segunda-feira, 28 de agosto de 2023

A história vista desde baixo

Fernando Pureza
Jacobin Brasil

O historiador marxista E. P. Thompson faleceu neste dia em 1993. Sua trajetória foi marcada pela defesa de uma educação rebelde, o comprometimento com a luta antifascista e a construção de um socialismo humanista. Resgatamos aqui sua vida e obra.

Quando E. P. Thompson faleceu, Eric Hobsbawm escreveu um tocante obituário dedicado a seu amigo para o jornal The Independent. Nele, Hobsbawm descreve Thompson como um intelectual eloquente, gentil, encantador, com presença de palco, com uma voz maravilhosa e “dramaticamente” bonito. Mais do que tudo isso, Thompson foi um desses casos fenomenais do século XX onde intelectualidade e militância caminhavam de mãos dadas, compondo um marxismo vivo e pouco afeito a ortodoxias. Honrar sua memória 30 anos depois do dia de seu falecimento, em 28 de agosto de 1993, inevitavelmente exige que reconheçamos algumas de suas maiores contribuições políticas e teóricas a partir da questão política crucial: no que uma perspectiva thompsoniana pode ajudar os socialistas hoje?

Experiência, o termo ausente

Uma das maiores contribuições teóricas de E. P. Thompson foi trazer a centralidade do conceito de “experiência” para os debates marxistas. Contudo, essa não é só uma contribuição teórica, mas eminentemente prática. Para Thompson, a experiência era um conceito que permitia olhar para uma profunda dialética entre as determinações objetivas e as subjetividades da classe. Sua própria trajetória de vida demonstra a centralidade da experiência. O pai, Edward John Thompson, foi um poeta e intelectual metodista que se aproximou do anticolonialismo indiano. Casado com Theodosia Jessup, tiveram dois filhos: Frank e Edward. Ambos ingressaram na faculdade e, por ocasião da Segunda Guerra Mundial, se alistaram na luta antifascista. Frank, o mais velho, se aproximou do Partido Comunista da Grã-Bretanha (PCGB) e, como oficial, se voluntariou a uma missão na Bulgária, onde foi assassinado em 1944. O irmão mais novo, Edward, acabou indo lutar na Itália. A perda do irmão em meio a luta antifascista contribuiu para reforçar o compromisso que compartilhavam, e o engajamento no PCGB.

Assim como Frank Thompson, Edward não estava propriamente convicto da infalibilidade das diretrizes de Moscou. Frank era abertamente crítico ao Pacto Ribbentropp-Molotov e se alistou por convicção de que a luta antifascista não poderia ser suspensa, mesmo que temporariamente. Já E. P. Thompson, tão logo a guerra terminou, decidiu participar da reconstrução da Iugoslávia sob o comando do Marechal Tito, construindo estradas de ferro. Nessas andanças, conheceu Dorothy Towers, também historiadora, militante do partido e engajada na reconstrução do país. A partir desse compromisso comum constituíram uma parceria que iria durar até o fim da vida de E. P. Thompson.

O engajamento real e concreto com o antifascismo certamente o diferenciava de muitos outros intelectuais marxistas da época. Convém ressaltar, no entanto, que a partir de 1946 o PCGB constituira um núcleo bastante ativo de historiadores, todos eles fazendo profundos questionamentos contra consensos acadêmicos e discutindo novas perspectivas para a historiografia inglesa. É nesse contexto que Thompson se alia com intelectuais como Christopher Hill, Eric Hobsbawm, Dora Torr, entre outros, que, decididos a deixar sua marca, criam a Past and Present, uma revista de intervenção política no cenário intelectual britânico. Os chamados “historiadores marxistas britânicos” causaram uma verdadeira revolução ao reivindicarem uma história dos de baixo.

De baixo para cima e à esquerda

A ideia de uma “história vista de baixo” buscava justamente resgatar as concepções das classes populares inglesas ao longo da história, por meio de uma orientação organicamente vinculada a um marxismo militante. Havia algo de heterodoxo na posição desses historiadores: a vida das classes populares deveria ser vista a partir do próprio contexto britânico, recusando-se a dispor de categorias de análise que fossem estranhas a essa realidade vivida, o que teria um imenso significado posteriormente na ideia de classe avançada por Thompson.

O cenário internacional passava então por mudanças profundas. A morte de Stalin em 1953 e o Relatório Kruschev, de 1956, abalaram profundamente as concepções de muitos desses historiadores filiados ao PCGB. Começaram a surgir denúncias e críticas internas ao partido. Thompson foi um dos que passou vocaliza-las, em parceria com John Saville, na criação de uma revista nova chamada Reasoner. De curta duração (fechada por orientação do próprio partido), a revista serviu para mostrar a necessidade de organizar as vozes críticas do que viam como o “dogmatismo político do Partido Comunista da Grã-Bretanha”. A gota d’água, contudo, foi a invasão soviética à Hungria, em 1956. Os eventos em Budapeste precipitaram a saída de Thompson e outros historiadores do partido.

Os historiadores marxistas britânicos, contudo, não interromperam sua militância. A New Reasoner, surgida em 1957, anunciava seu compromisso com “valores socialistas”, mas também com uma “percepção não-dogmática da realidade”. Apesar de fora do partido, Thompson reafirmou-se marxista inúmeras vezes, um compromisso que o acompanhou até o fim da vida. Aos poucos, a revista foi abrindo espaço para as muitas dissidências na esquerda britânica, tanto entre comunistas quanto entre trabalhistas críticos das lideranças dos seus partidos.

A atividade de intervenção militante era acompanhada da docência. Desde 1955 Thompson atuava nas escolas para jovens e adultos, dando aulas de história e literatura inglesa – uma de suas paixões. As aulas, como o próprio Thompson lembrava, reafirmavam seu compromisso político com os “de baixo”, com sua cultura, suas tradições, suas visões de mundo. Aliadas com sua voz dissidente e radical, em pouco tempo a figura de Thompson se tornou famosa nos meios da esquerda britânica. Foi nesse meio tempo em que ele recebeu um convite inusitado: escrever um livro sobre a história da classe trabalhadora inglesa.

O enigma da classe

A abordagem de E. P. Thompson surpreendeu. Até então, a esquerda britânica contava a história da classe trabalhadora a partir da história do movimento operário industrial, destacando as primeiras agremiações cartistas, na década de 1830, que tinham claro viés sindicalista. Thompson, por sua vez, resolvera retroceder até as últimas décadas do século XVIII para focar-se naquilo que ele chamara de “o fazer-se da classe operária” (making of, que na edição brasileira foi traduzido como “formação”). Dessa forma, a classe trabalhadora não nasceria “pronta”, dada como resultado das determinações econômicas objetivas, mas era resultado de uma longa formação social, política e cultural. O foco de Thompson seria justamente as experiências dos sujeitos proletários ao longo do tempo conforme compunha uma forma de sentir e agir em coletivo.

O impacto de A formação da classe operária inglesa foi imenso. Traduzida mundo afora, gerou impactos duradouros para além da Inglaterra e da própria Europa – Brasil, Índia, Egito, Japão, etc.. Trata-se de uma obra imbuída de um duplo sentido da ideia de experiência. Para Thompson, a experiência é o elemento capaz de mediar as determinações econômicas e as tradições culturais e políticas. Dessa forma, a categoria carrega uma dialética profunda, capaz de mostrar o movimento entre a transformação das forças produtivas ao mesmo tempo em que sugere que as relações produtivas são muito mais amplas do que aquelas do chão de fábrica.

Tradições como o metodismo, ou hábitos alimentares, músicas, literatura, folclore, se soma ao tortuoso processo de formação da consciência coletiva dos trabalhadores ingleses, até o momento em que eles se reconhecem não mais por localidade, religião, ou ofício, mas sim como “classe”. Para tanto, era necessário criar uma nova linguagem e uma nova cultura que desse conta das novas experiências de exploração vivenciadas – esse arcabouço não emergia do nada, mas do acúmulo de inúmeras tradições vindas do passado.

Thompson enfatizava que sua obra só poderia ter sido escrita num contexto em que ele mesmo estava dividindo sua atenção com as aulas noturnas e com sua militância na Nova Esquerda. Como confessou, em 1961, em carta para o amigo e historiador Raphael Samuel:

“Além disso, estou com seis aulas e mais outros cursos adicionais para gerentes hospitalares (só essa semana já são nove aulas), além de estar no comitê de quatro departamentos diferentes, mais três crianças que continuam celebrando o feriado de Guy Fawkes e seus aniversários, além de um crescimento miraculoso das campanhas de desarmamento nuclear em Yorkshire e Halifax (em Yorkshire fomos de 0 para 150 comitês em dois meses!) – além de toda a correspondência do comitê editorial [da New Left Review] que você já deve ter ouvido falar. A única coisa em que sou parecido com Marx é que eu também estou ficando com furúnculos no pescoço”.

A experiência como militante e professor é fundamental para a escrita de Thompson. Dar aulas em diferentes cidades como Halifax, Yorkshire, Batley, Keighley, N’Allerton, permitia conhecer diferentes realidades de trabalhadores, diversos não apenas pela localidade como pelo ofício – trabalhadores manuais, de escritório, donas de casa, técnicos, professores. Uma classe multifacetada, com a qual Thompson tinha contato em suas aulas de história e literatura inglesa. Na sala de aula, estimulava que seus alunos trabalhadores falassem sobre suas tradições e cultura. Esse estímulo, tão vital para o processo de aprendizagem, o tornou cada vez mais atento às tradições culturais dos sujeitos subalternos, que eram frequentemente menosprezadas pela historiografia tradicional que tinha como objeto a classe operária.

A militância, por sua vez, seguia um caminho abertamente heterodoxo. Após a saída do PCGB, Thompson dedica sua atividade política a duas ações primordiais: a participação na New Left Review – e depois na Socialist Register – e o ativismo antinuclear, que gerou um livro pouco lembrado, mas muito instigante, Exterminismo e Guerra Fria. Thompson se manteve um socialista ferrenho até os últimos dias, reivindicando uma tradição histórica romântica e revolucionária – e, principalmente, radicalmente democrática.


Romântico e dissidente

“Deixar o erro sem refutação é estimular a imoralidade intelectual”. É com essa frase de Marx que Thompson abre a sua mais célebre obra polêmica, A Miséria da Teoria, onde se engaja numa discussão com o filósofo francês Louis Althusser. Essa não foi, contudo, a única polêmica de grandes proporções que Thompson comprara: Tom Nairn, Perry Anderson, Leszek Kolakowski, além do próprio Althusser, foram alguns de seus alvos principais. Mas não eram polêmicas vazias: em cada uma delas, o historiador inglês identifica questões referentes ao campo do marxismo que precisavam ser trazidas para o debate público.

A experiência de Thompson no PCGB, nos anos 1950, foi marcada pela crítica constante ao fechamento de debates no interior do partido, promovidos por uma liderança cada vez mais alinhada com o marxismo vindo de Moscou. Thompson, por sua vez, acreditava no dissenso e no debate – nem sempre fraterno – e com isso concebia que seu papel como militante era justamente provocar a troca de ideias e a crítica. Com isso, polemizou abertamente com o estruturalismo francês e suas influências nos jovens marxistas britânicos. Tanto Peculiaridades dos Ingleses quanto A Miséria da Teoria inserem-se nesse debate.

Tais dissensos muitas vezes geraram prejuízos no âmbito profissional. Em 1971, Thompson antagonizou diretamente com a Warwick College, onde fora convidado a dar aulas após o sucesso editorial de A formação. Segundo Barbara Winslow, que foi sua aluna na época, o professor Thompson ficou a favor dos alunos em um escândalo no qual haviam descoberto que a administração da universidade espionava um grupo de estudantes. O professor então escreveu um libelo contra a universidade, posicionando-se a favor dos alunos. Em 1971, pediu demissão – a vida acadêmica realmente não era para ele.

Não obstante as polêmicas, Thompson sempre manteve no horizonte a necessidade de uma política de frente popular, como salienta Stefan Collini. As dissidências dentro – e fora – do marxismo, combinadas com seu estilo irônico e afiado de escrita, não podem perder de vista que para ele, o que estava em jogo era a defesa de um projeto político radicalmente democrático, inspirado nas lutas do passado. Esse projeto, contudo, não poderia jamais se submeter a uma autoridade que valorizasse a ortodoxia para além da razão. Nesse sentido, o marxismo proposto por E. P. Thompson sempre foi um marxismo rebelde, heterodoxo e crítico, distribuindo farpas contra seus adversários. Uma frente popular na qual o debate e a dissidência pudessem fazer parte – essa era a pretensão thompsoniana.

Lendo E. P. Thompson no nosso tempo

Como militante e intelectual, Thompson seguiu seus afazeres até sua morte, em 1993. Alguns textos póstumos ainda são lembrados e sua memória é constantemente reivindicada entre as esquerdas ao redor do mundo.

A Formação da Classe Operária Inglesa é o pontapé inicial para conhecer o autor. O prefácio é um dos textos mais citados na historiografia, mas quem resolver se aventurar pelos três volumes encontrará uma longa e poderosa história sobre as muitas tradições e lutas que estavam presentes no fazer-se da classe trabalhadora inglesa. Uma obra inspiradora, que inicia com uma pequena seita jacobina em Londres e termina apontando para um operariado que se afirma enquanto classe.

Para os que se interessam por polêmicas, Peculiaridades dos Ingleses e Miséria da Teoria são excelentes opções. O estilo cáustico da escrita de Thompson e seu compromisso político com a “história vista de baixo” é reafirmado constantemente. No mesmo tom do Thompson polemista, seu ensaio “Carta aberta à Leszek Kolakowski” – e a réplica do filósofo polonês – foram recentemente publicadas pela Editora da UFSC e merece ser lido como um debate polêmico no interior do marxismo (que Thompson acusa Kolakowski de abandonar).

Para aqueles que desejam uma pesquisa mais historiográfica, Senhores e Caçadores e os ensaios de Costumes em Comum mostram o roteiro de pesquisa thompsoniano após A formação. De tanto voltar para o século XVIII para falar sobre as origens da classe operária, Thompson resolveu se demorar por lá por mais algum tempo, analisando as diferentes tradições rebeldes do período.

Obras como Exterminismo e Guerra Fria e Os Românticos parecem destoar desse quadro. Mas considerando a trajetória thompsoniana, são fundamentais para entendê-lo sujeito em sua faceta enquanto militante e educador. No primeiro, Thompson organizou um livro com intelectuais ligados a New Left Review e outras revistas para debater sobre a Guerra Fria e o conflito nuclear iminente. O livro pode parecer datado, mas o compromisso político de E. P. Thompson e sua inegociável defesa do desarmamento nuclear são apaixonantes, contextualizados a partir de uma análise política ferina. Já Os Românticos guarda alguns dos últimos ensaios de Thompson sobre a cultura inglesa do século XVIII, sendo que um dos ensaios mais apaixonantes do livro se chama “Educação e Experiência”.

Para que resgatemos Thompson da “imensa condescendência da posteridade”, devemos partir do princípio de que ler suas obras é uma forma de mantê-lo vivo. Creio, contudo, que podemos, e devemos, almejar mais. Este resgate não pode se resumir à faceta intelectual, por mais digna de elogios que seja. Deve também concentrar-se em uma trajetória de vida comprometida com o marxismo, com o antifascismo e com um socialismo humanista. Trata-se também de que nós, em nosso duro e angustiante presente, resgatemos as experiências de militâncias e dissidências, sem perder de vista a dedicação na construção um projeto socialista que jamais poderia vir de cima para baixo, mas que deve ser construído nas densas determinações da vida cotidiana das pessoas trabalhadoras. Um socialismo radicalmente democrático, ligado à experiência dos sujeitos em luta.

domingo, 27 de agosto de 2023

Pinochet desclassificado: os arquivos secretos dos Estados Unidos sobre Chile

Dorrit Harazim
O Globo

Para Kissinger, militares golpistas eram ‘um bando de incompetentes’ por não terem conseguido impedir a diplomação do eleito

Peter Kornbluh é incansável no seu pacto com a verdade e a História. Aos 67 anos, continua a não dar sossego a ditaduras, ditadores e ao governo que mais vezes incentivou a treva em terras estrangeiras — os Estados Unidos. Além de pesquisador sênior do National Security Archive (NSA), instituição que obtém, analisa e publica documentos secretos do governo americano graças à Lei de Liberdade de Informação, Kornbluh também dirige o Projeto de Documentação sobre o Chile, da mesma NSA.

Às vésperas do 50º aniversário do feroz 11 de setembro de 1973 chileno, ainda resta muito a desenterrar sobre o golpe militar que matou, prendeu ou torturou pelo menos 40.018 pessoas. Mas Kornbluh tem método. E paciência. De garimpo em garimpo, ele desenterra novos documentos.

Semanas atrás divulgou a transcrição de um telefonema do então presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon, a seu assessor de Segurança Nacional, Henry Kissinger. Datado de 15 de setembro de 1970, o telefonema contém comentários de Nixon sobre seu encontro de véspera, ultrassecreto, com o todo-poderoso Agustín Edwards — dono do maior conglomerado de mídia do Chile. (Contexto: dez dias antes desse encontro, o socialista Salvador Allende conseguira surpreender meio mundo derrotando por estreitíssima margem o ultraconservador Jorge Alessandri. Pela legislação da época, o Congresso chileno precisava ratificar o resultado das urnas, abrindo o caminho para o presidente eleito assumir o Palacio de la Moneda.)

Edwards tinha ido a Washington justamente para arredondar com o governo Nixon o plano em curso que impediria esse rumo da história: as Forças Armadas chilenas assumiriam o poder, dissolveriam o Congresso, e Allende não seria empossado. Soa familiar? Os conspiradores receberiam seguro de vida, armamentos e munição, além de garantias “claras e específicas de não serem abandonados ou postos no ostracismo” e US$ 50 mil em espécie. Tudo cortesia da CIA. O plano incluía sequestrar o comandante em chefe do Exército, general René Schneider, considerado um entrave constitucionalista. Só que deu tudo errado. Em novo telefonema de Nixon para Kissinger, desta vez já em outubro, o ocupante da Casa Branca pergunta:

O que está acontecendo no Chile?

Kissinger respondeu ter havido um revertério para pior. O planejado sequestro do general, a dois dias da diplomação de Allende, fora um fiasco — a vítima acabou sendo mortalmente ferida à bala, e a população condenara a ação.

O passo seguinte — continuou Kissinger — deveria ter sido a tomada do poder, mas também isso não ocorreu. Provavelmente agora é tarde demais.

Concluiu, com desprezo, que os militares golpistas eram “um bando de incompetentes” por não terem conseguido impedir a diplomação do eleito. A partir daquele 24 de outubro de 1970, em nenhum momento o magnata Edwards, os militares chilenos, a CIA, Kissinger ou Nixon deixaram de tramar, por um só dia, a queda do socialista dos Andes. Era só questão de tempo. O golpe veio nas primeiras horas do 11 de setembro de 1973, feroz, brutal, sanguinário. Durou 17 anos e teve no general Augusto Pinochet seu ditador-modelo: corrupto, obcecado e desumano.

Entre os múltiplos eventos idealizados para marcar os 50 anos daquele trauma está uma edição em espanhol do trabalho de Kornbluh, pela Catalonia Books chilena: “Pinochet desclasificado: los archivos secretos de Estados Unidos sobre Chile”. Um documentário em quatro partes, baseado no esforço do pesquisador para desenterrar a documentação secreta do papel dos Estados Unidos na trama, também será transmitido por uma grande emissora de TV do país.

O Chile representa uma das mais infames operações clandestinas da CIA -diz Kornbluh-, pois é onde você tem um elo explícito de um presidente dos Estados Unidos ordenando a derrubada de um governo democraticamente eleito.

Simples assim. O atual presidente chileno, Gabriel Boric, já solicitou ao governo do democrata Joe Biden a liberação de documentos da Casa Branca referentes ao Chile nos anos 1973 e 1974. Pedido difícil de atender, justamente pela ausência de escrúpulos que a papelada ainda poderá revelar.

A ditadura chilena caminhava para seu 13º ano de abusos quando Boric nasceu, portanto o atual ocupante do La Moneda nada testemunhou. Por isso mesmo, quer que sua geração tenha acesso pleno e transparente a um passado nacional que muitos já tentam adulterar. De um ano para cá têm surgido postagens de extremistas rebatizando o 11 de setembro de “escolha pela liberdade” feita por chilenos patriotas. Soa familiar?

Pela mesma razão, recomenda-se a leitura mais completa sobre a contribuição da ditadura brasileira ao golpe e à repressão da era Pinochet. “O Brasil contra a democracia – A ditadura, o golpe no Chile e a Guerra Fria na América do Sul”, do jornalista e analista internacional Roberto Simon, é leitura obrigatória para que esse capítulo trevoso da História do Brasil também seja corretamente aprendido.

quarta-feira, 23 de agosto de 2023

Milei en el país de las maravillas


Jorge Majfud
Página 12

En 1942 la británica Juliet Rhys-Williams propuso un impuesto negativo: aquellos con ingresos por debajo de una línea mínima, debían recibir la diferencia de aquellos que ganaran por encima, hasta llegar al mínimo establecido por ley. La idea fue retomada por el ícono del neoliberalismo, Milton Friedman y por el presidente Richard Nixon, pero nunca prosperó. ¿Por qué este repentino gesto de ternura, cuando otros miembros del clan, como la escritora Ayn Rand eran partidarios del egoísmo como fundamento moral? Porque la solidaridad no solo es lo mejor que tenemos los humanos, sino que también conviene.

Las neocolonias fueron más radicales en su fe neoliberal, desde el “sinceramiento” del ministro de economía de Isabel Perón (y López Rega) en los 70, la privatización de bienes y nacionalización de deudas de la dictadura militar, hasta los años 90 de Menem-Cavallo y del resto de América latina. La motosierra volvió con Mauricio Macri en 2015 quien repitió el verso del “sinceramiento de la economía”, quitando subsidios a necesidades básicas y desarmando el frágil tejido social, que es el que, en cualquier sociedad civilizada, previene que el castillo de naipes se desmorone. Todos los casos terminaron en catástrofes sociales.

“Ajustar y ahorrar” siempre significa más sacrificios para los de abajo, y una forma de hacerlos “votar bien” es recurrir a otras pasiones, como la religión. En diciembre de 2021, en el Congreso, Javier Milei justificó su fobia a los impuestos porque “los egipcios, ante el avance de los judíos [sic], le habían puesto impuestos… y los judíos se fueron para salir del yugo opresor del Estado”. Con frecuencia, recurre a “Moshé” como ejemplo ideológico, pero Moisés nunca defendió la propiedad privada ni el libre mercado. Todo lo contrario. Cuando le quitó las tierras a los cananeos, las repartió entre sus seguidores. Una reforma agraria, socialista pero nacionalista y autoritaria. Quien no obedecía era castigado. La libertad del pueblo elegido no tenía nada que ver con la libertad individual.

El mundo fantástico de Milei nunca existió. Las únicas democracias que prosperaron con el libre mercado de las colonias fueron los brutales imperios de Europa y Estados Unidos, los que vampirizaron el mundo por la fuerza de sus cañones, la impresión e imposición de sus monedas y la masiva propaganda de sus medios. Por eso, para que la colonización sea completa, Milei propone adoptar el señorío del dólar como moneda nacional, como los países africanos deben usar el franco francés para ser explotados mejor. Como si las eternas deudas en dólares no fuesen suficiente esclavitud.

¿Por qué un gran número de jóvenes lo votó? Por generaciones, los jóvenes se habían educado en los libros y en cierto respeto por la herencia milenaria de la humanidad. Aunque muchos continúan esa tradición en las nuevas plataformas, una mayoría está educada en la frivolidad sin memoria y en el desesperado deseo de ser ricos y famosos. Según el viejo fenómeno del “pay dispersion”, la mayoría trabaja gratis o por monedas, porque aspira a llegar algún día a los ingresos de los pocos que se benefician del sistema.

En un mundo mercantilizado, donde la ley es “matar o morir”, el sadismo no es un ejercicio gratuito sino un negocio. Los influencers multiplicaron este mercado. Excluyendo cuatro o cinco millonarios, son millones de entrepreneurs que pierden años de educación tratando día y noche de hacer cien o mil dólares por mes, burlándose o atacando a alguien más. Esta cultura vacía provee la sensación de libertad, no muy diferente a la de un drogadicto con su primera dosis, o de los ratones de laboratorio que pasan el día apretando un botón porque cada tanto, sin una frecuencia predecible, cae una semilla. Esta cultura del entretenimiento perenne no sólo evita el pensamiento crítico sino que induce a la explosión violenta cuando la adicción no genera el resultado esperado.

Al tiempo que la infantilización de las sociedades se radicaliza, sus pataletas también. El hábito de reaccionar con violencia verbal a las opiniones ajenas se ha transferido a algo más serio, como es votar y elegir líderes que luego nos llevan a otras formas de violencia―e injusticias. Un voto no es un like.

La propuesta de Milei de destruir la educación pública es una de sus coherencias internas. Luego esos mismos entrepreneurs culpan al Estado de sus fracasos. Si vemos al Estado como el padre (según ellos), se trata de la proyección de un complejo de culpa: nuestro padre es el culpable de todas nuestras frustraciones―en el caso de Milei, como lo ha hecho público, sería un problema personal. Cuando pase la juventud, la fama, el dinero y los sueños de ser millonarios, recurrirán al Estado o, según la prédica de los Milei, tendrán que vender sus cadáveres para que sus hijos puedan comer (todo muy freudiano), como lo profetizó la película Soylent Green en 1973.

Milei es una copia tardía de Ayn Rand, quien llevó al extremo el dogma liberal sobre las bondades del egoísmo y las maldades del altruismo. Aparte de Kropotkin, estudios más recientes han demostrado lo contrario: la cooperación y el altruismo no son ajenos a la naturaleza humana; son mejor valorados en la infancia antes de ser corrompida por una educación egocéntrica y mercantilista.

Todas las grandes religiones y filosofías siempre pusieron un especial acento en la solidaridad y el altruismo. El héroe podía ser un guerrero tribal, pero su sacrificio era siempre altruista. Hasta dioses o semidioses, como Prometeo, Quetzalcóatl y Jesús se sacrificaron en vida por el resto de la humanidad. Ninguno era ni moral ni estéticamente inferior por eso.

Hasta el calvinismo, el egoísmo y la avaricia (cupiditas) fueron pecados capitales. Como lo hemos explicado en Moscas en la telaraña, a partir de la mercantilización de la tierra en la Inglaterra del siglo XVI, de la mano de obra desplazada por el enclosure y la privatización del despojo de las colonias por parte de las poderosas compañías imperiales como la East India Company (con el mismo modelo democrático de los piratas), el egoísmo y la avaricia pasaron a ser valores dominantes: la búsqueda del bienestar individual (bienestar, no bienser) es éticamente superior porque a largo plazo conduce al bienestar del resto―por supuesto que las clases dominantes y los imperios nunca dejaron de saquear y exterminar el resto del mundo en procura del bienestar propio.

Recientemente, un argentino me dijo que “el triunfo electoral de Milei en las primarias fue un voto castigo”, que la gente estaba harta de los políticos. Esto último es comprensible, pero recordemos que lo mismo dijeron los alemanes en 1933 (también Hitler fue un hijo que sufrió violencia física y también amaba a los perros) y no pocos argentinos que apoyaron el golpe fascista de 1976 decían lo mismo. Si uno está harto de que le roben la casa, tal vez prenderla fuego no sea la solución.

El fascismo no es una ideología; es una condición mental y debe ser tratada con más educación, más cultura, más equidad y más empatía por los débiles. Todo eso que el fascismo siempre intenta destruir.

terça-feira, 22 de agosto de 2023

¿Qué está faltando para que Jair Bolsonaro sea encarcelado?

Fernando de la Cuadra
Socialismo y Democracia

Esta es una pregunta que se hacen muchas personas en la actualidad, dado que luego de toda la información de los diversos crímenes cometidos por el ex presidente parece casi obvio que el mismo sea arrestado inmediatamente para responder por sus acciones delictivas ante la justicia brasileña.

El Ministro del Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, ya ha definido las diversas líneas de investigación por las que el ex capitán podría ser encuadro por los variados ilícitos cometidos durante su gestión a la cabeza del Ejecutivo. Ellas son cinco, a saber: a) Difusión de noticias falsas por medio de milicias digitales; b) Negligencia en el enfrentamiento a la pandemia y ataque a las vacunas contra el Covid-19; c) Descalificación injustificada del sistema de votación y de las urnas electrónicas; d) Supresión violenta del Estado Democrático de Derecho e Incitación al Golpe de Estado; y e) Abuso de poder en el ejercicio de sus funciones como Presidente de la República y uso de la estructura gubernamental para la obtención de ventajas.

Cada uno de estas líneas de acusación tienen sus respectivos desdoblamientos. Por ejemplo, el último ítem se puede descomponer en otras 3 acusaciones: 1) Uso malicioso de las tarjetas corporativas; 2) Inserción de datos falsos sobre la gestión administrativa; y 3) Apropiación indebida de recursos fiscales y de bienes recibidos en visitas de Estado (caso de las joyas y relojes regalados por los gobiernos de Arabia Saudita y del Reino de Bahréin).

Sin embargo, a pesar de todas las acusaciones que pesan sobre el ex Presidente, la Justicia no puede ordenar su prisión antes de emitir la condenación judicial por sus crímenes. Lo que podría hacer el Ministro Moraes, en una posible hipótesis, es solicitar la prisión de Bolsonaro como medida cautelar con el argumento de que manteniéndolo en libertad éste puede representar un obstáculo para el buen encaminamiento de las investigaciones, por la adulteración, ocultación o destrucción de pruebas, por una eventual coacción de testigos o destrucción de pruebas o por el riesgo que emprenda una fuga del país para escapar del proceso judicial en su contra.

Aunque conociendo la forma minuciosa y cautelosa con la cual opera el Ministro Alexandre de Morais en la elaboración de sus sentencias, es difícil pensar que sea capaz de decretar la detención de Bolsonaro sin tener un volumen contundente de pruebas que lo incriminen. Elementos para procesarlo existen y muchos. Bolsonaro ha sido citado permanentemente como el mentor intelectual de los atentados ocurridos el día 8 de enero y su huida para Orlando antes de concluir su mandato no lo exime de la culpa por haber tramado una conspiración con el apoyo de muchos militares y, especialmente, de su Ayudante de Ordenes, el Teniente Coronel Mauro Cid, que en estos momentos se encuentra encarcelado por otra ilegalidad cometida para proteger al ex Presidente: la falsificación de los certificados de vacuna que Bolsonaro y su esposa mostraron ante las autoridades de Estados Unidos para que les permitieron ingresar a ese país.


Es más, ahora también se sabe que el ex mandatario trasladó clandestinamente -en el avión presidencial que lo llevó a Orlando- una maleta llena de los obsequios que había recibido de delegaciones extranjeras y jefes de Estado de otros países en visitas oficiales. Ello con el propósito de vender tales bienes (joyas y relojes de lujo) en el país del Norte. Bolsonaro alega que estos regalos son “personalísimos” y que, por lo tanto, no tiene la obligación de inscribirlos como parte del acervo de la República. Por su parte, el Tribunal de Cuentas de la Unión (TCU), le exigió a Bolsonaro devolver todos los objetos de alto valor recibidos , cuestión que el ex mandatario ha hecho solo en parte, pues todavía faltan algunos ítems para ser reincorporados al patrimonio público.

Ya está demostrada la participación de Bolsonaro en el esquema montado para la venta de estos bienes en el exterior, pero aun así el Ministro Alexandre de Moraes se encuentra recabando más pruebas concretas que permitan demostrar fehacientemente la participación del ex Presidente en los diversos delitos que pesan en su contra. Por lo mismo, es incierto saber cuándo podrá salir efectivamente una orden de detención, aunque existe casi consenso entre abogados y miembros de la Policía Federal de que dicha orden podrá ser emitida a cualquier momento.

Una de las aristas del “caso joyas” que no ha sido investigada en profundidad, es la razón por la cual las autoridades de Arabia Saudita y Bahréin se mostraron tan generosas con el gobierno Bolsonaro. Lo que se sabe hasta ahora, es que existían negociaciones con autoridades para comprar algunas refinerías de petróleo ubicadas en territorio brasileño y también realizar importantes inversiones en el ámbito del agronegocio.

Al escenario de una posible prisión de Bolsonaro por el crimen de apropiación indebida de bienes del Estado, hay que sumarle el reciente fallo de inelegibilidad por ocho años decretado por el Tribunal Superior Electoral (TSE). Por este motivo, la extrema derecha brasileña se encuentra volcada a la búsqueda de un o una substituta del condenado líder que no podrá concurrir a las elecciones de 2026. Candidatos no faltan y algunos de ellos ya han señalado que quieren tener al lado a Jair Bolsonaro como “imagen propaganda” para conquistar el voto de los electores que continúan apoyando al ex capitán. Resta saber, si un Bolsonaro procesado y encarcelado podrá servir para sus campañas en un futuro no muy lejano.

terça-feira, 8 de agosto de 2023

La policía brasileña opera como una máquina de exterminio

Fernando de la Cuadra
Socialismo y Democracia

¿Cuántos más necesitan morir para que esta guerra acabe?
Marielle Franco, un día antes de ser asesinada

En la última semana, tres masacres cometidas por miembros de la Policía Militar y la Policía Civil de los Estados de Sao Paulo, Rio de Janeiro y Bahía, pusieron nuevamente en discusión la fuerza desmedida de que hacen uso las fuerzas policiales del país. Hasta el momento, por lo menos 45 personas fueron ultimadas en operaciones realizadas en esos Estados, aunque el número puede subir de acuerdo a defensores de los Derechos Humanos que siguen recabando informaciones sobre las víctimas.

En los tres casos, por relatos de habitantes de esas comunidades se sabe de situaciones en que pobladores y trabajadores desarmados fueron fusilados sumariamente por la policía, sin derecho a legítima y amplia defensa. Solo en la ciudad de Rio de Janeiro, en lo que va de este año se han producido 33 masacres en favelas y áreas periféricas con 125 personas fallecidas. El perfil de la mayoría de los muertos o presos en estos “enfrentamientos” es el mismo: son jóvenes, pobres y negros.

El 6 de mayo de 2021, una tropa de la policía civil de Río de Janeiro entró en la comunidad de Jacarezinho y mató a 27 moradores, todos hombres jóvenes, negros y pobres. Según consta en las investigaciones posteriores, la mayoría de estas personas fue ejecutada sumariamente, con disparos en la nuca después de haberse rendido (La banalización de la muerte y la masacre de los pobres).

Algunos casos tienen mayor cobertura periodística, como fue el desaparecimiento en julio del 2013 de Amarildo de Souza desde el interior de una Unidad de la Policía Pacificadora (UPP) en la favela de la Rocinha o el más reciente asesinato de un conductor de motocicleta en Alagoas, Genivaldo Jesus dos Santos, quien fue asfixiado por una bomba lacrimógena lanzada dentro del portaequipaje del furgón de la Policía Rodoviaria Federal (PRF), cuando este ya se encontraba esposado dentro del vehículo.

Esta enorme letalidad plantea seriamente la discusión sobre el carácter violento y extralegal que promueve el Estado brasileño para enfrentar a aquellos grupos o individuos que considera “criminales”. Es decir, dicho Estado se ha caracterizado por haber ejercido una violencia permanente sobre las poblaciones más pobres y vulnerables. La secuencia sostenida de asesinatos y masacres provocadas por agentes del Estado durante el gobierno de Bolsonaro, solo vino a confirmar la dimensión de cuanto se encuentra enquistado en el aparato público el desprecio por la vida de pobres, negros e indígenas.

En el primer año de gobierno del ex capitán, fueron más de 47 mil muertes violentas en el país, de las cuales el perfil de la mayoría de los fallecidos era similar, 74% de ellos eran negros que residían en áreas pobres y la mitad tenía entre 15 y 29 años. Aun cuando una parte de los fallecidos en estas acciones se encuentra vinculado con actividades de tráfico de drogas, ellos forman parte de una estadística entre aquellos que fueron ejecutados por la policía y agentes de seguridad sin derecho a un juicio previo. Pero, además muchas de las muertes corresponden indudablemente a personas inocentes que fueron ejecutadas por causa de una simple sospecha o porque fueron alcanzadas por las llamadas balas perdidas.

Esta “incompetencia” de las Policías de Rio de Janeiro ya fue contabilizada por investigadores de la Universidad Federal Fluminense (UFF) que analizaron 11.323 operaciones en el Estado durante los últimos 15 años, llegando a la conclusión que, del número total de muertos, heridos y presos, en el 85 por ciento de estos casos las acciones fueron ineficientes o directamente desastrosas.

El mismo informe apunta que “las actuaciones policiales pueden ciertamente ser impulsadas por la emoción y, consecuentemente, por motivaciones que pueden extrapolar los límites del deber funcional de los policiales”. Lo anterior solo viene a confirmar la falta de preparación que poseen dichos agentes en muchos aspectos de su formación profesional.


La violencia policial desde la formación del Estado brasileño

En su análisis del Estado moderno, Max Weber definía tal Estado como una asociación de dominación con carácter institucional que ha tratado, con éxito, de monopolizar dentro de un determinado territorio la violencia física legitima como medio de dominación. Dicho Estado, por lo tanto, se encontraría avalado por la aceptación de la ciudadanía para ejercer el uso exclusivo de la violencia a partir de la legitimidad que le otorgaría la propia población que decide voluntariamente obedecer a este poder por un fin superior de la sociedad.

Entonces surge la siguiente interrogante: ¿Cuál es la legitimidad que posee un Estado que traiciona la confianza de sus ciudadanos cuando reprime a los grupos más desprotegidos? En rigor, lejos de cumplir y respetar este compromiso con los habitantes del país, el Estado brasileño se ha constituido desde sus orígenes como un Estado policial, represivo, miliciano y autoritario, destinado a aplicar una violencia desmesurada e intencional sobre sus poblaciones más pobres y vulnerables. Desde los tiempos del descubrimiento, las agencias de seguridad del Estado se han encargado de criminalizar y masacrar a los pobres, como ha sido estudiado y documentado por centenas de trabajos relativos a la violencia policial durante el Brasil Colonial, Imperial y Republicano.

A fines del siglo XIX los primeros asentamientos urbanos ubicados en los morros recibieron el nombre de “barrios africanos” y posteriormente de favelas. Con la aparición de las favelas más modernas a comienzos de los años setenta, estas áreas de la ciudad fueron consideradas un verdadero caldo de cultivo de violencia y criminalidad. El proceso de producción de los espacios de la favela fue tradicionalmente marcado por la oposición entre el mundo de la sana convivencia del asfalto (ciudad baja) y el mundo conflictivo y peligroso de los morros, foco de la criminalidad y la delincuencia.

Por lo mismo, las favelas han sido identificadas durante mucho tiempo como zonas dominadas por el miedo y por prácticas ilegales que es necesario combatir con excesivo y ejemplar rigor. Entonces, las policías fueron preparadas durante décadas para considerar a los habitantes de estas comunidades como enemigos de la Patria. Ni siquiera el Proyecto de las Unidades de la Policía Pacificadoras (UPP) logró superar esta visión de que las favelas son un espacio de terror que incuba un “enemigo interno”, reproduciendo al final el mismo padrón represivo utilizado históricamente como mecanismo de control y sumisión por la Policía Militar.

El aumento de la pobreza, la disminución de las garantías laborales y sociales, la fragilización del empleo y, en general, la precarización de la vida impulsados por el neoliberalismo salvaje solo ha provocado una profundización de las condiciones de sobrevivencia de la población brasileña, especialmente claro, de los habitantes más vulnerable del país. La respuesta del Estado frente este escenario ha sido la instalación de mayores grados de vigilancia y represión sobre estas comunidades, asociando a sus habitantes –especialmente los más jóvenes- a potenciales criminales.

Frente a los “excesos” de la Policía, las autoridades responden con la impunidad de los victimarios, cuando no con la displicencia de sus instituciones. Ello porque para el Estado brasileño -desde hace muchos años-, el combate a los pobres pasó a ser el combate de los pobres por medio de la penalización, la cárcel o el asesinato. Como certeramente nos advierte Loïc Wacquant, “la penalización funciona como una técnica para la invisibilización de los problemas sociales que el Estado ya no puede o no quiere tratar desde sus causas, y la cárcel actúa como un contenedor judicial donde se arrojan los desechos humanos de la sociedad de mercado”.

Y el asesinato, diríamos, opera como una estrategia del terror para propagar el miedo y la subordinación incondicional al Estado y a los designios del mercado entre la población más pobre. La consigna repetida incansables veces por la extrema derecha de que “bandido bueno es bandido muerto” se internalizó en las instituciones policiales y su consiguiente huella mortífera que se sigue arrastrando por el territorio brasileño hasta el presente momento.

¿Qué respuesta pueden dar las instituciones del Estado Democrático de Derecho y la propia sociedad? Quizás esta sea la hora más precisa para que el actual gobierno transforme sustancialmente esta realidad macabra que continúa perpetuándose al interior de las fuerzas de seguridad, muchas veces con el respaldo o la omisión aberrante del sistema judicial amparado por un ficticio Estado Democrático de Derecho.

Y, por cierto, también el conjunto de la sociedad brasileña deberá desempeñar un papel protagónico en la denuncia permanente y en el enfrentamiento movilizado contra las acciones de estas policías que siguen escudándose en la displicencia de los ciudadanos, así como también continúan refugiándose en la impunidad que otorgan las instituciones del Estado.

quinta-feira, 3 de agosto de 2023

De las palabras a los hechos: las leyes raciales del nazismo


Francisco Javier Blázquez
The Conversation

El 14 de julio de 1933 el gobierno de Hitler aprobó la Ley para la Prevención de Progenie con Enfermedades Hereditarias con el objetivo de esterilizar a personas que eran consideradas biológicamente inferiores.

En principio, esta ley había sido promulgada para impedir la trasmisión de enfermedades hereditarias. Pero en realidad sirvió para llevar a cabo una política general de esterilización obligatoria, así como de exterminio, de las personas que padecían defectos físicos o mentales.

Adolf Hitler, considerado por algunos especialistas como el gran simplificador, estaba convencido de que la supremacía de los arios solo era posible a través de la regeneración y purificación de la sangre germana.

De ahí que dos años después, el 15 de septiembre de 1935, promulgara la “Ley para la protección de la sangre y el honor alemanes” y promoviera la aplicación del Programa Aktion T4, en virtud del cual perdieron la vida más de 70 000 enfermos de párkinson, alzhéimer o epilepsia a los que practicaron la “eutanasia compasiva”.

El motivo no ofrecía lugar a dudas para los dirigentes nazis. La salud e “higiene racial” eran prioritarias. Inexcusablemente. El racismo biológico debía imponerse sacrificando los principios de igualdad, libertad o dignidad emanados del liberalismo precedente.

El racismo histórico

 Es preciso recordar que, con anterioridad, teóricos racistas como el Conde Bufon en Historia Natural, así como el Conde de Gobineau, a través del Ensayo sobre la desigualdad de las razas humanas en 1853, habían defendido que la raza blanca ocupaba el nivel superior y que la mezcla racial resultaba degenerativa.

Sin embargo, conviene precisar a este respecto que el concepto de “raza”, al igual que el de “población”, no deja de ser tan solo una abstracción de carácter especulativo, que carece de correspondencia empírica alguna. De hecho, el término “raza” no describe ninguna cualidad humana, específica, que sea diferenciada, y menos hace referencia a ningún dato objetivo.

No obstante, una vez más, el mito de la raza tan extendido por Europa, irrumpía de nuevo. La puesta en práctica de la política racial nazi era la prueba de que los mitos, más allá de su eventual atractivo romántico o literario, pueden erigirse en armas poderosas que entrañan graves peligros. Podría decirse que están preñados de fantasmas y que son capaces de engendrar barbarie.

A veces, los mitos salen de las cavernas en las que hibernan, entran en acción seduciendo a las mentes y entonces se tornan mortíferos, pues se comportan, tal y como advierten Yves Ternon y Socrate Helman, “como el gas que desintegra el alma, degrada la razón y aniquila la voluntad de ser libre”.

No ha de extrañar que, a partir de esas coordenadas, tanto los judíos como los gitanos, los minusválidos o los enfermos mentales, fueran percibidos por el nazismo como un claro peligro para el desarrollo del ideal de la pureza genética del pueblo alemán, eje central de su proyecto político.

Crisis económica y proyecto totalitario

Conviene recordar que tanto la situación económica que padecía Alemania por la hiperinflación de 1923 como la crisis de 1929 acentuaron las dificultades de un país estragado tras la derrota de la Primera Guerra Mundial en un proceso de creciente inestabilidad política y fragilidad institucional.

La firma del Tratado de Versalles había desplazado a Alemania del puesto que ostentaba anteriormente, reservado a las grandes potencias. Previamente, el representante del gobierno británico, J. M. Keynes, había anticipado las consecuencias que podrían derivarse de unas condiciones de reparación de guerra tan exigentes. A partir de entonces, numerosos desempleados, comerciantes y empresarios arruinados se dejaron seducir por las expectativas que generaba el discurso nacionalsocialista.


Entre tanto, los dirigentes nazis se sirvieron de técnicas de propaganda de masas e hicieron uso de un lenguaje metafórico, a veces eufemístico. Hablaban en términos de “plaga” aludiendo a los judíos y de “bacilos” o “bacterias” para referirse a los gitanos, y los consideraban nocivos para el organismo social, es decir para la salud del Estado.

La expresión habitual de “sobres vacíos” o “cuerpos sin alma” asignada a los enajenados mentales, así como “solución final” para apelar al holocausto, formaban parte de una estrategia planificada que perseguía como objetivo vaciar de contenido y alterar el significado de las palabras.

Advertencias del riesgo totalitario

Pocos autores como el escritor judío de origen austríaco Stefan Zweig fueron capaces de hacer público, antes de la llegada al poder del nacionalsocialismo, el grave riesgo en el que estaba incurriendo Alemania. En reiteradas ocasiones advirtió que el gobierno del país podía caer en manos de un régimen totalitario de carácter fascista, tal y como sucedía ya en Italia. Esto haría retroceder al continente europeo a periodos históricos de crueldad y violencia prácticamente olvidados.

Sus palabras siguen siendo tan expresivas como elocuentes cuando afirmaba, para referirse al ambiente que impregnaba el avance de la ideología nazi: “la mentira extiende descaradamente sus alas y la verdad ha sido proscrita; las cloacas están abiertas y los hombres respiran su pestilencia como un perfume”.

Del mismo modo, el creador del psicoanálisis Sigmund Freud, igualmente judío de origen, había manifestado, antes huir de Viena para vivir en Londres: “Nunca se sabe adónde se irá por ese camino. Primero uno cede en las palabras, después poco a poco en la cosa misma”.

Han pasado ya nueve décadas, pero el deber de recordar aquellos hechos ignominiosos se ha convertido en un imperativo moral que no podemos eludir. Ignorarlos u olvidarlos sería un acto de negligencia. Máxime, teniendo en cuenta la fuerza que está adquiriendo en los últimos años el discurso xenófobo y ultranacionalista de la extrema derecha.

En última instancia, tal y como advertía el Premio Nobel de Literatura José Saramago: “Somos la memoria que tenemos y la responsabilidad que asumimos. Sin memoria no existimos y sin responsabilidad quizás no merezcamos existir”.