segunda-feira, 9 de abril de 2012

A esquerda após a crise de 2008

Eleonora de Lucena
Folha

Para o sociólogo Göran Therborn, que vem ao Brasil para lançar Do Marxismo ao Pós-Marxismo?, movimentos como o Occupy e os indignados espanhóis se caracterizam como defensivos, sem virar o jogo político. Aqui, ele analisa economia e política na Europa e nos EUA.

A crise financeira não tirou a esquerda da defensiva; a direita derrotou a social-democracia na Europa. Mas a falta de saídas neoliberais deve fazer o pêndulo do ciclo eleitoral mudar de tendência. A avaliação é do sociólogo marxista Göran Therborn, professor emérito aposentado da universidade de Cambridge. Nesta entrevista, concedida por e-mail, Therborn, 70, fala das principais eleições no mundo neste ano, do declínio dos EUA e do individualismo.

No seu livro Do Marxismo ao Pós-Marxismo?, de 2008, o sr. diz que a esquerda está na defensiva. Ainda está?

No conjunto, sim. O crash financeiro e a aceleração da desigualdade econômica não colocaram a esquerda na ofensiva social em lugar nenhum. Existiram, e ainda existem, alguns movimentos inovadores, como a Democracia Real Ya! e o 15-M, na Espanha, e o Occupy Wall Street. Mas eles não foram capazes de mudar os parâmetros básicos do jogo político nacional. Os grandes protestos na Grécia têm sido claramente lutas defensivas. O movimento estudantil chileno, contra a mercantilização do ensino superior, é uma exceção. Ele foi capaz de se conectar com outras forças sociais e empurrou o arrogante governo Piñera para a defensiva.

Muita coisa mudou de 2008 para 2012: a crise financeira global, a Primavera Árabe. As mudanças o surpreenderam? O seu livro ficou desatualizado por causa delas?

Crises em economias capitalistas não surpreendem um cientista social ou um historiador social, embora prever as datas dos seus surtos seja tão difícil como prever as datas dos verões europeus. Os problemas sociais estavam se acumulando sob as envelhecidas ditaduras e oligarquias árabes, como indico em meu livro. Os incipientes movimentos de protestos foram colocados em um livro que publiquei depois, em dezembro de 2010 - "The World" (ed. Polity). Mas eu não esperava a primavera de revoltas.

É possível dizer que, com essas mudanças, o neoliberalismo está perdendo a hegemonia?

Muitas mudanças estão acontecendo sem uma causa em comum. O crash financeiro do Atlântico Norte não estava conectado com a Primavera Árabe, por exemplo. O crash sacudiu as próprias bases do sistema bancário anglo-saxônico. A crise de 2011 na Eurozona mostrou a capacidade de autodestruição das bolhas de fluxo de capital.

A Primavera Árabe também destacou que a liberalização das economias árabes nada havia conseguido de significativo em relação ao desemprego e às perspectivas sociais dos grandes grupos de jovens. Por enquanto, nenhuma força política está argumentando que a única via para um futuro melhor são mais privatizações e desregulamentações. Por outro lado, nos países mais ricos nenhuma alternativa articulada apareceu.

Alguns pensam que a crise põe a democracia em perigo, como nos anos 1930. O sr. concorda?

A democracia, no seu sentido mais limitado, de eleições livres e competitivas, não está em perigo. O amplo e diversificado estabelecimento do Estado de bem-estar social capitalista significa que os efeitos sociais dos choques econômicos hoje são incomparáveis com a miséria e o desespero criados pela depressão dos anos 1930.

Na Europa Ocidental não há movimentos fascistas com algum significado. O que há são xenófobos, principalmente islamofóbicos. Mas eles não ameaçam a democracia. Na Europa Ocidental, a ameaça à democracia vem da tecnocracia. A crise na Eurozona levou à suspensão de governos democráticos, eleitos, na Grécia e na Itália. Na Europa Oriental a situação é mais incerta.

A social-democracia perdeu credibilidade ao ser parceira do neoliberalismo europeu?

Sim, foi claramente o que aconteceu nas derrotas social-democratas na Grã-Bretanha, na Hungria, em Portugal e na Espanha. Mas, como não há solução liberal, o pêndulo do ciclo eleitoral tende a mudar. A social-democracia alemã está crescendo em pesquisas e nas eleições provinciais, e a vitória do socialista François Hollande na França é ainda uma boa aposta.

Como o sr. analisa as eleições na França, na Grécia e no México?

Hollande está à frente em questões sociais e econômicas. A guerra na Líbia não impulsionou a posição precária de Sarkozy, mas ele agora está ganhando força entre a direita xenófoba. A França é o único grande país capitalista com significativas correntes de extrema esquerda, que ganham entre 10% e 20% dos votos.

A Grécia tem uma esquerda com organização bem mais forte do que a Espanha. Tem chance de se tornar a maior força eleitoral no país. Mas está dividida entre três partidos e outras correntes que não convivem bem entre si. O conservador Nova Democracia pode ganhar por causa da divisão da esquerda. Os social-democratas, que se renderam às pressões da crise, serão os grandes perdedores.

O México tem um habilidoso porta-bandeira da esquerda, López Obrador, que organizou um vasto movimento com raízes nacionais. Mas tem a oposição da mídia e das máquinas do clientelismo. Não é provável que vença.

Qual sua previsão para os EUA?

Obama se revelou um presidente fraco, moderadamente conservador, completamente subserviente aos interesses imperiais dos EUA, o que eu esperava. Está enfrentando uma notável reação da direita. O movimento Tea Party logrou explorar a crise financeira com uma linha de extrema direita, que habilmente deixou de lado questões da crise e da desigualdade econômica. Comparativamente, o movimento Occupy Wall Street é pequeno e pobre. Como as primárias têm demonstrado, o Tea Party e os cristãos fundamentalistas moveram o Partido Republicano de volta para uma era [Barry] Goldwater. Com a incipiente recuperação econômica, é provável que Obama vença, mas certamente não de forma esmagadora como a de Lyndon Johnson em 1964.

Por que o sr. considera a influência dos EUA decadente?

Não considero "decadente", que é um termo moralista, mas em declínio, enfraquecida. O declínio é óbvio. No Egito, os EUA nada puderam fazer para preservar o seu segundo cliente mais caro do mundo (depois de Israel), nem foram capazes de impor um novo regime satélite. Em dezembro, Hugo Chávez lançou uma nova organização latino-americana fora da influência dos EUA, a Celac. Antes de 2000, isso seria impensável.

O declínio da influência norte-americana é acima de tudo geopolítico e ideológico. Suas bases são a ascensão de novos e grandes agentes econômicos (China, Índia, Brasil). Há perda de significado da liderança ideológica dos EUA após o fim da Guerra Fria e a óbvia incapacidade das receitas neoliberais anglo-saxônicas para a nova economia mundial.

A tentativa de substituir a Guerra Fria por uma caçada em grande escala, a guerra ao Terror, nunca foi levada a sério por ninguém fora dos EUA. Cada vez menos pessoas e políticos enxergam os seus interesses como coincidentes com os dos EUA. O risco de ignorar os interesses norte-americanos também diminuiu.

É preciso enfatizar onde não há declínio ou onde ele é muito pequeno. Enquanto a relativa predominância econômica dos EUA decai significativamente, não se deve esquecer que boa parte da vanguarda da economia mundial ainda é norte-americana: Apple, Microsoft, Facebook, Amazon, Boeing. Os EUA ainda são o centro do entretenimento de massa e da pesquisa científica. São a única superpotência militar, e seus gastos militares são mais do que o dobro dos gastos de China, Reino Unido, França, Rússia e Japão juntos.

Como analisa o marxismo hoje?

O marxismo é uma original unidade entre filosofia, análise social e política. Muito dessa unidade foi quebrada. Os políticos comunistas se desvincularam de Marx. Foi decisiva a transformação do capitalismo, com desindustrialização, revolução eletrônica e emergência do capital financeiro.

Tudo isso parou e inverteu a tendência de longo prazo anterior: propriedade coletiva, regulação pública e fortalecimento da classe trabalhadora. A queda da URSS foi um propulsor político, mas, sob uma perspectiva histórica de longo prazo, os impasses do socialismo soviético e da social democracia europeia tiveram as mesmas raízes. O marxismo como identidade coletiva foi seriamente enfraquecido e é improvável que torne a ter a sua força anterior.

Como o sr. analisa a questão do individualismo hoje?

É crucial distinguir entre o individualismo egoísta, fundamentado, do individualismo econômico, do solidário, essencialmente um individualismo existencial. O individualismo egoísta econômico existe no Tea Party. Exemplo. Uma apresentadora de TV protesta contra uma abordagem coletiva para a crise: por que ela deveria pagar a hipoteca do vizinho?

É um individualismo burguês na sua forma extrema, e tanto hoje como historicamente é coabitado com familismo patriarcal. O polo oposto está em movimentos juvenis mais progressistas. É um individualismo existencial, que afirma o direito a um estilo de vida individual, ter cabelo verde, ser bissexual, vegan, punk etc. Mas é capaz de ter empatia com os outros, dando apoio e solidariedade.

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