Ruth de Aquino
O Globo
Sua presença desperta o pior das pessoas. O pior do Brasil. Você já está rezando?
O arcebispo Dom Orlando Brandes, em sua homilia contra os dragões do ódio, da mentira, da fome e do desemprego, deixou de fora um dragão. O da maldade. É bem verdade que se referiu indiretamente a ele. Disse que a mentira não é de Deus, é do Maligno. O padre Camilo Júnior também deu uma alfinetada no candidato. “Hoje é dia de Nossa Senhora Aparecida, dia de pedir bênção e não de pedir votos”. Na missa sem ser convidado, Jair Bolsonaro não comungou, não rezou o Pai Nosso e ficou calado, sem completar as orações.
Pendurado em carro, o presidente conseguiu criar confusão num santuário, na data da padroeira do Brasil. Devotos chegaram a vaiar o arcebispo. Fiéis atacaram equipes da TV Aparecida. De tanto vociferar ofensas, mentiras e ameaças, hoje basta a presença do candidato para zonear a multidão. Em vez de fé e contrição, gritos e profanação. Orações misturadas a empurrões. Bolsonaro nem precisa abrir a boca. Sua presença desperta o pior das pessoas. O pior do Brasil.
Ver a balbúrdia na Basílica de Aparecida é um alerta para o que pode ocorrer se (Deus me livre) Bolsonaro conquistar novo mandato. Não adianta analistas políticos exigirem dos candidatos uma política para a economia, a educação, a saúde. O Brasil enlouqueceu. Até Lula, que nunca se pautou pela religião, em vez de Carta ao Povo Brasileiro pensa numa Carta aos Cristãos, como resposta às mentiras. Era uma vez uma República laica.
Se antes os jornais evitavam a expressão “guerra santa” ou “guerra religiosa”, para não reforçar um discurso perigoso, agora não há mais como fugir. Michelle pastora subiu aos palanques e púlpitos. Bolsonaro impôs essa pauta para se desvencilhar das acusações de corrupção. Misto de católico e evangélico, foi desmascarado pelo arcebispo. É preciso uma identidade religiosa. Ou se é católico ou se é evangélico. Um não é melhor do que o outro. Todos cristãos. Mas isso nunca foi uma questão política e sim de foro íntimo.
O nível baixou muito no segundo turno. Bolsonaristas se acham no direito de espalhar nojo. Como o presidente não sofreu impeachment pelas quebras de decoro constitucional, liberou geral o esgoto. Damares Alves, ex-ministra da Mulher e agora senadora eleita, precisa provar as denúncias de tráfico sexual de crianças paraenses com detalhes escabrosos. Um abaixo-assinado com mais de meio milhão de assinaturas pede a cassação de Damares antes da posse.
O presidente é qualificado no exterior como “extrema-direita”. Extrême droite. Far-right. No Brasil, chamam Bolsonaro de conservador. É uma falácia. Cada vez fica mais claro que seu sonho é calar opositores, silenciar investigações incômodas, prender juízes e enfraquecer instituições. E isso é coisa de fascista. Entre os bolsonaristas de 2022, há ingênuos, fanáticos, mas os piores são os oportunistas. Pensam que vão ganhar alguma coisa com a consagração de um aprendiz de ditador. Não aprenderam.
No segundo mandato, líderes autoritários ganham legitimidade para destruir a democracia. Orbán na Hungria e Erdogan na Turquia são casos recentes. Militarizaram a política. Atacaram o Judiciário. Abriram guerras diplomáticas, culturais e religiosas. Se isolaram do mundo. O arcebispo Dom Orlando Brandes, no ano passado, pregou contra a violência no Brasil: “Pátria amada não pode ser pátria armada”.
No dia 30 de outubro, Bolsonaro pode perder a imunidade e o direito a 100 anos de sigilo. Começará a prestar contas não a Deus, mas à Justiça. Maria vencerá o dragão da maldade, quase um roteiro de Glauber entre beatos e cangaceiros. Você já está rezando?
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