sábado, 24 de junho de 2023

Morte em meio ao “luxo experiencial”


Molly Osberg
Outras Palavras

Não é só o Titan. A classe de bilionários deseja consumir aventuras que ofereçam, além do luxo, exclusividade, reconhecimento e… perigo! Surgem façanhas nas Maldivas, escaladas gourmet do Everest, paintball extremo com agentes da DEA

Não se recomenda que um completo amador participe do Rally Dakar, a competição de resistência off-road em que os pilotos percorriam Paris, a Argentina (e, agora, a Arábia Saudita) no veículo de sua escolha. A paisagem é deslumbrante e ameaçadora por projeto. Pense em descer uma imensa duna de areia numa moto de motocross, depois subir literalmente uma montanha e continuar fazendo isso por cerca de duas semanas. O evento tem uma média de mais de uma morte por edição desde que começou, em 1978.

Mas por um preço que começa em torno de US$ 1,2 milhão, a agência de turismo de luxo Momentum oferece a um cliente um Land Rover customizado e o leva até o deserto, fornecendo suporte logístico e treinamento de pilotagem para ajudá-lo – pelo menos teoricamente – a conquistar a glória. E os prêmios em dinheiro relativamente insignificantes da corrida. “Nossos clientes estão procurando uma experiência autêntica e inspiradora”, disse o fundador da Momentum, Matthew Robertson, à revista Maxim em 2020. “É exatamente o que oferecemos!”.

As cinco pessoas ficaram sem ar a bordo do Titan após seu desaparecimento a caminho do Titanic são, como os clientes de Robertson, parte de uma indústria de viagens de aventura de US$ 683 bilhões que cresceu nas últimas duas décadas. Cada lugar de 6,7m² no Titan, custou 250 mil dólares, apesar dos alertas sobre a falta de certificação da embarcação e a pouca sabedoria da viagem recreativa. “Para quem acha caro, vale lembrar que é uma fração do custo de ir ao espaço”, disse o fundador da empresa que construiu o submersível.

O Boston Consulting Group acompanha o crescimento exponencial do mercado de “luxo experiencial” pelo menos desde 2013. Agora, acrescenteou, marcadores mais tradicionais de extrema riqueza – o complexo à beira-mar em Miami, a casa em Sun Valley – para avaliar os milionários (ou bilionários) interessados em se intitular os próximos Richard Branson ou Stephen Long. (Um dos membros da tripulação que pagou uma pequena fortuna para descer 4,3 quilômetros abaixo do nível do mar em um navio não classificado, operado por um controlador de videogame, é Hamish Harding, o fundador de uma empresa de investimentos cujos hobbies incluem perseguir recordes do Guinness e ir ao espaço). Nos anos seguintes ao surgimento do covid-19, esperava-se que o faturamento do setor aumentasse em até 70%.

As aventuras são variadas por princípio, e geralmente facilitadas por “designers de viagens”, que personalizam experiências com a promessa de que serão totalmente exclusivas. Entre os clientes pode estar um herdeiro do setor de combustíveis fósseis gastando US120 mil dólares em uma viagem ao topo do Everest, com um guia que fornece chuveiros movidos a gás e bifes preparados por um chef pessoal. Ou um corretor de fundos de hedge organizando, para seus amigos, uma excursão de US$ 50 mil, que inclui um jogo de “paintball extremo de aventura” com ex-agentes antidrogas dos EUA.

Um operador de luxo descreveu a criação de uma experiência de “ilha deserta” em Fiji, que retém um cliente por um determinado número de dias. Naturalmente, esse tipo de turismo também se tornou um canal para negociações políticas ocultas: esta semana, o site ProPublica informou que um juiz da Suprema Corte dos EUA, Samuel Alito, fez uma viagem de pesca de salmão real no valor de US$ 1mil por dia no Alasca paga por Paul Singer, um bilionário de fundos de hedge que repetidamente pediu ao tribunal que decidisse a favor de sua empresa.

Há uma série de razões pelas quais os ultrarricos podem estar se voltando para aventuras radicais. Uma série de histórias de tendências detalhando as aventuras de bilionários nas Maldivas ou num snowboard de helicóptero no Alasca surgiu nos anos seguintes à crise financeira de 2008. Comentava-se que o “consumo conspícuo” havia se tornado menos popular, depois de milhões de pessoas perderem empregos ou casas em nome de alguns ternos muito bons. Apontou-se também o efeito do Instagram, onde qualquer pessoa com um navegador da Web e os meios necessários pode postar uma experiência exclusiva.

Mas a explicação mais natural é que, para as pessoas a quem os luxos mais inimagináveis estão ao alcance, simplesmente sentar em um iate sem ser reconhecido não é suficiente. O status de bilionário tornou-se significativamente mais difuso nos últimos anos. Um herdeiro de diamantes obtidos com sangue quer se tornar um explorador espacial. Alguém que fez fortuna especulando com móveis e despejos prefere ser conhecido como um filantropo que também detém o recorde de maior permanência no fundo do oceano. (Além disso, os troféus de safári, a bugiganga original dos intrépidos e superricos, agora são considerados de mau gosto).

Recentemente, em sequência ao desaparecimento do Titan, o New York Times entrevistou serviços de viagens de luxo sobre os riscos que os ultra-ricos estão correndo. “Há muitas pessoas viajadas por aí que constantemente ultrapassam os limites de suas viagens para reivindicar o direito de se gabar”, disse um deles ao jornal. Acrescentou que naturalmente essas pessoas em busca de aventura procuram “experiências únicas” que “envolvem um grau de risco”.

Mas quando o objetivo final é ultrapassar os limites do que uma pessoa razoável consideraria férias, alguns bilionários querem uma experiência ainda mais exclusiva do que visitar o Titanic e arriscar a morte. Alguns anos atrás, a BBC entrevistou um agente de viagens cujo cliente pediu para detonar uma ogiva nuclear. O agente de viagens recusou. Quem quer morrer nas férias?

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