Carta Maior
Nunca antes qualquer tentativa de se chegar a um acordo de paz entre governo e guerrilha chegou tão longe – e, portanto, tão perto de uma solução – como o diálogo iniciado pelo presidente Juan Manuel Santos e o alto comando das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, as FARC, há dois anos. E de repente, tudo pareceu, uma vez mais, ir a pique: na tarde do domingo 16 de novembro, o general Rubén Darío Alzate Mora foi seqüestrado, na companhia de um cabo do Exército e de uma advogada, num povoado perdido nas margens do rio Atrato, nos confins da selva, região onde atuam tanto as FARC como remanescentes de outro grupo guerrilheiro, o Exército de Libertação Nacional (ELN), e várias quadrilhas de traficantes de droga.
Assim que se soube do seqüestro, Juan Manuel Santos anunciou a imediata suspensão das conversas de paz que se realizam em Havana. E sugiram perguntas que não tiveram resposta. A primeira delas: por que o experiente general com nome de poeta se aventurou numa região sabidamente de alto risco vestido em roupas civis, desarmado, e sem um esquema mínimo de segurança? A segunda: por que razão, em pleno e tenso diálogo buscando a paz, as FARC fariam tamanho desafio?
Poucos dias depois a guerrilha admitiu que o general – o primeiro militar de tal patente a ser seqüestrado em meio século de guerra civil – estava em seu poder. O que não se sabe, e certamente levará muito tempo até que se saiba, é como uma guerrilha que atua sempre de maneira tão rigorosamente disciplinada resolveu, justo agora, seqüestrar um general. Pode ser que não soubessem de quem se tratava, pode ser que tenha sido uma ação voluntariosa de um grupo desorientado, pode ser que quisessem pressionar de maneira contundente o governo, pode ter sido qualquer coisa. Mas algo é certo: tudo que foi alcançado até agora nas conversas de paz esteve por um fio.
Passada uma semana, as FARC anunciaram haver entregue ao governo as coordenadas indicando o local onde o general, seus acompanhantes e outros militares em seu poder serão entregues. Concluída a ação, o incidente – muito sério, por certo – terá terminado. Mas deixa claro, seja do ponto de vista que for, o instável e delicado equilíbrio que cercou e cerca as conversas e negociações, e projeta dúvidas e questões sobre o que acontecerá quando – e se – for alcançado um acordo final.
Até agora, chegou-se a um consenso sobre três dos seis pontos da agenda de negociações entre guerrilha e governo. O primeiro deles se refere à reforma agrária. O segundo, à participação de guerrilheiros desmobilizados na vida política do país. Eles poderão inclusive formar um partido nos moldes convencionais e disputar eleições. O terceiro trata da questão do narcotráfico, e determina a implantação de um programa especial para que os atuais cultivos usados para a produção de drogas sejam substituídos.
Tanto a questão da reforma agrária como da reinserção dos guerrilheiros na vida política do país eram consideradas decisivas. Restam, porém, três outros pontos, dos quais dois são especialmente delicados. O primeiro deles se refere à determinação de um processo paralelo e coincidente para que o desarmamento da guerrilha ocorra ao mesmo tempo em que se reestrutura as Forças Armadas do país. Ao mesmo tempo, seriam suspensos os processos judiciais contra a guerrilha que estão em andamento.
O segundo é igualmente complexo: como definir quem pode ser considerado vítima da violência, e qual tipo de reparação será aplicado? Para encerrar o processo, está prevista a realização de um referendo nacional, que aprovará – ou não – o acordo alcançado.
Falta muito caminho a ser percorrido, e ele é todo difícil. Por exemplo: pesquisas recentes indicam que a imensa maioria da opinião pública é contrária a uma anistia aos guerrilheiros. Isso significa que mesmo que se chegue a um acordo satisfatório para os dois lados, ele pode ser recusado pela maioria do eleitorado. É inegável que se trata de um quadro complicado e ainda obscuro. Mas também é inegável que nunca antes se havia chegado tão perto de alcançar alguma luz.
Apesar da tensa expectativa e da dificuldade de se manter algo mais que um otimismo apenas relativo, há indícios de que se aposta forte na possibilidade de chegar a bom porto. Agora mesmo, o governo de Juan Manuel Santos começa a projetar cálculos referentes aos custos que o governo terá de enfrentar para aplicar todos os pontos do acordo. Calcula-se, por exemplo, quanto será necessário para implantar a reforma agrária, a recuperação social das populações rurais afetadas pela violência, a implantação de serviços elementares de educação e saúde. E também quanto será requerido pela recuperação ambiental de vastas zonas de florestas.
Ou seja: há quem planeje um futuro que será, se não de paz total, pelo menos de uma normalidade que o país ignora há meio século. Do lado da guerrilha, também se notam sinais de esforço para que o acordo seja alcançado. Não há como apressar um processo necessariamente intrincado e complexo, mas os negociadores das FARC têm deixado clara sua disposição de serem flexíveis.
Isso tudo foi posto em risco na tarde de um domingo, quando um general resolveu fazer uma viagem de barco que ninguém consegue entender. Para onde ia, sem escolta, sem segurança alguma? Fazer o quê? Por que não ouviu os alertas do próprio barqueiro que o conduzia? As respostas virão com o tempo. E, quanto antes, melhor.
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