O Globo
Na noite de 19 de março, o diretor do sistema penitenciário do Colorado, Tom Clements, foi assassinado ao abrir a porta de casa. A caçada policial para prender o assassino terminou alguns dias depois, quando um homem de 28 anos também foi morto: ele fazia parte de um grupo de supremacistas de extrema-direita, uma gangue a qual se ligou nos oito anos passados na prisão. Clements foi só mais uma vítima da cada vez mais ativa e violenta extrema-direita. Políticos — americanos e britânicos — focam na ameaça de extremistas estrangeiros e dedicam pouca atenção à violência doméstica na Europa e nos Estados Unidos. Mas ela está crescendo.
Flores e atos violentos marcaram o day after do brutal assassinato de um jovem militar em Londres, no meio da tarde ensolarada de quarta-feira. Mascarados, militantes da extrema-direita apedrejaram mesquitas, destruíram carros estacionados por perto, atacaram muçulmanos nas ruas, defenderam a forca para os assassinos. Na televisão, políticos britânicos exageravam os perigos do que rotularam de incidente terrorista, em cenas de histeria em massa.
Dá mesmo para chamar de terroristas dois malucos que destroçam um pobre soldado e depois pedem às pessoas em volta que os fotografem na cena da barbárie? Tudo é possível, mas parece pouco provável os dois terem ligações com grupos do tipo al-Qaeda. Não por acaso, o serviço secreto considerou-os figuras periféricas nos movimentos liderados por clérigos com discursos radicais. Ou, na nova narrativa dos órgãos de segurança, são lobos solitários, usando armas pouco sofisticadas, com retórica de solidariedade aos irmãos muçulmanos, perpetrando ataques aleatórios, com táticas aprendidas pela internet.
O perigo mora ao lado. As motivações desses dois britânicos — um deles nascido na Nigéria — não parecem muito diferentes dos outros dois malucos de origem chechena que atacaram maratonistas em Boston. Rejeição social reforça o mal-estar existencial destes outsiders e os empurra para uma radicalização misturada ao desejo de vingança, um caldo de cultura que fermenta extremismos com ou sem ideologia. São terroristas ou malucos parecidos com aqueles que invadem escolas ou cinemas e saem atirando? Para chefes de Estado com problemas de liderança e/ou popularidade é mais proveitoso invocar ameaças ã segurança nacional.
Esta foi a escolha do primeiro-ministro David Cameron. Ele viveu uma semana miserável, com uma rebelião de deputados do Partido Conservador contra a sua posição em cima do muro em relação ao plebiscito para decidir pela saída ou não do Reino Unido da União Europeia. O problema foi agravado pela rejeição de 40% da sua base parlamentar à lei do casamento gay, proposta saída diretamente de Downing Street. O atentado foi a oportunidade para Cameron mostrar-se de novo no comando da nação, botando o país em estado de alerta e iniciando uma discussão sobre medidas mais rigorosas para proteger o Reino Unido. “Temos de esperar a tormenta passar”, disse um senhor muçulmano que acompanhou sexta-feira o filho à escola para protegê-lo de possíveis ataques de radicais.
Do outro lado do Atlântico, o presidente Barack Obama também recorreu à guerra ao terror para tentar escapar da maldição do segundo mandato. Sob acusação de pressionar repórteres investigativos, de usar o aparato do Estado contra adversários políticos e de esquecer as promessas de campanha, Obama usou o maior dos seus talentos para reconquistar o país. Com a mesma oratória que inflamou militantes no já distante ano de 2008, trouxe de volta à cena o presidente idealista: decretou o fim da guerra ao terror e renovou seu compromisso de fechar Guantánamo. Reconheceu os dilemas morais dos ataques americanos com drones em países estrangeiros, mas avisou que não poderia abrir mão do direito de matar terroristas com potencial de ameaçar os Estados Unidos.
Até prova em contrário, o presidente troca seis por meia dúzia. Desde que assumiu não mandou mais suspeitos de terrorismo para Guantánamo, mas passou a eliminá-los em ataques com drones. Os aviões assassinos mataram 1.600 paquistaneses, o dobro dos prisioneiros que George W. Bush trancou em Guantánamo.
Enquanto isso, em território americano, foi a extrema-direita, e não jihadistas inspirados por bin Laden, a maior ameaça à segurança dos americanos. Entre 2008 e 2012, 52 extremistas americanos foram presos e processados por assassinatos e planejamento de ações violentas por razões políticas. Neste mesmo período, apenas seis militantes inspirados por al-Qaeda e assemelhados foram acusados de planejar atos terroristas. “Militares retornados do Afeganistão e Iraque engrossam esses grupos de extremistas domésticos”", alertou recentemente o departamento de Segurança Interna. Nem sempre a ameaça vem do outro lado do mundo e fala inglês com sotaque.
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