Débora Prado
Carta Maior
Em passagem pelo Brasil, o engenheiro agrônomo francês Marcel Mazoyer alertou que a falta de alimentos para grande parte da população é fruto de um processo histórico de desenvolvimento agrícola desigual e não pode ser resolvida com o simples aumento da produção, mas requer uma modificação estrutural no campo, que passa pela reforma agrária. Para ele, a morte pela fome é hoje um verdadeiro genocídio de autoria coletiva e a parcela da população global que tem menos acesso aos alimentos é justamente a dos camponeses.
A crise alimentar é fruto do desenvolvimento desigual da produção agrícola nas últimas décadas e se agravou de tal forma que, atualmente, a morte de milhares pela fome se tornou um verdadeiro genocídio de autoria coletiva. A avaliação é do engenheiro agrônomo Marcel Mazoyer, que considera este um dos principais problemas do século XXI e afirma que, sem sua superação, o capitalismo seguirá em crise. Professor emérito do Instituto Nacional Agronômico Paris-Grignon, o intelectual está no Brasil para uma série de debates sobre agricultura e segurança alimentar e lançou em São Paulo, no dia 30 de junho, o livro História das Agriculturas no Mundo: do Neolítico à Crise Contemporânea, uma co-autoria com Laurence Roudart.
Para ele, a enorme distorção existente no sistema agrícola e alimentar mundial está na base das desigualdades de renda e de desenvolvimento entre os países. Este quadro agrícola, por sua vez, é uma herança histórica e é uma ilusão pensar que somente o excedente produtivo poderá resolver o problema de falta de alimentos para grande parte da população mundial. “Isso não é uma fatalidade do aumento demográfico ou natural, tem raízes econômicas e, portanto, também de vontade política”, analisa.
Em seu estudo, ele constatou que, na segunda metade do século XX, a população mundial cresceu de tal forma que foi multiplicada por 2,4, enquanto a produção agrícola foi multiplicada por 2,6. Esse aumento produtivo, entretanto, se deu em um sistema agrícola e alimentar mundial composto por subsistemas regionais concorrentes e muito desiguais na eficiência. Com isso, atualmente, um número reduzido de propriedades acumula mais capitais, concentra os cultivos e as criações mais produtivas, conquistando novas partes do mercado. Por outro lado, regiões muito extensas e a maioria dos camponeses do mundo mergulham na exclusão.
Segundo o professor, as estatísticas são representativas. Existem hoje aproximadamente 6,8 bilhões pessoas no mundo. De acordo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO, na sigla em inglês), com base em dados coletados entre 2004 e 2006, cerca de três bilhões de pessoas são privadas de alimentos no mundo, dois bilhões sofrem de má nutrição, 872 milhões passam fome na maior parte do ano e nove milhões efetivamente morrem por inanição a cada ano. “A grande maioria destes pobres, mal nutridos, subalimentados e que morrem são camponeses e agricultores familiares. Desde que começaram as campanhas de combate à fome, o número de famintos só aumentou e o único fator de redução neste número de famintos é a alta da mortalidade por fome. Isto é uma tragédia”, alerta o professor.
Ele explica que no cerne dessa desigualdade está a diferença de produtividade entre os que têm acesso a tratores e instrumentos e os não têm. As pesquisas da FAO indicam que a população agrícola total é de 2,7 bilhões de pessoas, sendo que a população agrícola ativa é de 1,34 bilhão. Por outro lado, existem cerca de 28 milhões de tratores e 250 milhões de animais de tração empregados na produção, o que representa que cerca de um bilhão de camponeses e agricultores familiares trabalham unicamente com equipamentos manuais. Além disso, cerca de 500 milhões de pequenos produtores não utilizam sementes comerciais, nem adubos ou agrotóxicos e uma parcela de 200 a 300 milhões dispõem apenas de uma fração de um hectare de terra, indicando o déficit de reforma agrária.
Neste cenário, as estimativas indicam que a cada ano cerca de 30 a 40 milhões de pobres são condenados ao êxodo e vão para as cidades, onde reforçam um quadro de desemprego estrutural e baixos salários. “A pobreza e a fome estão massivamente concentradas no campo, lá elas nascem e se reproduzem, sendo transferidas para favelas e campos de refugiados pelo êxodo”, concluí o professor. Com isso, uma das principais consequências da revolução agrícola na produtividade é o aumento desta em um processo complexo que se traduz em baixos salários, desigualdade e uma tendência internacional da queda nos preços dos cereais.
Impactos diferentes e perversos
A tendência de redução no patamar de preços traz consequências diferentes para os atores do cenário agrícola. Em termos gerais, gera um freio nos investimentos, redução da produção e estoques e, no bojo da especulação financeira, explosões periódicas e passageiras dos preços. “O capital financeiro se apropria das terras disponíveis, impõe baixos salários e trava a agricultura familiar em todo o mundo”, alerta o professor.
Mazayer explica que este cenário mais amplo causa um quadro de abrandamento nos investimentos, associado ao êxodo, com uma população agrícola inferior a 5% e o desemprego superior a 10% nos países desenvolvidos. Nos países agrícolas pobres, por sua vez, promove um bloqueio no desenvolvimento da agricultura camponesa e familiar, o empobrecimento geral, a subalimentação, que conduzem centenas de milhões de camponeses à ruína, ao êxodo, ao desemprego, à extrema pobreza e aos movimentos migratórios. O impacto desta combinação na economia mundial é a insuficiência do poder aquisitivo de milhares, combinada ao excesso de poupança e de capital financeiro, especulações, bolhas e crises financeiras.
“Atualmente, o mercado equilibra a oferta e demanda daqueles que podem pagar e não a oferta e a necessidade. Esta lógica pode servir quando se fala de automóveis, por exemplo, mas não quando a questão é a falta de alimentos”, provoca. Para alterar esta lógica, é necessário, segundo Mazoyer, haver a adoção de políticas de pleno emprego, o Estado deve promover reformas, redistribuição de salários, a ampliação do poder aquisitivo no campo para frear o êxodo e combater o desemprego estrutural e a pressão sobre os salários. “É preciso que haja uma reforma agrária promovida de forma civilizada e endossada pela comunidade internacional e o G-20 poderia impulsionar isto”, complementa o intelectual.
A crise alimentar é fruto do desenvolvimento desigual da produção agrícola nas últimas décadas e se agravou de tal forma que, atualmente, a morte de milhares pela fome se tornou um verdadeiro genocídio de autoria coletiva. A avaliação é do engenheiro agrônomo Marcel Mazoyer, que considera este um dos principais problemas do século XXI e afirma que, sem sua superação, o capitalismo seguirá em crise. Professor emérito do Instituto Nacional Agronômico Paris-Grignon, o intelectual está no Brasil para uma série de debates sobre agricultura e segurança alimentar e lançou em São Paulo, no dia 30 de junho, o livro História das Agriculturas no Mundo: do Neolítico à Crise Contemporânea, uma co-autoria com Laurence Roudart.
Para ele, a enorme distorção existente no sistema agrícola e alimentar mundial está na base das desigualdades de renda e de desenvolvimento entre os países. Este quadro agrícola, por sua vez, é uma herança histórica e é uma ilusão pensar que somente o excedente produtivo poderá resolver o problema de falta de alimentos para grande parte da população mundial. “Isso não é uma fatalidade do aumento demográfico ou natural, tem raízes econômicas e, portanto, também de vontade política”, analisa.
Em seu estudo, ele constatou que, na segunda metade do século XX, a população mundial cresceu de tal forma que foi multiplicada por 2,4, enquanto a produção agrícola foi multiplicada por 2,6. Esse aumento produtivo, entretanto, se deu em um sistema agrícola e alimentar mundial composto por subsistemas regionais concorrentes e muito desiguais na eficiência. Com isso, atualmente, um número reduzido de propriedades acumula mais capitais, concentra os cultivos e as criações mais produtivas, conquistando novas partes do mercado. Por outro lado, regiões muito extensas e a maioria dos camponeses do mundo mergulham na exclusão.
Segundo o professor, as estatísticas são representativas. Existem hoje aproximadamente 6,8 bilhões pessoas no mundo. De acordo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO, na sigla em inglês), com base em dados coletados entre 2004 e 2006, cerca de três bilhões de pessoas são privadas de alimentos no mundo, dois bilhões sofrem de má nutrição, 872 milhões passam fome na maior parte do ano e nove milhões efetivamente morrem por inanição a cada ano. “A grande maioria destes pobres, mal nutridos, subalimentados e que morrem são camponeses e agricultores familiares. Desde que começaram as campanhas de combate à fome, o número de famintos só aumentou e o único fator de redução neste número de famintos é a alta da mortalidade por fome. Isto é uma tragédia”, alerta o professor.
Ele explica que no cerne dessa desigualdade está a diferença de produtividade entre os que têm acesso a tratores e instrumentos e os não têm. As pesquisas da FAO indicam que a população agrícola total é de 2,7 bilhões de pessoas, sendo que a população agrícola ativa é de 1,34 bilhão. Por outro lado, existem cerca de 28 milhões de tratores e 250 milhões de animais de tração empregados na produção, o que representa que cerca de um bilhão de camponeses e agricultores familiares trabalham unicamente com equipamentos manuais. Além disso, cerca de 500 milhões de pequenos produtores não utilizam sementes comerciais, nem adubos ou agrotóxicos e uma parcela de 200 a 300 milhões dispõem apenas de uma fração de um hectare de terra, indicando o déficit de reforma agrária.
Neste cenário, as estimativas indicam que a cada ano cerca de 30 a 40 milhões de pobres são condenados ao êxodo e vão para as cidades, onde reforçam um quadro de desemprego estrutural e baixos salários. “A pobreza e a fome estão massivamente concentradas no campo, lá elas nascem e se reproduzem, sendo transferidas para favelas e campos de refugiados pelo êxodo”, concluí o professor. Com isso, uma das principais consequências da revolução agrícola na produtividade é o aumento desta em um processo complexo que se traduz em baixos salários, desigualdade e uma tendência internacional da queda nos preços dos cereais.
Impactos diferentes e perversos
A tendência de redução no patamar de preços traz consequências diferentes para os atores do cenário agrícola. Em termos gerais, gera um freio nos investimentos, redução da produção e estoques e, no bojo da especulação financeira, explosões periódicas e passageiras dos preços. “O capital financeiro se apropria das terras disponíveis, impõe baixos salários e trava a agricultura familiar em todo o mundo”, alerta o professor.
Mazayer explica que este cenário mais amplo causa um quadro de abrandamento nos investimentos, associado ao êxodo, com uma população agrícola inferior a 5% e o desemprego superior a 10% nos países desenvolvidos. Nos países agrícolas pobres, por sua vez, promove um bloqueio no desenvolvimento da agricultura camponesa e familiar, o empobrecimento geral, a subalimentação, que conduzem centenas de milhões de camponeses à ruína, ao êxodo, ao desemprego, à extrema pobreza e aos movimentos migratórios. O impacto desta combinação na economia mundial é a insuficiência do poder aquisitivo de milhares, combinada ao excesso de poupança e de capital financeiro, especulações, bolhas e crises financeiras.
“Atualmente, o mercado equilibra a oferta e demanda daqueles que podem pagar e não a oferta e a necessidade. Esta lógica pode servir quando se fala de automóveis, por exemplo, mas não quando a questão é a falta de alimentos”, provoca. Para alterar esta lógica, é necessário, segundo Mazoyer, haver a adoção de políticas de pleno emprego, o Estado deve promover reformas, redistribuição de salários, a ampliação do poder aquisitivo no campo para frear o êxodo e combater o desemprego estrutural e a pressão sobre os salários. “É preciso que haja uma reforma agrária promovida de forma civilizada e endossada pela comunidade internacional e o G-20 poderia impulsionar isto”, complementa o intelectual.
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