Ezra Klein
Washington Post
Você acredita que o perigo representado pelo déficit no longo prazo está sendo superestimado pela maioria dos economistas e jornalistas econômicos?
Não. O que eu acredito é que o perigo é zero e não que esteja sendo superestimado. Essa questão está muito mal posta.
Por que?
Qual é a natureza do perigo? A única resposta possível é que este déficit maior possa causar um aumento das taxas de juro. Bem, se os mercados achassem que isso representa um risco sério, as taxas de juro sobre os bônus do Tesouro a 20 anos não seriam de 4% e começariam a mudar agora mesmo. Se os mercados pensassem que as taxas de juro sofrem pressões por problemas de financiamento daqui a dez anos, isso se refletiria já em um aumento dos juros para os bônus de 20 anos. O que tem ocorrido, ao invés disso, é que os juros têm baixado em conseqüência da crise européia.
Assim, há duas possibilidades. Uma é que a teoria está equivocada. A outra é que o mercado é irracional. E se o mercado é irracional, não faz sentido desenhar uma política para adequar-se aos mercados, porque não cabe adequar-se a uma entidade irracional.
Mas por que a maioria de seus colegas está tão preocupada com isso então?
Aprofundemos um pouco os prognósticos do Escritório Orçamentário do Congresso. Trata-se de um conjunto de projeções. Uma delas é que a economia voltará a níveis normais de elevado emprego com baixa inflação nos próximos dez anos. Se é verdade, seriam notícias muito boas. Algumas linhas abaixo, vemos que também prevêem taxas de juro de curto prazo em alta até 5%.
O que gera esses prognósticos de enormes déficits futuros é esta combinação entre taxas de juro altas no curto prazo e inflação baixa. E esses prognósticos se baseiam na suposição de que os custos da assistência de saúde crescerão para sempre a uma taxa maior do que qualquer outra coisa, e também na suposição de que os juros de devolução da dívida representarão algo entre 21 e 25% do PIB.
Neste ponto, a coisa se torna completamente incoerente. Não se pode passar cheques para todo o mundo sem que o dinheiro entre na economia e aumente o emprego e a inflação. E se isso ocorre, então a proporção da dívida em relação ao PIB tem de decrescer, porque a inflação afeta o volume de nossa dívida. Todas essas cifras hão de se agrupar numa história coerente, e os prognósticos do Gabinete Orçamentário do Congresso não a oferece, de maneira que qualquer coisa que se diga, baseada neles é, falando estritamente, sem sentido.
Não poderia haver um meio termo entre o levantamento do Gabinete Orçamentário do Congresso e a idéia de que a dívida não representa problema algum? Parece claro, por exemplo, que os custos da assistência em saúde seguirão crescendo mais rapidamente que os outros setores da economia.
Não. Não é razoável. A proporção dos custos da assistência em saúde em relação ao PIB e a inflação cresceriam até que a taxa de inflação se aproximasse da assistência em saúde. E se a assistência em saúde se tornar tão cara terminemos pagando 20% do PIB, enquanto outros pagam 12%, poderíamos comprar Paris e todos os seus médicos e trasladar nossos idosos para lá.
Mas deixando de lado a inflação, por acaso o hiato entre receitas e despesas não teria outros efeitos perversos?
O fato de que não tenhamos financiado previamente nosso orçamento militar trouxe consigo alguma consequência terrível? Não. Há uma só autoridade orçamentária e creditícia, e a única coisa que importa é o que esta autoridade paga. Suponha que eu seja o governo federal e queira pagar a você, Ezra Klein, um bilhão de dólares para construir um porta-aviões. O que faço é transferir dinheiro para sua conta bancária. O Banco Central preocupar-se-á com isso? Terá que se preocupar com o IRS [Internal Revenue Service, a Receita Federal dos EUA]? Para gastar, o governo não precisa de dinheiro: isso é tão óbvio como que uma pista de boliche não descarrilha.
O que preocupa as pessoas é que o governo federal não seja capaz de vender títulos da dívida. Mas o governo federal não pode nunca ter problemas para vender sua dívida. Ao contrário. O gasto público é o que cria demanda bancária de títulos da dívida, porque os bancos querem rendimentos maiores para o dinheiro que o governo põe na economia. Meu pai dizia que o processo é tão sutil que a mente se bloqueia perante sua simplicidade.
Que implicações políticas isso tem?
Que deveríamos nos focar nos problemas reais e não nos fictícios. Temos problemas graves. O desemprego está em 10%. Muito melhor seria se nos dispuséssemos à tarefa de desenvolver políticas de emprego. E podemos fazê-lo, imediatamente. Temos uma crise energética e uma crise climática urgentes. Deveríamos nos dedicar durante toda uma geração a enfrentar esses problemas de um modo que nos permita reconstruir paulatinamente o nosso país. Do ponto de vista fiscal, o que há que se fazer é inverter a carga tributária, que atualmente é sustentada pelos trabalhadores. Desde o começo da crise eu venho defendendo uma isenção fiscal temporária, de modo que todos experimentem um incremento em suas rendas líquidas e possam encurtar suas hipotecas seria uma coisa boa. Também há que se incentivar aos ricos para que reciclem seu dinheiro, e por isso estou a favor de um imposto sobre os bens imóveis, um imposto que tradicionalmente tem beneficiado enormemente as nossas maiores universidades e a organizações filantrópicas sem fins lucrativos. Essa é uma diferença entre a Europa e nós.
Bem, creio que isso responde a minhas perguntas.
Mas eu ainda tenho mais uma resposta! Desde 1970 com que frequência o governo deixou de incorrer em déficit? Em seis curtos períodos, todos seguidos de recessão. Por que? Porque o governo necessita do déficit; é a única maneira de injetar recursos financeiros na economia. Se não se incorre em déficit, o que se faz é esvaziar os bolsos do setor privado. No mês passado estive num congresso em Cambridge em que o diretor executivo do FMI disse ser contrário aos déficits e partidário do arrocho fiscal: mas ambas são a mesma coisa! O déficit público significa mais dinheiro nos bolsos privados.
A forma como agora se sugere o corte de gastos sem retrair a atividade econômica é completamente falaciosa. Agora mesmo isso é desolador na Europa. Exige-se dos gregos que cortem 10% do gasto em poucos anos. E se supõe que isso não afetará o PIB. Evidentemente que o fará! De tal maneira que não disporão de receitas fiscais necessárias para financiar sequer o nível mais baixo de gasto. Ontem obrigou-se a Espanha a fazer o mesmo. A zona do euro está num despenhadeiro.
Por outro lado, olhe para o Japão. O país teve déficits enormes ininterruptos desde o crash de 1988. Qual foi a taxa de juros da dívida pública japonesa desde então? Zero! Não tiveram o menor problema em financiar-se. O melhor ativo que se pode possuir no Japão é o dinheiro a vista, porque o nível dos preços cai. Te dá um rendimento de 4%. A idéia de que as dificuldades de financiamento se originam nos déficits é um argumento sustentado numa metáfora muito potente, mas não nos fatos, não na teoria e não na experiência cotidiana.
Washington Post
Um dos principais economistas de nosso tempo destrói sem contemplações o mito do déficit público e zomba da incompetência de seus colegas. Ezra Klein entrevistou James Galbraith para o jornal Washington Post. Reproduzimos a entrevista abaixo.
Você acredita que o perigo representado pelo déficit no longo prazo está sendo superestimado pela maioria dos economistas e jornalistas econômicos?
Não. O que eu acredito é que o perigo é zero e não que esteja sendo superestimado. Essa questão está muito mal posta.
Por que?
Qual é a natureza do perigo? A única resposta possível é que este déficit maior possa causar um aumento das taxas de juro. Bem, se os mercados achassem que isso representa um risco sério, as taxas de juro sobre os bônus do Tesouro a 20 anos não seriam de 4% e começariam a mudar agora mesmo. Se os mercados pensassem que as taxas de juro sofrem pressões por problemas de financiamento daqui a dez anos, isso se refletiria já em um aumento dos juros para os bônus de 20 anos. O que tem ocorrido, ao invés disso, é que os juros têm baixado em conseqüência da crise européia.
Assim, há duas possibilidades. Uma é que a teoria está equivocada. A outra é que o mercado é irracional. E se o mercado é irracional, não faz sentido desenhar uma política para adequar-se aos mercados, porque não cabe adequar-se a uma entidade irracional.
Mas por que a maioria de seus colegas está tão preocupada com isso então?
Aprofundemos um pouco os prognósticos do Escritório Orçamentário do Congresso. Trata-se de um conjunto de projeções. Uma delas é que a economia voltará a níveis normais de elevado emprego com baixa inflação nos próximos dez anos. Se é verdade, seriam notícias muito boas. Algumas linhas abaixo, vemos que também prevêem taxas de juro de curto prazo em alta até 5%.
O que gera esses prognósticos de enormes déficits futuros é esta combinação entre taxas de juro altas no curto prazo e inflação baixa. E esses prognósticos se baseiam na suposição de que os custos da assistência de saúde crescerão para sempre a uma taxa maior do que qualquer outra coisa, e também na suposição de que os juros de devolução da dívida representarão algo entre 21 e 25% do PIB.
Neste ponto, a coisa se torna completamente incoerente. Não se pode passar cheques para todo o mundo sem que o dinheiro entre na economia e aumente o emprego e a inflação. E se isso ocorre, então a proporção da dívida em relação ao PIB tem de decrescer, porque a inflação afeta o volume de nossa dívida. Todas essas cifras hão de se agrupar numa história coerente, e os prognósticos do Gabinete Orçamentário do Congresso não a oferece, de maneira que qualquer coisa que se diga, baseada neles é, falando estritamente, sem sentido.
Não poderia haver um meio termo entre o levantamento do Gabinete Orçamentário do Congresso e a idéia de que a dívida não representa problema algum? Parece claro, por exemplo, que os custos da assistência em saúde seguirão crescendo mais rapidamente que os outros setores da economia.
Não. Não é razoável. A proporção dos custos da assistência em saúde em relação ao PIB e a inflação cresceriam até que a taxa de inflação se aproximasse da assistência em saúde. E se a assistência em saúde se tornar tão cara terminemos pagando 20% do PIB, enquanto outros pagam 12%, poderíamos comprar Paris e todos os seus médicos e trasladar nossos idosos para lá.
Mas deixando de lado a inflação, por acaso o hiato entre receitas e despesas não teria outros efeitos perversos?
O fato de que não tenhamos financiado previamente nosso orçamento militar trouxe consigo alguma consequência terrível? Não. Há uma só autoridade orçamentária e creditícia, e a única coisa que importa é o que esta autoridade paga. Suponha que eu seja o governo federal e queira pagar a você, Ezra Klein, um bilhão de dólares para construir um porta-aviões. O que faço é transferir dinheiro para sua conta bancária. O Banco Central preocupar-se-á com isso? Terá que se preocupar com o IRS [Internal Revenue Service, a Receita Federal dos EUA]? Para gastar, o governo não precisa de dinheiro: isso é tão óbvio como que uma pista de boliche não descarrilha.
O que preocupa as pessoas é que o governo federal não seja capaz de vender títulos da dívida. Mas o governo federal não pode nunca ter problemas para vender sua dívida. Ao contrário. O gasto público é o que cria demanda bancária de títulos da dívida, porque os bancos querem rendimentos maiores para o dinheiro que o governo põe na economia. Meu pai dizia que o processo é tão sutil que a mente se bloqueia perante sua simplicidade.
Que implicações políticas isso tem?
Que deveríamos nos focar nos problemas reais e não nos fictícios. Temos problemas graves. O desemprego está em 10%. Muito melhor seria se nos dispuséssemos à tarefa de desenvolver políticas de emprego. E podemos fazê-lo, imediatamente. Temos uma crise energética e uma crise climática urgentes. Deveríamos nos dedicar durante toda uma geração a enfrentar esses problemas de um modo que nos permita reconstruir paulatinamente o nosso país. Do ponto de vista fiscal, o que há que se fazer é inverter a carga tributária, que atualmente é sustentada pelos trabalhadores. Desde o começo da crise eu venho defendendo uma isenção fiscal temporária, de modo que todos experimentem um incremento em suas rendas líquidas e possam encurtar suas hipotecas seria uma coisa boa. Também há que se incentivar aos ricos para que reciclem seu dinheiro, e por isso estou a favor de um imposto sobre os bens imóveis, um imposto que tradicionalmente tem beneficiado enormemente as nossas maiores universidades e a organizações filantrópicas sem fins lucrativos. Essa é uma diferença entre a Europa e nós.
Bem, creio que isso responde a minhas perguntas.
Mas eu ainda tenho mais uma resposta! Desde 1970 com que frequência o governo deixou de incorrer em déficit? Em seis curtos períodos, todos seguidos de recessão. Por que? Porque o governo necessita do déficit; é a única maneira de injetar recursos financeiros na economia. Se não se incorre em déficit, o que se faz é esvaziar os bolsos do setor privado. No mês passado estive num congresso em Cambridge em que o diretor executivo do FMI disse ser contrário aos déficits e partidário do arrocho fiscal: mas ambas são a mesma coisa! O déficit público significa mais dinheiro nos bolsos privados.
A forma como agora se sugere o corte de gastos sem retrair a atividade econômica é completamente falaciosa. Agora mesmo isso é desolador na Europa. Exige-se dos gregos que cortem 10% do gasto em poucos anos. E se supõe que isso não afetará o PIB. Evidentemente que o fará! De tal maneira que não disporão de receitas fiscais necessárias para financiar sequer o nível mais baixo de gasto. Ontem obrigou-se a Espanha a fazer o mesmo. A zona do euro está num despenhadeiro.
Por outro lado, olhe para o Japão. O país teve déficits enormes ininterruptos desde o crash de 1988. Qual foi a taxa de juros da dívida pública japonesa desde então? Zero! Não tiveram o menor problema em financiar-se. O melhor ativo que se pode possuir no Japão é o dinheiro a vista, porque o nível dos preços cai. Te dá um rendimento de 4%. A idéia de que as dificuldades de financiamento se originam nos déficits é um argumento sustentado numa metáfora muito potente, mas não nos fatos, não na teoria e não na experiência cotidiana.
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