Público
A social-democracia europeia, se é que ainda podemos chamá-la assim, é cúmplice ativa das políticas que estão assassinando a sociedade grega.
A Europa já sem alma e armada de capital e tem toda a munição nas mãos para romper, esmagar e difamar uma Grécia ferida de morte com o avanço do duro e planejado processo de empobrecimento de sua sociedade. Com os golpes emerge a aprendizagem, que são os que orientam o machucado povo grego, os suicídios na Praça Sintagma, as chantagens que se acumulam e não param, levando o país a uma espécie de labirinto vivo. Muitos mitos vão sendo construídos sobre a Grécia e é importante que eles sejam esclarecidos, a favor das razões para a mudança.
1. Devolver é o mais urgente. Ainda assumindo a falácia de que a Grécia é única responsável pela origem de sua dívida com os credores europeus, parece incompreensível que, nessa situação atual, o tema principal, o realmente urgente, seja ressarcir a dívida. Os dados da realidade helênica mostram até que ponto a economia europeia vive num esforço constante por manter um conflito que está provocando milhares de mortes e fragilizando a ideia de democracia, o que torna urgente a criação de um plano de emergência humanitária e um projeto internacional de liberação do país das forças que dão as cartas dentro da União Europeia, que acabaram com a soberania e a capacidade de recuperação dos gregos.
2. O problema é a negociação. O argumento proposto pela UE foi assimilado pelos meios de comunicação – em sua imensa maioria, porta-vozes acríticos dos seus desígnios. A partir dessa visão artificializada da situação grega, o problema central parece um obstáculo metodológico no qual a “prepotência dos empobrecidos” bloqueia o processo de negociação. Os credores aparecem como vítimas pacientes mas cansadas, diante de ferozes espartanos que não atuam pela razão. Pois bem, já que é preciso dizer claramente: o problema não é o método – embora ele, claramente, não seja neutro. O problema não é a negociação. O problema é a política rasteira utilizada pelos dirigentes europeus para teatralizar essa negociação, tensionando o conflito e criminalizando os representantes do povo grego.
3. A violação dos direitos humanos é rentável. A “plasticidade” econômica do empobrecimento da Grécia já chegou no limite, não só da dignidade, mas também da capacidade de seguir sendo objeto de saqueamento. Até mesmo os vikings, em suas incursões, mesmo sem serem especialmente inteligentes e diplomáticos, sabiam que não podiam saquear constantemente uma mesma cidade, porque assim não haveria nenhuma capacidade de recuperação e acumulação desse núcleo. O FMI e a Troika atacam, com visceralidade mais embrutecida, uma vítima cujo sangue que resta mal pode ser vampirizado. A violação dos direitos humanos suportada pelo povo grego é um claro exemplo da falta, não só de ética, mas também de inteligência dos mercados e seus donos.
4. A ausência. Finalmente, com tudo isso que está ocorrendo, onde está a voz da social-democracia? Que narrativa diferente está articulando? Perguntas de um verão golpeado sobre o inverno de uma ideologia fracassada. A social-democracia europeia, se é que ainda podemos chamá-la assim, não está adormecida, está entregue, e é cúmplice ativa das políticas macroeconômicas que estão assassinando a sociedade grega. A bipolaridade nunca foi uma alternativa, senão a muleta de um sistema que precisa seguir gerando a ilusão da pluralidade. O nível de contradição do epicentro ideológico e econômico europeu é tanto que não é arriscado dizer que a Alemanha precisa da miséria de outros países para seguir mantendo seu estado de bem-estar social-democrata. François Hollande se agacha. Pedro Sánchez (presidenciável do PSOE) sorri. Muitos têm a consciência limpa, porque não a usam.
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