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“Filho e neto de camponeses, José Saramago nasceu na aldeia de Azinhaga, província do Ribatejo, no dia 16 de Novembro de 1922, se bem que o registo oficial mencione como data de nascimento o dia 18”, assim começa a sua biografia inscrita no site da Fundação que tem o seu nome. Os pais do futuro Prémio Nobel emigraram para Lisboa antes que ele fizesse dois anos.
Fez estudos secundários (liceais e técnicos) que, por dificuldades económicas, não pôde prosseguir. Publicou o seu primeiro livro, um romance, “Terra do Pecado”, em 1947. Trabalhou durante doze anos numa editora, onde exerceu funções de direcção literária e de produção. Colaborou como crítico literário na revista Seara Nova. Em 1972 e 1973 fez parte da redacção do jornal Diário de Lisboa, onde foi comentador político, tendo também coordenado, durante cerca de um ano, o suplemento cultural daquele vespertino.
Entre Abril e Novembro de 1975 foi director-adjunto do jornal Diário de Notícias. A partir de 1976 passou a viver exclusivamente do seu trabalho literário, primeiro como tradutor, depois como autor. Em Fevereiro de 1993 decidiu repartir o seu tempo entre a sua residência habitual em Lisboa e a ilha de Lanzarote, no arquipélago das Canárias (Espanha).
Três décadas depois de publicado Terra do Pecado, Saramago regressou ao mundo da prosa ficcional com “Manual de Pintura e Caligrafia”. Publicaria depois “Levantado do Chão” (1980), no qual retrata a vida de privações da população pobre do Alentejo. Dois anos depois surgiu “Memorial do Convento”, livro que conquistou definitivamente a atenção de leitores e críticos.
De 1980 a 1991, o autor publicou mais quatro romances “O Ano da Morte de Ricardo Reis” (1984), “A Jangada de Pedra” (1986), “História do Cerco de Lisboa” (1989), e “O Evangelho Segundo Jesus Cristo” (1991). Nos anos seguintes, publicou mais seis romances: “Ensaio Sobre a Cegueira” (1995); “Todos os Nomes” (1997); “A Caverna” (2001); “O Homem Duplicado” (2002); “Ensaio Sobre a Lucidez” (2004); e “As Intermitências da Morte” (2005). Os últimos romances publicados foram “A Viagem do Elefante”, 2008, “Caim”, 2009.
Foi galardoado com o Nobel de Literatura de 1998. Também ganhou o Prémio Camões, o mais importante prémio literário da língua portuguesa. Era casado com Pilar del Río. Em 1990, estreou no Teatro Alla Scalla de Milão a ópera Blimunda, com libreto do músico italiano Azio Corghi, baseado no romance “Memorial do Convento”.
A polémica com a Igreja Católica e o veto do PSD
Saramago encontrou sempre fortes críticas e oposição na Igreja Católica, ainda que o escritor tenha sempre agido usufruindo, como referia, dos seus direitos de liberdade religiosa e de liberdade de expressão. A relação de tensão com a Igreja Católica agravou-se devido à origem portuguesa de Saramago, país onde o catolicismo ainda é muito forte e discuti-lo ainda é um tabu.
Devido à sua origem portuguesa e toda a influência cultural exercida pelo catolicismo em tal contexto, Saramago sentiu a necessidade de abordar a Bíblia no seu trabalho de escritor, uma vez que este texto faz parte do seu património cultural, ao contrário, por exemplo, do Alcorão, que Saramago entendeu não ser sua tarefa abordá-lo.
Saramago interpreta a Bíblia como um "manual de maus costumes", referindo-se a ela como "um catálogo de crueldade e do pior da natureza humana". Disse mesmo que para uma pessoa comum a decifrar, esta precisaria de ter "um teólogo ao lado".
O lançamento do livro "O Evangelho Segundo Jesus Cristo", em 1991, foi bastante polémico. O longo processo de recepção da obra, do ponto de vista político-religioso, culminou com a sua saída definitiva de Portugal, para Espanha.
Em 1991, Sousa Lara, o Sub-Secretário de Estado adjunto social-democrata da Cultura, vetou o livro do escritor, “O Evangelho segundo Jesus Cristo”, de uma lista de romances portugueses candidatos ao Prémio Literário Europeu. Saramago entendeu o acto como “censório”. Na altura, devido a estes acontecimentos desproporcionados, Saramago chegou até mesmo a propor dois novos direitos à Declaração Universal dos Direitos Humanos: o direito à dissidência e à heresia.
O lançamento de “Caim” em 2009, mesmo em pleno século XXI, despertou polémicas antigas e agravou consideravelmente a sua (não)relação com a Igreja Católica. O eurodeputado do PSD Mário David, por exemplo, falando em nome pessoal e assumindo-se católico não-praticante, disse ter vergonha de ser compatriota do escritor, escrevendo isso no seu blogue e repetindo depois nos meios de comunicação, que “Saramago devia renunciar à nacionalidade portuguesa” - tudo a propósito de “Caim” (apesar de tais declarações, o escritor esclareceu que jamais pensou em abandonar a cidadania portuguesa).
A actividade política
A militância no Partido Comunista Português, iniciada em 1969, é uma marca significativa da actuação política de José Saramago, com desempenho particularmente visível e crítico no período de 1974-1975. No entanto, muito antes da adesão ao PCP, o escritor manifestara já oposição à ditadura de Salazar, tendo sofrido represálias do regime fascista.
Nos anos de 1948-49, Saramago associa-se à candidatura do general Norton de Matos a Presidente da República, em oposição ao candidato do regime, o também general Óscar Carmona. O corajoso acto custou-lhe o emprego na Caixa de Abono de Família da Indústria da Cerâmica.
Já depois da Revolução de Abril e aquando do golpe militar do 25 de Novembro, derradeiro no processo de contra-revolução que ia crescendo, José Saramago foi afastado do jornal Diário de Notícias, e sentiu-se ostracizado, inclusivamente pelo PCP, conforme disse em entrevista ao Público (2006): “Claro que o meu partido não teve a gentileza de me convidar para ir para a redacção de O Diário, como fez a todos os que saíram do Diário de Notícias. Na altura não gostei nada. Hoje continuo a não gostar, mas agradeço”.
Ao ficar desempregado novamente após o 25 de Novembro, decide não procurar outro trabalho e dedicar-se exclusivamente à escrita e à tradução. Os seus únicos rendimentos provinham das traduções, tendo intensifiado esta actividade a partir deste ano, vertendo para português, entre 1976 e 1979, cerca de vinte e sete obras, muitas delas de carácter político: Frémontier, Jivkov, Moskovichov, Pramov, Grisnoni, Poulantzas, Bayer, Hegel, Romain, etc.
No final da década de 80, antes do XII Congresso do PCP, entre outros escritores e intelectuais como Urbano Tavares Rodrigues, Baptista-Bastos ou Mário de Carvalho, Saramago subscreveu o documento que ficou conhecido como “Terceira Via”, no qual se alertava para a necessidade de mudanças. O documento foi subscrito por um grupo heterogéneo, alguns reclamavam por mais democracia interna e abertura, outros por transformações ideológicas estruturantes.
Durante o ano de 1990, José Saramago foi presidente da Assembleia Municipal de Lisboa (AML), quando Jorge Sampaio foi presidente da Câmara de Lisboa, numa coligação entre PCP e PS. O mandato durou pouco mais do que um mês, tendo-se demitido em Março daquele ano.
João Marques Lopes, escreve em “José Saramago- Biografia” (2010), que após a experiência na AML, o escritor “conservar-se-ia como um militante que deixa utilizar o seu enorme prestígio simbólico como capital político do PCP em acções pontuais”. Acrescenta ainda, “sempre se manifestou (…) contra qualquer fragmentação do PCP”. “Portanto, em toda a sua trajectória de militante do PCP transpareceu a marca da unidade e da diferença, da continuidade e da mudança, da aversão aos trânsfugas de direita e da indisponibilidade para os fenómenos de recomposição anti-capitalista à esquerda dos antigos partidos comunistas”.
Em 2003, Saramago fez declarações desaprovando inequivocamente o fuzilamento de três dissidentes cubanos, que o levaram a assumir uma postura mais distanciada em relação ao regime castrista - “Cuba não ganhou nenhuma heróica batalha ao fuzilar estes três homens, perdeu sim a minha confiança, destruiu as minhas esperanças (...)”. Também era conhecido o seu apoio solidário à causa Palestina e repúdio explícito pela acção política-militar de Israel.
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