatos, mas não podem querer um processo de mudança. Não podem querer. O conteúdo dessa retórica é imenso e começa a ser reconhecido a passos lentos, e resistentes. E tem entre suas vítimas muitos, como os 30 mil e os 85, mortos por “fantasmas”.
Agora que não é mais proibido falar das diferenças com respeito à verdade, na política, a busca pelos ratos mortos nos armários da direita se reveste de sentido. O mais recente golpe de estado em Honduras contém um desses cadáveres escondidos, que assombram a história da América Latina. O arbítrio contra a legitimidade é uma briga que vem ganhando conotações ao mesmo tempo mais complexas e temerárias. Por um lado, a condenação do governo Obama ao golpe não é um fato irrelevante, quando menos, porque revela um inédito comportamento de respeito à democracia. Isso também se extende à atitude honrosa da Organização dos Estados Americanos. O monstro ideológico que está se formando não pode ser visto com os olhos do infantilismo e do sectarismo esquemáticos de um mundo que acabou.
Uma das coisas que se aprende em qualquer doutrina penal democrática é que a imputabilidade de conduta ilícita é pessoal. E as lições e interpretações européias ou europeizantes sobre totalitarismo e desresponsabilização criminal não se aplicam a uma elite golpista e avessa à ordem constitucional, se que é se aplicam em caso algum. A direita latinoamericana não precisou de lições da Santa Igreja nem de impérios seculares para perpetuar extermínios, saques e arbítrios, ao longo de séculos.
Hoje, com governos populares e nacionalistas encaminhando mudanças sociais, econômicas e políticas pela via constitucional, e com as derrotas políticas e morais dos mais recentes intentos golpistas (na Venezuela, no Brasil, no Paraguai, na Bolívia, em Honduras), a direita prepara uma reação cuja retórica esconde esqueletos e mortos não suscetíveis a qualquer debate interpretativo. As eleições legislativas argentinas do último domingo ajudam a entender essa retórica e os seus mortos no armário da impunidade com que a direita latinoamericana sempre golpeou seus povos.
Num artigo recente, a jornalista argentina Sandra Russo descreve com precisão do que se trata: querer ser eleito até se permite, mas querer um processo de mudança, não pode. Nem dentro das regras constitucionais, a manifestação mesma da vontade é o que é interdito. No caso do golpe em Tegucigalpa esse diagnóstico de Russo aparece assim: o golpe é um erro, mas Zelaya queria se perpetuar no poder! Essa mentira tem muitas versões e se diz de muitas maneiras. O texto de Sandra Russo, em janeiro deste ano, apresenta com rigor e elegância o monstro ideológico em gestação.
No que concerne às recentes eleições legislativas argentinas, que apresentaram o fenômeno do anti-kirchnerismo como novidade eleitoral, os mortos não estão sujeitos a interpretações. Na semana que se seguiu à vitória eleitoral da oposição ao casal Kirchner, o prefeito da Capital Federal e um dos dirigentes PRO (sigla da improvável Proposta Republicana), nomeou para a chefatura de Polícia Metropolitana de Buenos Aires Jorge “Fino” Palacios, policial acusado, entre outras coisas, de ter protegido suspeitos locais de participação no atentando contra a AMIA – Associação Mutual Israelita Argentina -, em 18 de julho de 1994, que deixou 85 mortos e nenhum condenado judicialmente, até agora.
Qual é mesmo a relação entre o brutal atentando – o segundo em Buenos Aires – contra a comunidade judaica e o golpe em Tegucigalpa? Quem é mesmo capaz de transitar de um acontecimento para outro assim, como se décadas não houvessem passado? Tem um velho ditado secular que diz o seguinte: “quando a pedra sai das mãos, ela cai nas mãos do diabo”.
Numa entrevista, o procurador responsável pela investigação do atentado da AMIA, Alberto Nísman, apresenta suspeitas e indícios de uma relação íntima entre responsáveis pelo atentado em 1994 e os “antikirchenristas” que comandam a Capital Federal. Maurício Macri, o prefeito que nomeou chefe de polícia um comissário aposentado suspeito de ter acobertado provas da investigação sobre o atentado contra a AMIA, disse algo importante quando foi eleito, em junho de 2007: “Hoje ganhou a cidade de Buenos Aires, ganhou a democracia, e o 'cambio' (a mudança). Não é uma mudança como slogan, mas que propõe outra política, outros valores, como não agredir os outros, não perseguir fantasmas do passado”.
Entre esses fantasmas assombrando Macri e os seus, estão os responsáveis pela ditadura Videla, que tem a marca inapagável de 30 mil exterminados desaparecidos. Responsáveis cuja condenação e julgamento são condenados, tanto por Macri, como por Menem. No seu improvável republicanismo também vale nomear para a chefatura de polícia alguém que obedeceu a ordens do irmão de Carlos Menem, Munir Menem, para interromper processos investigativos cujos indícios iriam, como o FBI depois reiterou, contribuir para o esclarecimento dos responsáveis, se não pelos 30 mil, pelo menos pelos 85 inocentes que naquele dia estavam na AMIA e que hoje são lembrados, para quem tem olhos de ver, naquelas placas dolorosas no pé das árvores jovens da Rua Pasteur.
O fantasma argentino que assombra Tegucigalpa é o dessa direita que odeia seu povo, que despreza a democracia e que sempre agiu às margens de qualquer regime constitucional. Com e sem constituição em vigor, é bom que se diga. A forma da retórica é, como diz Russo: eles podem até vencer eleição e ter um, dois mandatos, mas não podem querer um processo de mudança. Não podem querer. O conteúdo dessa retórica é imenso e começa a ser reconhecido a passos lentos, e resistentes. E tem entre suas vítimas muitos, como os 30 mil e os 85, mortos por “fantasmas”.
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