segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Balanço do G-20: A ação relevante está sendo preparada na equipe de Obama


Fernando Cardim de Carvalho
Carta Maior

Fechadas as janelas anteriores de oportunidade, e tendo a crise financeira contagiado, provavelmente de forma irreversível, a economia real, cabem duas indagações: em que estágio estamos? Foi a reunião do G20 neste último fim de semana uma intervenção significativa para interromper ou atenuar esse processo? A resposta parece ser não.

Como todo processo social, crises econômicas são fenômenos complexos, para cujo perfil contribuem tanto necessidades quanto contingências. Necessidades, porque o capitalismo é um sistema ordenado, onde diferentes grupos sociais exercem papéis específicos, e regras e instituições limitam as escolhas de cada um de nós. Alem disso, as oportunidades abertas e possibilidades oferecidas a cada momento são limitadas pelas heranças do passado, sob a forma de perfis determinados do estoque de capital, habilidades da força de trabalho, obrigações contratuais pré-existentes, etc. Mas também contingências são importantes, porque toda decisão econômica é orientada por expectativas a respeito de seus resultados no futuro.

Todos sabemos, porém, que o futuro é desconhecido. Se existe um livro do destino, nós não temos acesso a ele, e, portanto, ele seria irrelevante de qualquer forma. Eventos imprevistos (e imprevisíveis) podem ocorrer e mudar completamente o futuro real, distanciando-o do esperado. O futuro é incerto em um sentido fundamental e inacessível aos instrumentos usualmente utilizados de previsão estatística. Toda projeção estatística pressupõe que o futuro repetirá de alguma forma o passado. No entanto, como observou Keynes, “o inevitável nunca acontece. É o inesperado sempre.” Entre as contingências mais importantes a determinar o futuro, está a política econômica dos governos.

A maior dificuldade que se encontra ao analisar um fenômeno social, é exatamente a complexidade da interação entre necessidade e contingência na determinação da evolução de um determinado processo. Assim, teria sido possível, talvez, impedir o acúmulo de tensões que levaram à crise financeira, não tivesse sido a regulação financeira tão enfraquecida pela liberalização financeira dos anos 1980. Ou, a crise poderia ter sido contida, por exemplo, no início deste ano, tivessem as autoridades americanas percebido seu potencial de transformação em uma crise sistêmica e tivessem definido uma estratégia de combate, ao invés de socorrer instituições financeiras caso a caso (deixando de fora, naturalmente o Lehman Brothers, o que parece hoje ter sido um grave equívoco).

Fechadas as janelas anteriores de oportunidade, tendo a crise evoluído para a dimensão que assumiu em meados deste ano, cabem duas indagações: em que estágio estamos? Foi a reunião do G20 neste último fim de semana uma intervenção significativa para interromper ou atenuar seu desenvolvimento?

Em resposta à primeira indagação, neste final de 2008, o pânico financeiro parece ter sido deixado para trás, graças à maciça intervenção dos bancos centrais dos países desenvolvidos em apoio às instituições financeiras. A queda livre a que assistimos nos preços de ativos, acompanhada das constantes notícias sobre falência ou compra de instituições financeiras, parece ter dado lugar a uma maior volatilidade do valor de ativos financeiros, em torno de níveis muito menores que aqueles anteriores à eclosão da crise. A Bolsa de Nova York, em particular, passou do mergulho no abismo, para uma montanha russa absolutamente vertiginosa. Essa é boa notícia.

A má notícia é que a crise financeira contagiou, provavelmente irreversivelmente, a economia “real”. A demanda dos consumidores americanos desabou, e a sua confiança no futuro esvaiu-se, criando a expectativa de que a demanda continue a declinar aceleradamente, por causa do desaparecimento do crédito. Com o contágio do consumo, entra em operação o multiplicador keynesiano, segundo o qual, a queda do consumo de alguns leva ao desaparecimento do emprego de outros, que são forçados a reduzir o seu próprio consumo, reduzindo a demanda ainda mais, e assim por diante. O aumento do desemprego nos Estados Unidos já é também uma realidade. Um colapso do consumo, naturalmente, leva ao colapso também o investimento privado: porque aumentar a capacidade produtiva se nem a existente consegue ser ocupada?

Assim, a crise ultrapassa a fronteira do sistema financeiro, contagiando a economia real nos Estados Unidos. É apenas questão de tempo para que seus impactos sejam sentidos na economia “real” do resto do mundo, inclusive nós.

Isto nos leva à segunda indagação: a reunião dos presidentes do G 20 neste último fim de semana em Washington deve nos encher de esperança com relação à mobilização adequada dos governos para combater a crise? Infelizmente, a resposta parece ser um não. A reunião foi um monumento à banalidade, uma festa de despedida para um presidente que deixará poucas saudades e um palco para líderes que precisam dar a impressão de que estão fazendo algo pelas economias de seus países e do mundo todo. Primeiro, porque o Presidente Bush já não fala pela maior economia do mundo. Segundo, porque é duvidoso que o G 20, uma seleção relativamente arbitrária de países, aumentada por alguns “penetras”, como a Espanha e por entidades ectoplásmicas como a União Européia em adição aos países europeus, seja o fórum apropriado para este tipo de discussão de alternativas para uma crise de natureza mundial. Terceiro, porque ela começa pelo fim, pela reunião de presidentes e primeiros ministros que ninguém acredita estarem capacitados a entender por si mesmos o que está acontecendo e identificar as políticas adequadas para a solução da crise. A conferência de Bretton Woods, por exemplo, exigiu três anos de preparação e reuniu experts, não políticos. Políticos tiveram sua vez, naturalmente, nas discussões de ratificação do acordo, que levaram mais dois anos. O que saiu desta reunião? Um longo comunicado sobre coisa alguma.

Não há razão, no entanto, para uma postura excessivamente pessimista. Seria mais do que ingênuo esperar realmente alguma coisa dessa reunião alem da aparência de ação. A ação relevante está sendo preparada em outro lugar, na equipe do Presidente-eleito Obama. Se este tivesse convidado líderes para um encontro deste tipo, aí sim deveríamos estar temerosos. Que ele tenha se recusado sequer a mandar representantes pessoais ao convescote é, em si, razão para otimismo.

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