quinta-feira, 11 de junho de 2020

Uma pandemia chamada Brasil

Ruth de Aquino
O Globo

Está difícil ser patriota no Brasil. Nenhum país maltratou tanto a população na pandemia do coronavírus. Tudo de pior se juntou aqui. A começar pelo presidente, que chama 40 mil mortos de “abobrinha” e grita para Cristiane Bernart, eleitora arrependida, “traída como milhões de brasileiros”: “Sai daqui. Cobre do seu governador”. O partido de Cristiane é o Patriota, de direita.

Governadores são acusados de fraudes com respiradores e material hospitalar. Corrupção financeira e moral é vírus endêmico nacional. Contamina governos de todas as ideologias e, por tabela, nossa sociedade. O tipo mais asqueroso é o que desvia grana de merenda escolar, de ambulância, de Bolsa-Família e, agora, se aproveita da pandemia para roubar milhões de dólares em respiradores impróprios. Roubar oxigênio, roubar a possibilidade de cura e vida. Isso me parece crime hediondo.

Não é só no Rio de Janeiro. Nem só no Pará, em Rondônia, no Amazonas, em Roraima, no Acre e em São Paulo. Com recordes de contágio e mortes, vemos mandados de prisão, busca e apreensão em operações policiais. A maioria visa rivais de Bolsonaro. Mas onde se investigar, se descobrirá fraude reunindo uma quadrilha público-privada de servidores, autoridades e empresários que escolheram a ganância. Corrupção ativa na Saúde! A deputada Carla Zambelli ri com seus informantes e chama de “Covidão” as operações da PF. Piada de mau gosto.

No Rio Grande do Sul, até uma adega foi contratada sem licitação para fornecer respiradores. Foram fechadas cinco fábricas clandestinas de álcool em gel. Golpistas usavam cachaça e até etanol em garrafões do álcool em gel falsificado. Para enganar mães, pais, filhos, netos, avós. Para torná-los mais suscetíveis a contrair e propagar a doença.

Também se tira proveito da pandemia para “passar a boiada”, como o tal Salles tentou. Ou para intervir no ensino superior. O tal Weintraub quer nomear, ele mesmo, reitores de quase 20 universidades federais, sem consulta. O espanto é esse indivíduo, após chamar juízes do Supremo de bandidos e vagabundos, continuar ministro e ser condecorado. Um incompetente que nem no Enem seria aprovado.

Nessa pandemia chamada Brasil, somem no ar hospitais de campanha e se desmonta o Ministério da Saúde, hoje coalhado de militares. Um exibe broche com faca na caveira. Quando assisti na GloboNews ao debate entre Mandetta, Gabbardo e Margareth Dalcolmo, pensei: como um país despreza todo esse conhecimento científico e técnico? Simples: na pandemia chamada Brasil, despreza-se a Ciência. A verdade incomoda. Sempre incomodou. E por isso a campanha eleitoral da chapa Bolsonaro-Mourão está sob investigação.

Em nenhum país vi tantos desatinos na pandemia. Bolsonaro e seu general de cabeceira tentaram maquiar o total de mortos. É provável que nenhum número seja real. O Brasil certamente tem mais de um milhão de contaminados, porque não existe testagem em massa como nos Estados Unidos. O Brasil certamente já superou hoje 100 mil óbitos por covid, porque os mortos por insuficiência respiratória grave se multiplicaram em 2020. Se não se fazem testes em vivos, quanto mais em mortos. As autópsias iludem.

O Brasil usa a pandemia para editar medidas arbitrárias. O Brasil usa a pandemia para roubar dos doentes. Que morram os pobres na flexibilização do isolamento, nas feiras, nos ônibus e trens? Então deixo a bandeira verde-amarela para quem acha bonito roubar. E para quem elegeu isso tudo que está aí e não se arrependeu amargamente. E para o Centrão. E para quem ainda não enxerga motivos para o impeachment.

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