quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Indignados da Espanha preparam-se para "ocupar" o Congresso

Guilherme Kolling
Carta Maior

Ativistas pretendem levar milhares ao centro de Madri, no dia 25 de setembro, para tomar as ruas no entorno do Parlamento e rodeá-lo de gente. Ato “Ocupa o Congresso” pretende chamar a população para o “resgate da cidadania” e reforçar as críticas ao modelo atual de democracia. Protesto vai além da contestação aos políticos e propõe a abertura de um processo constituinte.

Dia 1º de setembro, sábado ensolarado e ameno em Madri. Cerca de 100 pessoas se reúnem em um círculo formado em um recanto do Parque do Retiro. Passam um megafone de mão em mão, debatem, anotam. A conversa tem início as 11h e só termina por volta das 20h. No domingo, o evento se repete, no mesmo local e horário.

O mês começou com reuniões diárias dos Indignados da Espanha. As assembleias prosseguirão até o dia 25, quando um coletivo de grupos da sociedade civil fará um grande ato chamado “Ocupa o Congresso”. A ideia é levar milhares para as ruas, rodear o Parlamento de gente em nome de um “resgate” do Legislativo e da cidadania. “Os mercados sequestraram o Congresso e a política foi roubada dos cidadãos”, argumentaram ativistas em um dos encontros no parque.

A expressão “resgate” faz referência indireta ao repasse de 100 bilhões de euros da União Europeia para salvar o sistema bancário espanhol. O recurso chegará à custa de muito sacrifício da população, afetada pelos cortes drásticos no orçamento - 65 bilhões de uma tacada -, que atingem os serviços de saúde e educação, além dos rendimentos de funcionários públicos, aposentados e desempregados (um quarto da população economicamente ativa).

O pacote anunciado pela gestão do Partido Popular de Mariano Rajoy para diminuir o endividamento do país ibérico inclui ainda uma subida da carga tributária. Primeiro foi o imposto de renda, no início do ano, e agora entrou em vigor o aumento do IVA (Imposto sobre Valor Agregado), que abrange quase todos os setores da economia, alterando desde o preço do metrô (que já havia sido reajustado em maio) até produtos de alimentação.

As medidas não estavam previstas no plano de governo do PP. O povo saiu às ruas ao longo de todo o primeiro semestre para protestar. Ninguém parece estar de acordo com o duro ajuste fiscal. O próprio Rajoy admite que é contrário a essas ações impopulares, mas justifica que não há outra saída nesse momento.

Ou seja, as decisões não são mais tomadas em Madri, mas em Bruxelas, onde fica a Comissão Europeia, e em Berlim, capital da Alemanha, principal economia do bloco. Para os Indignados, mais uma prova da falência do atual sistema democrático na Espanha - “Le llaman democracia esto no es!” é uma das palavras de ordem do grupo. Falta força ao governo para defender a soberania nacional e sobra contrariedade na população, que protesta contra suas medidas.

No Congresso, emblema do sistema democrático espanhol, houve poucos debates quando Rajoy anunciou os cortes - a maioria dos parlamentares é governista. Além disso, o local está patrulhado ostensivamente por policiais há quase dois meses. Nos dias mais tensos, furgões, grades e homens armados controlam duas quadras da rua Cedaceros, onde está o prédio em que os deputados federais dão expediente. Tudo para evitar protestos no local.

A norma deve ser desafiada no dia 25 de setembro, o 25-S, como dizem os espanhóis. Antes disso, no dia 15, os principais sindicatos do país pretendem fazer um megaprotesto contra os cortes, propondo um referendo popular para avaliar as medidas do governo. O outono será quente nas ruas de Madri.

Evolução no discurso e resultados concretos

Há um ano e meio, em 15 de maio de 2011, os olhos do mundo estavam voltados para a Puerta del Sol, no centro de Madri, onde um grupo de jovens saiu às ruas para protestar contra o sistema político do país. Conhecidos como Os Indignados, o coletivo pedia “democracia real já” e dizia que os políticos não os representavam. “Que no, que no, que nos representan!”

Apresentando-se como os 99% da população que estavam insatisfeitos com a política que beneficia o 1% que está ao lado do capital financeiro internacional, o 15-M (referência à data 15 de maio) sustentava que a crise financeira não deveria ser paga com sacrifícios do povo, mas sim pelos banqueiros. “Esa crise no la pagamos!”

A mobilização inicial durou três meses, em toda a Espanha, e, segundo pesquisas, cerca de 4 milhões de espanhóis participaram de algum ato do 15-M em todo o país. Contrários a todos os partidos e até mesmo aos sindicatos, o movimento recebeu algumas críticas pelo seu niilismo, que não viria acompanhado de propostas.

Entretanto, os Indignados fomentaram a criação de assembleias de bairros e apoiaram grupos que trabalham, por exemplo, a questão da moradia, uma tema que ganhou mais importância devido ao aumento exponencial de casos de despejo de pessoas que não conseguiram mais pagar sua hipoteca após a crise. E, em um ano, o 15-M catalogou 14.700 propostas para mudar o sistema. Nessa linha evolutiva, do protesto às propostas, fica claro nas discussões das assembleias preparatórias ao Ocupa o Congresso a preocupação em não apenas criticar o sistema, mas dar um passo adiante, buscar soluções.

“De que adianta derrubar um governo que é ilegítimo se logo entra outro que fará a mesma coisa? Por isso é importante discutir o sistema, queremos mudar o modelo que está aí”, disse um dos ativistas durante a assembleia de sábado no Parque do Retiro. Seus companheiros levantaram os braços e chacoalharam as mãos, sinal utilizado pelos Indignados para dizer que estão de acordo. “Em diversas discussões, percebo que já não se fala mais dos problemas do PP ou do PSOE (principais partidos na Espanha). Muita gente já se deu conta de que é preciso mudar o regime, isso é que se está sendo discutido”, comemorava outro integrante dos Indignados.

O consenso nas reuniões é de que o ato de 25 de setembro não acabe na ação simbólica do dia, deve ser o marco para o início de um processo constituinte participativo e contínuo, uma transição democrática até se chegar a um novo modelo em que o cidadão seja mais ouvido.

A coordenação do 25-S já explicita a proposta em sua página na internet, em que fala da “injusta situação atual de perda de direitos em saúde, educação, serviços sociais, emprego e moradia” e propõe o início de um processo que leve a Espanha “a um novo modelo social, baseado na soberania popular participativa”. O ambiente é propício para isso. Diversos setores da sociedade, inclusive partidos políticos, defendem mudanças constitucionais, fala-se em uma nova lei eleitoral e, nas ruas, a crise e a ineficiência do atual sistema são temas recorrentes nas conversas do cidadãos, seja em paradas de ônibus, bares ou no metrô.

Para completar o quadro, segundo pesquisas divulgadas em agosto, os políticos estão entre as categorias com maior rejeição da opinião pública, rivalizando com os banqueiros na disputa pela última colocação das instituições-setores pior avaliadas pela sociedade espanhola.

Ativistas de Barcelona alertam para guerra midiática

No dia 3 de setembro, ativistas de Barcelona foram a Madri para expor aos organizadores do ato Ocupa o Congresso a experiência que tiveram em uma ação parecida no entorno do Parlamento da Catalunha, realizada em junho de 2011.

Na época, os Indignados catalães queriam evitar a votação de um orçamento para sua província com cortes que já haviam sido definidos pela União Europeia e que não estavam previstos nas plataformas eleitorais de nenhum partido.

Depois de uma vigília noturna em frente ao Legislativo na véspera da votação, os manifestantes passaram o dia seguinte no local, com propostas como a de um orçamento participativo. Milhares de pessoas ficaram lá de forma pacífica. Mas houve atos de hostilidade na chegada de alguns parlamentares e confrontos pontuais com a polícia.

Nos meios de comunicação, a única mensagem exposta foi a de que houve violência em Barcelona. “Por isso é muito importante estar preparado para a guerra midiática. Ainda mais aqui em Madri, onde já há ataques ao movimento antes de ele ocorrer”, observou um ativista de Barcelona, em referência às críticas de representantes do governo de Madri e de jornais como o conservador La Razón ao Ocupa o Congresso.

Um das principais preocupações da organização do 25-S é que não haja enfrentamento com a polícia. É consenso que será uma ato de não violência, mas o desafio é evitar distúrbios numa massa de dezenas de milhares de pessoas e num ambiente que será de tensão, tendo em vista que haverá sessão no Congresso e um grande contingente de policiais será mobilizado.

Também já foi definido que não se pretende evitar a passagem dos parlamentares e muito menos a sessão do dia. Nessas três semanas que antecedem o ato, os ativistas pretendem deixar muito claro nas redes sociais e nos meios de comunicação o caráter pacífico da ação.

O objetivo é garantir que o momento seja de difusão da mensagem de que o sistema político tem problemas e que a sociedade espanhola precisa discutir mudanças, sem perder espaço para ataques ou rótulos que já estão sendo ventilados, como o de “violência de grupos anti-sistema” ou “golpe de estado, num ataque ao Congresso”.

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