Moacyr Scliar
Folha
Este 5 de setembro assinalou o centenário de nascimento de uma verdadeira figura emblemática na história e na cultura do Brasil: Josué de Castro. Estamos falando de um verdadeiro pioneiro nos estudos sobre a fome, tema que ele, de família modesta e nascido no Recife dos mangues e dos mocambos, conhecia bem. Foi o tema que o mobilizou e que balizou sua carreira como professor, pesquisador, administrador e político. Essa carreira teve início nos sombrios anos 1930, marcados pela crise econômica que se seguiu ao crack da Bolsa de Nova York, pela ascensão do nazifascismo e do stalinismo.
O Brasil, antes essencialmente agrícola, urbanizava-se e industrializava-se; os trabalhadores associavam-se aos sindicatos controlados pelo governo de Getúlio Vargas. É a época do tenentismo, do comunismo, do integralismo; o sentimento nacionalista cresce e bem assim a reflexão intelectual sobre o país. É a época em que Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Jr. publicam importantes obras. É a época da ficção engajada de Graciliano Ramos, José Américo de Almeida e Jorge Amado.
Em 1935 Josué de Castro muda-se para o Rio de Janeiro, assumindo a cátedra de antropologia da antiga Universidade do Distrito Federal. O que não é de surpreender: durante muito tempo antropologia e medicina, no Brasil, estiveram intimamente ligadas, como o demonstram os "médicos-antropólogos" da Bahia. Em 1940 torna-se professor catedrático de geografia humana na Universidade do Brasil. O conceito geográfico formaria a base de suas obras básicas, "Geografia da Fome" (1946), traduzido para 27 idiomas, e "Geopolítica da Fome" (1951).
Josué de Castro divide o Brasil em cinco grandes áreas, sendo três delas, a área amazônica, a área do Nordeste açucareiro e a área do sertão nordestino, áreas de fome, da qual escapam Centro-Oeste e Extremo Sul. Para Josué de Castro a humanidade sempre sofreu com o drama da fome, mas essa situação pode ser agravada por fatores como a exploração colonialista. Citava o caso do Senegal, onde os colonizadores haviam substituído a cultura do sorgo, alimento básico da população, pela do amendoim, produto de exportação, gerando deficiências no regime alimentar.
No Nordeste, a monocultura da cana-de-açúcar, durante o período colonial, teve o mesmo efeito, assim como a extração do látex na Amazônia durante o ciclo da borracha. Em "O Livro Negro da Fome" (1957), associa desnutrição a subdesenvolvimento, recusando outras explicações para a carência alimentar, sobretudo o argumento malthusiano da superpopulação.
O alto índice de mortalidade infantil e a necessidade de braços para trabalhar para a lavoura explicariam o elevado número de filhos. Josué de Castro defendia uma reforma agrária que não apenas distribuísse terras, mas que proporcionasse à agricultura familiar assistência técnica, créditos e facilidade de comercialização dos produtos. Mas não se limitava a teorizar sobre o tema. Exerceu cargos executivos em serviços federais de alimentação e trabalhou na FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação).
Exerceu por duas vezes o mandato de deputado federal por Pernambuco. Com o golpe de 1964 teve seus direitos políticos cassados e foi destituído do cargo de representante do Brasil em organismos internacionais ligados à ONU. Passou a morar em Paris, foi convidado para trabalhar em várias organizações, mas isso não atenuou o abalo emocional representado pelo exílio, que pode ter contribuído para sua morte em 1973.
Aparentemente, as idéias de Josué de Castro foram ultrapassadas pelo tempo. A geografia já não condiciona de forma tão estrita o consumo alimentar, dado o crescente comércio de produtos alimentícios e a homogeneização de hábitos alimentares em decorrência da publicidade e dos meios de comunicação: há McDonald's e Coca-Cola em todos os lugares. Por outro lado, embora persistam as desigualdades entre diferentes camadas sociais, a prevalência da desnutrição no Brasil diminuiu, como o mostrou o recente relatório da Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde, que, constituída por decreto presidencial, teve o apoio logístico da Fundação Oswaldo Cruz (Ministério da Saúde).
Seria o fim da fome no Brasil, e, quem sabe, no mundo? O dramático aumento do preço dos alimentos e o fracasso da rodada Doha mostram que não é bem assim. O colonialismo não existe mais, mas foi substituído pelo protecionismo agrícola dos países ricos, que em 2007 deram US$ 320 bilhões a seus agricultores para evitar que bloqueassem as cidade com tratores. No ano passado os preços dos alimentos básicos subiram até 70%. A ajuda aos países mais pobres, meros 0,7% do PNB dos ricos, só tem diminuído. Ou seja, há uma nova geografia da fome, e ela espera por seu Josué de Castro.
O Brasil, antes essencialmente agrícola, urbanizava-se e industrializava-se; os trabalhadores associavam-se aos sindicatos controlados pelo governo de Getúlio Vargas. É a época do tenentismo, do comunismo, do integralismo; o sentimento nacionalista cresce e bem assim a reflexão intelectual sobre o país. É a época em que Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Jr. publicam importantes obras. É a época da ficção engajada de Graciliano Ramos, José Américo de Almeida e Jorge Amado.
Em 1935 Josué de Castro muda-se para o Rio de Janeiro, assumindo a cátedra de antropologia da antiga Universidade do Distrito Federal. O que não é de surpreender: durante muito tempo antropologia e medicina, no Brasil, estiveram intimamente ligadas, como o demonstram os "médicos-antropólogos" da Bahia. Em 1940 torna-se professor catedrático de geografia humana na Universidade do Brasil. O conceito geográfico formaria a base de suas obras básicas, "Geografia da Fome" (1946), traduzido para 27 idiomas, e "Geopolítica da Fome" (1951).
Josué de Castro divide o Brasil em cinco grandes áreas, sendo três delas, a área amazônica, a área do Nordeste açucareiro e a área do sertão nordestino, áreas de fome, da qual escapam Centro-Oeste e Extremo Sul. Para Josué de Castro a humanidade sempre sofreu com o drama da fome, mas essa situação pode ser agravada por fatores como a exploração colonialista. Citava o caso do Senegal, onde os colonizadores haviam substituído a cultura do sorgo, alimento básico da população, pela do amendoim, produto de exportação, gerando deficiências no regime alimentar.
No Nordeste, a monocultura da cana-de-açúcar, durante o período colonial, teve o mesmo efeito, assim como a extração do látex na Amazônia durante o ciclo da borracha. Em "O Livro Negro da Fome" (1957), associa desnutrição a subdesenvolvimento, recusando outras explicações para a carência alimentar, sobretudo o argumento malthusiano da superpopulação.
O alto índice de mortalidade infantil e a necessidade de braços para trabalhar para a lavoura explicariam o elevado número de filhos. Josué de Castro defendia uma reforma agrária que não apenas distribuísse terras, mas que proporcionasse à agricultura familiar assistência técnica, créditos e facilidade de comercialização dos produtos. Mas não se limitava a teorizar sobre o tema. Exerceu cargos executivos em serviços federais de alimentação e trabalhou na FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação).
Exerceu por duas vezes o mandato de deputado federal por Pernambuco. Com o golpe de 1964 teve seus direitos políticos cassados e foi destituído do cargo de representante do Brasil em organismos internacionais ligados à ONU. Passou a morar em Paris, foi convidado para trabalhar em várias organizações, mas isso não atenuou o abalo emocional representado pelo exílio, que pode ter contribuído para sua morte em 1973.
Aparentemente, as idéias de Josué de Castro foram ultrapassadas pelo tempo. A geografia já não condiciona de forma tão estrita o consumo alimentar, dado o crescente comércio de produtos alimentícios e a homogeneização de hábitos alimentares em decorrência da publicidade e dos meios de comunicação: há McDonald's e Coca-Cola em todos os lugares. Por outro lado, embora persistam as desigualdades entre diferentes camadas sociais, a prevalência da desnutrição no Brasil diminuiu, como o mostrou o recente relatório da Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde, que, constituída por decreto presidencial, teve o apoio logístico da Fundação Oswaldo Cruz (Ministério da Saúde).
Seria o fim da fome no Brasil, e, quem sabe, no mundo? O dramático aumento do preço dos alimentos e o fracasso da rodada Doha mostram que não é bem assim. O colonialismo não existe mais, mas foi substituído pelo protecionismo agrícola dos países ricos, que em 2007 deram US$ 320 bilhões a seus agricultores para evitar que bloqueassem as cidade com tratores. No ano passado os preços dos alimentos básicos subiram até 70%. A ajuda aos países mais pobres, meros 0,7% do PNB dos ricos, só tem diminuído. Ou seja, há uma nova geografia da fome, e ela espera por seu Josué de Castro.
3 comentários:
Pelo que sei, Josué de Castro, filho de Manoel Apolônio de Josepha de Castro, nasceu em Cabaceiras PB.
A não ser que exita outro como o mesmo nome.
antoniobarkokebas@hotmil.com
Saudações.
Gente, venho aqui retificar um erro de minha pessoa, cometido em 12 de janeiro de 2012, Josué de Castro, nasceu no Recife PE.
Efetivamente Antônio, Josué de Castro nasceu em Recife no dia 5 de setembro de 1908.
Abraço de Fernando
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