Peter Moon
Mas recessões e guerras são eventos independentes de uma pandemia.
Época
O vírus da gripe suína surgiu num momento auspicioso – para o vírus, é claro. O agente causador da pandemia iniciou seu assalto à humanidade em abril, no México. Seis meses antes, a quebra do banco americano Lehman Brothers aprofundou a maior crise econômica em 80 anos. Se o mundo não estivesse em recessão, talvez o surto de gripe não tivesse virado pandemia, diz o psiquiatra alemão Wolfgang Sperling, na revista Medical Hypothesis. Sperling culpa os novos meios de comunicação. A rapidez com que a imprensa noticiou a falência do Lehman e o surto no México gerou ondas globais de pânico, só comparáveis à alegria gerada pelos primeiros sinais de retomada. Esse fenômeno faz a população oscilar entre a euforia e a depressão. “Se a humanidade fosse um paciente, ela seria bipolar.” A entrevista é de Peter Moon.
Como o senhor vê a reação global à quebra do banco Lehman Brothers, em setembro de 2008?
O que houve foi um efeito dominó. A quebra do Lehman Brothers desencadeou uma reação em cadeia global de pânico nos mercados financeiros, levando à quebra de outros bancos, e assim por diante. Tudo se deu muito rápido. Em questão de minutos, a onda de pânico deu a volta ao mundo, atingindo praticamente todas as pessoas com conexão à internet. Quando se analisa aquela reação em cadeia global, percebe-se que as novas mídias tiveram papel crucial na crise. O Lehman Brothers foi apenas a primeira pedra. A culpa da crise é dos meios de comunicação.
O senhor diz que a pandemia é uma consequência da crise. Como assim?
Eu enxergo a pandemia como um efeito indireto da crise global. O novo vírus influenza A(H1N1) surgiu no México, em abril. Apesar de não ser mais perigoso que o vírus da gripe comum, o H1N1 deu origem a uma pandemia. O que explica a eclosão da pandemia é a existência de uma conexão entre o surgimento do H1N1 e a crise mundial. Essa conexão são os meios de comunicação.
É uma hipótese muito ousada.
Não, não é. Há precedentes. Esta não é a primeira vez que uma pandemia sucede a uma crise econômica. Quem se lembra da síndrome respiratória aguda grave (Sars, de suas iniciais em inglês), uma forma letal de resfriado que matou 800 pessoas na China e no Canadá, em 2003? A Sars foi a primeira pandemia do século XXI. Ela ocorreu após o estouro da bolha da internet, em 2000, e os ataques de 11 de setembro de 2001. Hoje, temos a gripe suína.
Mas qual é o papel dos meios de comunicação nessa história?
Eu não conseguia entender como podíamos ter duas pandemias num espaço tão curto de tempo. A resposta veio quando analisei os aspectos econômicos e tecnológicos da questão. No mundo globalizado, as pessoas viajam de um continente para outro em menos de um dia. Elas estão conectadas 24 horas por dia. As condições estavam dadas para que os meios de comunicação pudessem incendiar o planeta com a notícia da quebra do Lehman. Fizeram o mesmo com o H1N1. Não importa o lugar, Alemanha, Brasil ou Fiji, todos sabem o que é a gripe suína. Há cem anos, ninguém saberia.
Ainda não está clara qual seria a conexão entre a crise e a pandemia.
A primeira vez que uma crise mundial e uma pandemia ocorreram em sucessão não foi em 2009, com o H1N1, nem em 2003, com a Sars. Foi no fim da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), o pior conflito que a humanidade viveu até então. A Grande Guerra foi o primeiro evento global, que conectou todo o planeta. Em 1918, após quatro anos de conflito e 10 milhões de mortos, as pessoas estavam cansadas, famintas, sem esperança. Os milhões de soldados nas trincheiras da Europa tinham vindo de todos os cantos do mundo e não queriam mais lutar. Não viam sentido no conflito. Foi quando eclodiu a Gripe Espanhola de 1918. Ela deu a volta ao mundo em seis semanas, mas a população só soube disso muito depois. A diferença entre 1918 e 2009 é que hoje, graças às telecomunicações, nossa sociedade é transparente. Sabemos o que ocorre do outro lado do mundo em tempo real. A crise bancária foi um produto dessa sociedade transparente.
O crash da Bolsa de Nova York, em 1929, não antecedeu a uma pandemia?
É, mas o crash de 1929 talvez tenha sido mais localizado. Não foi uma crise global que contaminou todos os mercados financeiros, pois eles não eram interligados como hoje. Em tempos de globalização, se um banco alemão tem problemas de caixa, isso pode refletir imediatamente em bancos no Brasil. Não foi assim em 1929. Por isso, aquela crise não pode ser comparada à de hoje.
Mas recessões e guerras são eventos independentes de uma pandemia.
Não, não são. Graças às telecomunicações, todo o mundo sabe tudo o que acontece o tempo todo. Esse bombardeio de informações cria sentimentos de euforia e de depressão. Na medicina, um paciente que alterna estados de euforia e depressão sofre de síndrome bipolar. Emoções semelhantes estão por trás dos movimentos de alta e baixa do mercado acionário. Não é novidade. Em 1996, Alan Greenspan, o então presidente do Federal Reserve (o banco central americano), alertava para o risco do que chamou de “exuberância irracional dos mercados”. Era o período de euforia da bolha da internet. Quando ela estourou, em 2000, a euforia deu lugar à depressão. É o que vemos hoje. O incrível é que o sentimento de depressão que se alastrou pelo mundo há um ano já está sumindo. As Bolsas voltaram a subir – sem razão aparente alguma. É o mesmo processo. Ninguém pode detê-lo. O mesmo se dá com a pandemia. Não se pode contê-la. Essa é a conexão entre dois eventos muito diferentes, um na esfera econômica, o outro na esfera da saúde. A humanidade sofre de síndrome bipolar global.
Síndrome bipolar global (SBG)?!?
A síndrome bipolar é a alternância brusca entre dois sentimentos muito diferentes que causam ansiedade. De um lado, temos as emoções ligadas ao estado de depressão. De outro, aquelas ligadas ao estado de euforia, o que chamamos de manias. Para mim, a humanidade começa a manifestar claramente momentos de alternância emocional entre a euforia e a depressão.
A humanidade está doente?
A psicose bipolar é uma forma de doença psiquiátrica. Se olharmos os acontecimentos dos últimos anos, veremos que a SBG é o fator definidor de tudo o que vem acontecendo no mundo – não só na órbita da economia. Esse fenômeno faz parte das transformações causadas na sociedade pelo advento dos novos meios de comunicação.
Quais são os sintomas da SBG?
Os principais sintomas são uma ansiedade incontrolável e a dificuldade de reagir de modo adequado aos problemas. No limite, os sintomas se assemelham aos de um paciente com síndrome do pânico. Quem sofre de pânico escolhe fugir dos problemas, deixar tudo para trás. Jamais enfrenta a situação que causa o pânico para buscar uma solução. Na SBG acontece o mesmo. Quando um banco quebra, todos saem correndo.
Então, a SBG seria a conexão entre a crise global e a pandemia?
Sim, mas de forma indireta. O sentimento global de depressão age como um facilitador para o advento da pandemia. Há uma relação clara entre os humores da economia e a saúde pública. Vivemos numa sociedade de consumo, materialista. Todos sabemos como a falta de dinheiro pode fazer mal à saúde. Ela atrapalha nossos relacionamentos, causa tensão, ansiedade e insônia. Está provado que o aumento dos níveis de estresse está relacionado a uma redução na capacidade de defesa do sistema imune. Logo, é razoável supor que uma crise econômica mundial afete o sistema imune de centenas de milhões de pessoas. E é quando a humanidade está com a saúde fragilizada que eclodem as pandemias.
Há cura para a SBG?
Precisamos criar alguma forma de terapia global. Por analogia, há vários meios para tratar um paciente com pânico. Usam-se remédios com a função de acalmá-lo. Não por acaso, acalmar os mercados é a prescrição usada pelas autoridades para deter o efeito manada nos momentos de pânico. O mesmo se aplica aos meios de comunicação. Acalmar a mídia significa dizer: “Não reajam tão rápido, alardeando o mundo de que há uma nova crise. Esperem!”.
Isso é censura.
Se quisermos interromper esse comportamento irracional coletivo, será preciso agir com despotismo. Esse é o problema que devemos enfrentar.
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