Paul Krugman
Folha
Todo mundo está falando sobre um novo New Deal, por motivos óbvios. Em 2008, como em 1932, uma longa era de domínio político republicano chegou ao fim em meio a uma crise econômica e financeira que, aos olhos dos eleitores, tanto desacreditou a ideologia de livre mercado que o Partido Republicano sempre defendeu quanto solapou as alegações de competência administrativa de seus líderes. E para as pessoas que se posicionam na banda progressista do espectro político, o momento é de esperança.
Mas existe também um segundo paralelo, mais perturbador, entre a situação de 1932 e a de 2008 a saber, o surgimento de um vácuo de poder em um momento culminante da crise. O interregno de 1932-1933, aquele longo período entre a eleição e a transferência efetiva de poder, se provou desastroso para a economia dos Estados Unidos, ao menos em parte porque o governo em fim de mandato não tinha credibilidade, o governo que assumiria não tinha autoridade. A mesma coisa está acontecendo agora.
O que pode sair de errado nos dois meses que nos separam da posse de Obama? A resposta, infelizmente, é: muita coisa. Considerem o quanto o quadro econômico se agravou no período que sucedeu a quebra do Lehman Brothers, acontecida há apenas pouco mais de dois meses. E o ritmo de deterioração parece estar se acelerando. Um indício óbvio é o fato de que estamos em meio ao pior crash nos mercados de ações desde a Grande Depressão: o índice Standard & Poor's 500 está hoje mais de 50% abaixo de seu pico. Há outros indicadores talvez até mais perturbadores: os pedidos de benefícios-desemprego estão em alta, a produção industrial está despencando, as taxas de juros nos títulos corporativos que refletem os temores de inadimplência entre os investidores estão em disparada e isso quase certamente resultará em corte acentuado nos gastos das empresas. As perspectivas econômicas parecem muito mais sombrias hoje do que era o caso uma ou duas semanas atrás.
Mas a política econômica, em lugar de tentar responder à ameaça, parece ter tirado férias. Um problema particularmente grave é que o pânico retornou aos mercados de crédito e nada está sendo feito para preparar um novo plano de resgate. Pelo contrário: o secretário do Tesouro, Henry Paulson, declarou que não pretende voltar ao Congresso para obter a segunda metade dos US$ 700 bilhões já aprovados para o resgate ao setor financeiro. E a assistência financeira ao setor automobilístico em séria crise está paralisada devido a um impasse político.
Até que ponto esses dois meses de deriva política deveriam nos preocupar? No mínimo, os próximos dois meses infligirão sérios danos a centenas de milhares de norte-americanos, que perderão seus empregos, suas casas ou ambos. O que realmente incomoda, porém, é a possibilidade de que parte do dano que está sendo causado agora venha a se provar irreversível. Estou especialmente preocupado com duas coisas: deflação e Detroit.
Quanto à deflação, a "década perdida" do Japão nos anos 90 ensinou que é muito difícil recolocar a economia em movimento quando as expectativas de inflação se tornam excessivamente baixas (não importa se as pessoas esperam ou não que os preços literalmente caiam). No entanto, a economia americana enfrenta clara pressão deflacionária. Cada mês que passa sem sinais de recuperação eleva a chance de que nos vejamos aprisionados em uma armadilha como a do Japão.
Quanto a Detroit: existe um risco verdadeiro de que, na ausência de assistência rápida, as três grandes montadoras de automóveis e sua rede de fornecedores vão à bancarrota. Caso isso aconteça, trazê-las de volta será muito difícil.
É fato que permitir a morte das montadoras de automóveis talvez seja a decisão correta, ainda que o colapso da indústria automobilística possa representar mais um duro golpe. Mas trata-se de uma decisão que deveria ser tomada com cuidado e não por inércia, devido a um impasse entre os democratas que desejam que Paulson empregue parte dos US$ 700 bilhões do pacote de resgate para essa finalidade e um governo em fim de mandato que em lugar disso está tentando forçar o Congresso a desviar fundos que bancariam um programa de promoção da eficiência energética.
A política econômica estará completamente paralisada daqui até o dia 20 de janeiro? Não, não completamente. Algumas medidas úteis estão sendo tomadas. Por exemplo, as agências de crédito hipotecário Fannie Mae e Freddie Mac suspenderam temporariamente as execuções de hipotecas. Mas não temos nada acontecendo na frente política em escala minimamente compatível com as dimensões da crise econômica. E é assustador imaginar quantas coisas mais podem acontecer de errado daqui até o dia da posse.
Folha
Todo mundo está falando sobre um novo New Deal, por motivos óbvios. Em 2008, como em 1932, uma longa era de domínio político republicano chegou ao fim em meio a uma crise econômica e financeira que, aos olhos dos eleitores, tanto desacreditou a ideologia de livre mercado que o Partido Republicano sempre defendeu quanto solapou as alegações de competência administrativa de seus líderes. E para as pessoas que se posicionam na banda progressista do espectro político, o momento é de esperança.
Mas existe também um segundo paralelo, mais perturbador, entre a situação de 1932 e a de 2008 a saber, o surgimento de um vácuo de poder em um momento culminante da crise. O interregno de 1932-1933, aquele longo período entre a eleição e a transferência efetiva de poder, se provou desastroso para a economia dos Estados Unidos, ao menos em parte porque o governo em fim de mandato não tinha credibilidade, o governo que assumiria não tinha autoridade. A mesma coisa está acontecendo agora.
O que pode sair de errado nos dois meses que nos separam da posse de Obama? A resposta, infelizmente, é: muita coisa. Considerem o quanto o quadro econômico se agravou no período que sucedeu a quebra do Lehman Brothers, acontecida há apenas pouco mais de dois meses. E o ritmo de deterioração parece estar se acelerando. Um indício óbvio é o fato de que estamos em meio ao pior crash nos mercados de ações desde a Grande Depressão: o índice Standard & Poor's 500 está hoje mais de 50% abaixo de seu pico. Há outros indicadores talvez até mais perturbadores: os pedidos de benefícios-desemprego estão em alta, a produção industrial está despencando, as taxas de juros nos títulos corporativos que refletem os temores de inadimplência entre os investidores estão em disparada e isso quase certamente resultará em corte acentuado nos gastos das empresas. As perspectivas econômicas parecem muito mais sombrias hoje do que era o caso uma ou duas semanas atrás.
Mas a política econômica, em lugar de tentar responder à ameaça, parece ter tirado férias. Um problema particularmente grave é que o pânico retornou aos mercados de crédito e nada está sendo feito para preparar um novo plano de resgate. Pelo contrário: o secretário do Tesouro, Henry Paulson, declarou que não pretende voltar ao Congresso para obter a segunda metade dos US$ 700 bilhões já aprovados para o resgate ao setor financeiro. E a assistência financeira ao setor automobilístico em séria crise está paralisada devido a um impasse político.
Até que ponto esses dois meses de deriva política deveriam nos preocupar? No mínimo, os próximos dois meses infligirão sérios danos a centenas de milhares de norte-americanos, que perderão seus empregos, suas casas ou ambos. O que realmente incomoda, porém, é a possibilidade de que parte do dano que está sendo causado agora venha a se provar irreversível. Estou especialmente preocupado com duas coisas: deflação e Detroit.
Quanto à deflação, a "década perdida" do Japão nos anos 90 ensinou que é muito difícil recolocar a economia em movimento quando as expectativas de inflação se tornam excessivamente baixas (não importa se as pessoas esperam ou não que os preços literalmente caiam). No entanto, a economia americana enfrenta clara pressão deflacionária. Cada mês que passa sem sinais de recuperação eleva a chance de que nos vejamos aprisionados em uma armadilha como a do Japão.
Quanto a Detroit: existe um risco verdadeiro de que, na ausência de assistência rápida, as três grandes montadoras de automóveis e sua rede de fornecedores vão à bancarrota. Caso isso aconteça, trazê-las de volta será muito difícil.
É fato que permitir a morte das montadoras de automóveis talvez seja a decisão correta, ainda que o colapso da indústria automobilística possa representar mais um duro golpe. Mas trata-se de uma decisão que deveria ser tomada com cuidado e não por inércia, devido a um impasse entre os democratas que desejam que Paulson empregue parte dos US$ 700 bilhões do pacote de resgate para essa finalidade e um governo em fim de mandato que em lugar disso está tentando forçar o Congresso a desviar fundos que bancariam um programa de promoção da eficiência energética.
A política econômica estará completamente paralisada daqui até o dia 20 de janeiro? Não, não completamente. Algumas medidas úteis estão sendo tomadas. Por exemplo, as agências de crédito hipotecário Fannie Mae e Freddie Mac suspenderam temporariamente as execuções de hipotecas. Mas não temos nada acontecendo na frente política em escala minimamente compatível com as dimensões da crise econômica. E é assustador imaginar quantas coisas mais podem acontecer de errado daqui até o dia da posse.
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