O Globo
De segunda a sábado, Miguel Ramírez, de 58 anos, acorda às 6h30m e vai para o campo como dezenas de outros moradores de Capulálpam de Méndez, 549 quilômetros ao Sul da Cidade do México. No caminho, eles mesmos se dividem entre um grupo que cortará árvores cuidadosamente selecionadas no bosque e outro que assumirá as atividades agrícolas do dia. São quase 12 horas de trabalho duro e práticas ancestrais simples que se tornaram modelo global de combate às mudanças climáticas. Comunidades como Capulálpam cuidam de matas que já armazenam 37 bilhões de toneladas de carbono — o equivale a 29 vezes a quantidade de CO2 emitida por veículos de todo o mundo. Se dominarem terrenos maiores, podem contribuir para reduzir significativamente as emissões, avalia um relatório internacional inédito.
Comunidades tradicionais e indígenas são pouco citadas em pesquisas sobre o clima. O silêncio é quebrado nesta quinta-feira, com a divulgação desse estudo, intitulado “Garantindo direitos, combatendo a mudança climática” e assinado pelo Instituto de Recursos Mundiais (WRI, na sigla em inglês) e pela Iniciativa para Direitos e Recursos (RRI). Os autores mapearam áreas florestais de 14 países de América Latina, África e Ásia, comparando o desmatamento nos territórios protegidos pelos povos nativos e as áreas vizinhas e desocupadas.
A diferença é chocante. Na Amazônia brasileira, por exemplo, o índice de desmatamento nas florestas comunitárias ficou abaixo de 1% entre 2000 e 2012. Fora delas, chegou a 7%. O Norte da Guatemala, onde fica a comunidade de Ramírez, é 20 vezes mais protegido dentro das áreas conservadas pelas comunidades tradicionais.
50 campos de futebol por minuto
Hoje, 11% das emissões de gases-estufa vêm da devastação de áreas verdes. A cada minuto é derrubada uma região equivalente a 50 campos de futebol. Esse índice poderia ser consideravelmente menor se os povos tradicionais tivessem seus direitos legais reconhecidos — algo que ocorre em apenas 12% das florestas. Nesses locais, as comunidades foram bem-sucedidas em evitar que madeireiros, empresas extrativistas e colonos destruíssem a mata.
"Vimos estudos globais sobre gerenciamento de florestas, e a principal descoberta é que elas são mais vulneráveis onde as comunidades não têm direitos reconhecidos", explica Jenny Springer, diretora de Programas Globais da RRI e coautora do relatório. Não se trata de inventar recursos ou leis, mas aplicar as normas que já existem em muitos países.
De acordo com o estudo, a própria tradição qualifica as comunidades a manejarem suas florestas. Sua população sabe como separar zonas agrícolas, habitacionais e de exploração econômica e, eventualmente, regiões para turismo e pesquisa. Além do cultivo agrícola, outra importante base para o sustento econômico e realizada sazonalmente é a extração de madeira. "Fazemos um mapeamento do bosque e vemos em que regiões podemos intervir", explica Juan Lopez Martinez, presidente do Comissariado de La Trinidad, comunidade de Oaxaca, no Sul do México. "É preciso fazer podas em algumas regiões, para retirar galhos e dar espaço entre as árvores grandes. Algumas precisam ser cortadas para não prejudicar as vizinhas. Além disso, as jovens absorvem mais CO2".
Para o diretor do WRI, Robert Winterbottom, a intervenção do Estado seria mais cara e menos frutífera: "Os governos não são muito eficientes, porque teriam de ir às florestas e gastariam dinheiro com transporte e mão de obra, enquanto a população faz esse serviço gratuitamente para garantir sua própria sobrevivência".
Andy White, coordenador do RRI, concorda. Segundo ele, ninguém tem mais interesse na saúde das florestas do que as comunidades que as habitam. "Direitos de propriedade claros para as populações indígenas e comunidades locais aumentam a capacidade dos países de proteger e resgatar suas florestas", assinala. É trágico que isso ainda não tenha sido completamente adotado como estratégia central de mitigação das mudanças climáticas.
Brasil é destaque no Relatório
O Brasil está entre os países mais elogiados pelo levantamento. Entre 1980 e 2007, cerca de 300 territórios indígenas foram reconhecidos legalmente. Sem essas zonas protegidas, o desmatamento atingiria, até 2050, aproximadamente 27,2 milhões de hectares, uma área pouco maior que a do Reino Unido. Ainda assim, os efeitos das mudanças climáticas sobre a Amazônia são motivo de preocupação. "Os prognósticos indicam que parte da Amazônia pode ser convertida em uma savana" lembra Winterbottom. A saúde das florestas pode ficar comprometida se houver alterações no regime de chuvas.
As comunidades tradicionais mexicanas cobrem cerca de 60% do território do país. Lá, quem manda é o agricultor e o governo ainda abre o cofre para ajudá-lo. "Há uma série de programas de incentivo à conservação da floresta, como preservação da fertilidade do solo ou combate a incêndios. Os proprietários de terra escolhem um projeto e recebem o orçamento necessário para viabilizá-lo" descreve Iván Zuñiga, coordenador do Conselho Civil Mexicano para a Silvicultura Sustentável. No fim do ano, cada um informa às autoridades o que conseguiu fazer.
Na Guatemala, o governo estuda como pagar às comunidades pela quantidade de carbono absorvida pela floresta. As comunidades têm concessões de 25 anos para “mostrar serviço”. "Nosso país é um dos mais vulneráveis às mudanças climáticas", alerta Juan Ramón Girón, subdiretor da Associação de Comunidades Florestais de Petén, no Norte da Guatemala. "Mas sabemos gerar alternativas econômicas ligadas ao bosque, especialmente na exploração da madeira, com baixo impacto ambiental".
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