segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Metade dos somalis já enfrentam emergência alimentar


The Independent

Para toda uma geração, a primeira imagem da catástrofe da fome em massa ficou amalgamada nos relatos vindos de uma desconhecida região africana que a guerra tirou da obscuridade e jogou nas páginas dos jornais no fim dos anos 1960. Da tragédia de Biafra para o drama seguinte, na Etiópia, em meados dos anos 1980, os protagonistas continuaram os mesmos - africanos submetidos às privações da seca e dos conflitos armados - mas a mobilização internacional mudou, capitaneada por uma constelação de cantores pop americanos no memorável esforço do "USA for Africa".

Um quarto de século depois, outra geração se depara com as mesmas imagens de décadas passadas, apenas com o foco do drama centrado em outro país. Hoje, a ONU vai anunciar que a fome na Somália já atinge mais da metade da população - deixando quatro milhões de pessoas numa situação crítica - e se espalha para outras regiões do depauperado país africano. E, desde doming, a entidade patrocina na capital somali, Mogadíscio, uma reunião de cúpula para ajudar a encontrar um caminho à realização de eleições em 2012.

No total, as agências humanitárias estimam que 13 milhões de pessoas na África Oriental - incluindo a Etiópia e o Quênia - estão em emergência alimentar, causada em parte pela pior seca em 60 anos na região e em parte por conflitos que dificultam a entrega de ajuda. Desde 1991, a Somália - mergulhada no caos da guerra civil - deixou de ser um Estado funcional.

Rebeldes islamistas dificultam ajuda

Agora, se as chuvas não caírem até outubro, o futuro de milhões de pessoas ainda encurraladas sem comida no meio da guerra civil no Sul da Somália parece ainda mais incerto. Mesmo que as chuvas não falhem, não haverá colheitas até o início de 2012, o que significa que a emergência permanecerá por meses. O acesso das organizações de ajuda humanitária ainda é um problema sério nas áreas mais atingidas do centro-sul. Com exceção de alguns poucos grupos, a maioria das agências ocidentais de assistência está banida da região pelo grupo rebelde al-Shabaab, que tem conexões com a al-Qaeda. A maior parte da ajuda é distribuída a pessoas que conseguem chegar a Mogadíscio ou a campos de refugiados em Quênia e Etiópia.

- É o problema mais sério. A comida está chegando a Mogadíscio, mas fazê-la chegar às pessoas que necessitam (em outras regiões) vai continuar sendo um enorme problema - desabafa Unni Karunakara, presidente da organização Médicos Sem Fronteiras (MSF).

Após uma visita ao Sul da Somália na semana passada, o alto comissário da ONU para Refugiados, António Guterres, alertou que o pico da crise ainda está por vir: "Do ponto de vista da segurança alimentar das pessoas, obviamente, à medida que o tempo passa, até que a próxima colheita seja possível, a situação vai ficar cada vez pior."

Uma cúpula começou ontem em Mogadíscio visando a criar condições para a eleição de um novo presidente em agosto de 2012. O encontro de três dias, organizado pela ONU, é a primeira grande conferência política em quatro anos na devastada cidade. Se o fraco governo de transição da Somália, apoiado pelo Ocidente, não for reforçado, a ilegalidade que permitiu que a fome prosperasse e a paz se esquivasse não vai diminuir. Na semana passada, pelo menos 27 pessoas morreram em combates pesados na região semiautônoma de Galmudug. O doutor Karunakara estava entre muitos daqueles que duvidaram que uma cúpula da ONU poderia trazer estabilidade: "Realmente tenho dificuldades para imaginar o que a ONU pode fazer."

No entanto, Augustine Mahiga, enviado especial do secretário-geral da organização, defendeu a cúpula. "Esta reunião histórica é um processo liderado por somalis e para os somalis". A ONU está facilitando o encontro, tal como solicitado pelos somalis - disse.

Hamdi Bashir, 46, estava entre os primeiros a se mudar para um recém-aberto campo de refugiados no Quênia. Ele veio há duas semanas de Buale, na Somália, com a mulher e 13 filhos. Enquanto a emergência alimentar foi o que levou Bashir ao Quênia, é o fim da guerra em seu país - mais do que a chuva - o que ele deseja: "Nós, somalis, vivemos sem segurança em nosso país, e fugimos para diferentes regiões do mundo. Paz e segurança são as coisas mais importantes na vida de um ser humano."

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