Carta Maior
Há muito que não se tinha notícias deles. A última vez que eles foram vistos foi há pouco mais de um ano, em março de 2011, quando se celebraram as eleições regionais que a esquerda ganhou. Nem antes nem depois teve-se notícias tangíveis “dos representantes do povo”. Para a classe política, os subúrbios não existem, ou só adquirem uma vigência momentânea durante as campanhas eleitorais. Por isso Samir se surpreendeu quando, há alguns dias, encontrou pendurado na maçaneta da porta de seu apartamento um panfleto que dizia: “Vote François Hollande 2012”.
Samir mora há cerca de 10 anos em um desses monoblocos depressivos que enchem a paisagem dos subúrbios de Paris e das grandes cidades da França. ”Os políticos são como os cachorros maus: ficam mansos quando têm fome de eleitores”, diz. Em seu subúrbio de Antony, os políticos não fazem muitas paradas. Entre cinco e oito milhões de pessoas, desemprego, insegurança, ausência de infraestruturas adequadas, pobreza, exclusão social e racial, os subúrbios são um país dentro de outro, uma realidade à parte, outra dimensão.
Em Paris, esse território no esquecimento começa depois de atravessar o famoso Boulevard Periférico. ”Aqui vivemos em um apartheid disfarçado”, diz Georges Rahdam enquanto mostra com um amplo gesto do braço as torres e os monoblocos da Cité des 4.000, na localidade da Courneuve, um dos subúrbios quentes da capital francesa. Nestas semanas de campanha eleitoral para as eleições presidenciais de fins de abril e princípios de maio, os candidatos deram uma volta pelos subúrbios. O resto do trabalho é feito pelos militantes, que operam o “porta a porta” na busca dos votos. ”Mas somos invisíveis. Em 2007, o assunto dos subúrbios esteve presente na campanha. Agora somos os esquecidos da festa democrática”, constata Samir.
Basta dar uma volta por Clichy-sous-bois, o subúrbio de onde partiu, em 2005, a revolta dos bairros populares que se alastrou por toda a França. Parece que o tempo parou: ninguém veio melhorar a vida desta localidade onde a metade dos 30.000 habitantes tem 35 anos e onde o desemprego afeta 40% da população. Escadas sujas, elevadores quebrados, coletores destroçados e os muros cobertos com uma interminável ladainha de pichações e insultos, oferecem uma radiografia instantânea do estado da população: “Sarko, Marine (Marine Le Pen, a candidata da extrema direita), Hollande, todos podres”, diz um grafite pintado em preto. Aziz, um morador de Clichy diz cheio de cólera: “eles vão comer no Ritz (hotel de cinco estrelas), nós comemos arroz”.
Em francês, é um jogo de palavras entre Ritz e Riz – arroz. Há algumas semanas, a associação AC-Le Feu ocupou um Hotel parisiense para instalar ali “o ministério da crise dos subúrbios”. Mohamed Mechmache, presidente desta associação que agrupa os habitantes dos subúrbios, explicou que se “os candidatos à eleição presidencial não atravessam o periférico, nós viemos até onde eles estão”. Selma Merabtine, uma habitante de Clichy-sous-bois e militante da AC-Le Feu, reclama “da escassa importância que nos dão. A abstenção nos subúrbios nasce dessa indiferença dos políticos. Como ninguém atende nossos pedidos e nossa situação, então não votamos".
A ocupação do hotel alcançou sua meta: o candidato socialista François Hollande visitou o local ocupado e Nicolas Sarkozy, presidente em exercício e candidato a sua reeleição, enviou dois emissários. A AC-Le Feu pediu a mesma coisa que todos os subúrbios do país: “trabalho, escolas, transportes e uma política habitacional coerente”, explica Mohamed Mechmache. O responsável pela AC-Le Feu lamenta que o tema dos bairros populares tenha sido deixado totalmente de lado na campanha.
Fatima Hani, Secretária Geral da AC-Le Feu, reconhece que, no geral, quando se “fala dos bairros populares é para vê-los como lugares inseguros, onde falta repressão e não desenvolvimento. Depois, a tentação de misturar imigração com insegurança ganha terreno. Assim convertem um tema central da agenda política em uma mera questão de oportunismo eleitoral”. Em 2005, Sarkozy havia dito que era preciso limpar os bairros populares com “karcher”, um compressor de alta potência. Depois das revoltas de 2005, a direita governante prometeu um presente de Dia dos Reis. Nada.
Durante a campanha eleitoral para as eleições de 2007, os subúrbios e sua degradada situação foram objeto de inumeráveis promessas. O tempo passou e tudo continua igual. A direita desmontou os dispositivos instalados pelos socialistas e deixou em suspenso os bairros populares. “Ninguém se interessa pela nossa situação porque todos pensam que não somos franceses, que não somos iguais a eles”, diz com uma remota amargura Ibrahim, um vizinho de outro subúrbio quente, Grigny.
As pessoas oriundas dos subúrbios sofrem uma discriminação brutal. “O fato de ter um nome árabe e de estar domiciliado em um subúrbio com má fama basta para que nos recusem em um trabalho”, conta Albert Rahmed, um jovem morador de Clichy que há um ano estreou seu diploma de engenheiro de sistemas, sem encontrar trabalho. “Muita gente consegue um domicílio falso em Paris ou em um lugar com melhores referências”, diz Rahmed. Aqui a vida é dura, solitária, isolada. A insegurança é vivida a céu aberto. Nas entradas dos edifícios um montão de jovens passa o dia vendendo droga, provocando os passantes, procurando briga com o primeiro cachorro que passa.
”Não há trabalho nem nada que fazer. É um gueto de miséria”, diz Ahmad Chibil. Apenas 27 anos, um corpo de atleta, um diploma de analista financeiro de primeira categoria, mas sem trabalho. “Morar num subúrbio de má fama é como estar condenado: no trem, a polícia te para, na rua a polícia te para, de moto, a polícia te para. E se te perguntam o que você faz e você diz que tem um diploma e está procurando trabalho, ninguém acredita. Acham que é ladrão. No mês passado, às seis da tarde, uns policiais me disseram: não tem cara de diploma”.
As associações que agrupam os habitantes dos chamados “bairros populares” estão mudando sua posição. “Desta vez será diferente”, assegura Ahmad. Com a AC-LE Feu à cabeça, outras tantas associações se lançaram em um tour por toda a França para fazer aprovar as 23 propostas que submeteram aos candidatos. Depois das eleições pensam converter as associações em um movimento político específico dos subúrbios. “Talvez seja melhor assim – diz Ahmad --. Perdemos todas as esperanças, só nos resta a ação coletiva como horizonte”. A vida é áspera nestas zonas. Insegurança, desemprego e o silencioso assédio do desprezo social e racial, fizeram dos bairros populares uma realidade paralela. Tudo é diferente, como se falassem outro idioma e não fosse a mesma cultura, a mesma raiz, a mesma sociedade.
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