segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

O primeiro ano de Obama


Gilles Anquetil & François Armanet
Le Nouvel Observateur

Nome central da ficção dos EUA, Russell Banks diz que, um ano após ser eleito, presidente obteve trunfos no plano interno, mas prosseguiu a política de George W. Bush na área externa.

Russell Banks é um dos mais importantes romancistas norte-americanos da atualidade. Várias obras suas já foram transpostas para o cinema, como "O Doce Amanhã" e "Temporada de Caça" -por, respectivamente, Atom Egoyan e Paul Schrader. Figura de destaque entre os progressistas dos EUA e um dos primeiros a apoiar a candidatura de Obama, Banks faz, no entanto, um balanço duro dos 12 primeiros meses do governo do democrata. Para ele, no plano externo Obama praticamente não se distancia do governo de seu antecessor, George W. Bush. É apenas nos assuntos internos que Obama se afirma de forma mais clara -embora, segundo ele, ainda aqui de modo um pouco decepcionante.

Quais são os êxitos e os fracassos do governo Obama?

Deixemos de lado sua personalidade e sua habilidade retórica. No Iraque e no Afeganistão, nada mudou. Paquistão, Iêmen, Irã, Coreia do Norte? Menos discursos belicosos e moralizadores, mas, no fim das contas, é a mesma coisa de sempre. O conflito israelo-árabe? Cuba? Venezuela? Rússia? China? Até mesmo nas nossas relações com a "velha Europa" -e apesar de uma mudança bem-vinda no tom e na escolha das palavras usadas-, a continuidade entre George W. Bush e Obama é tão manifesta como se tivesse sido John McCain [candidato republicano derrotado] quem tivesse prestado juramento, 12 meses atrás.

As mudanças são superficiais, linguísticas, estilísticas e protocolares. Em outras palavras, são puramente táticas. A estratégia global de longo prazo permanece a mesma. Na política interna, em contrapartida, a diferença entre as Presidências Bush e Obama é perceptível. Nos últimos 25 anos, de Ronald Reagan a Bill Clinton, incluindo os dois, todos os presidentes americanos e seus partidários se esforçaram para desmantelar e privatizar as políticas sociais implantadas por Roosevelt durante a Grande Depressão e, depois, por Lyndon Johnson e Richard Nixon nos anos 1960 e 1970.

Sob esse ponto de vista, o centro da vida política americana deslocou-se progressivamente para a direita ao longo dos últimos 40 anos. E, em um sistema de dois partidos, como o nosso, é o centro que é determinante, especialmente em matéria de política interna e econômica. Ao reagir diante da crise econômica, Obama soube fazer esse centro mover-se alguns graus para a esquerda. Nesse caso específico, as palavras empregadas, o estilo e o tom contribuíram para fazer aplicar uma política que não é a de seus predecessores. A população dos EUA está voltando a pensar que, em uma sociedade industrial moderna, é correto e necessário que sejam subvencionadas as necessidades dos pobres, dos sem-teto, dos doentes e dos idosos. Em outras palavras, Obama fez a opinião pública evoluir em matéria de política interna.

É legítimo ou injusto decepcionar-se com Obama após um ano de mandato? O sr. ainda confia nele?

Um ano é um quarto do mandato de um presidente americano. É o suficiente para ter uma ideia do estado de espírito, das intenções e da competência de um presidente. Quem esperava que Obama se revelasse um progressista determinado a pôr fim a um século de imperialismo americano fora de nossas fronteiras e a construir uma social-democracia moderna entre nós deve estar profundamente decepcionado, porque não é isso o que vai acontecer. Mas é impossível ter esse tipo de expectativa quando se sabe como funciona o sistema político americano.

Quando sabemos, por exemplo, que o senador conservador de um pequeno Estado agrícola como o Nebraska tem tanto poder, e às vezes até mais, que seu homólogo progressista de Nova York e que ele pode usar desse poder para bloquear um projeto de lei reformista. Quando sabemos, por exemplo, que as grandes empresas e os grandes doadores financiam as campanhas eleitorais de todos os parlamentares, dos governadores de Estados, de prefeitos e outros eleitos e até mesmo, em alguns Estados, dos juízes e procuradores. Não somos uma democracia. Somos uma República que se esforça há um século para tornar-se uma plutocracia e que está a caminho de consegui-lo.

Por razões estruturais, e mesmo quando tem a intenção, Obama não tem chance nenhuma de satisfazer as expectativas que suscitou entre as esquerdas americana e europeia. Para sermos honestos, ele não mentiu -muito- para nós nem fez promessas que não poderia cumprir, salvo, talvez, a de fechar Guantánamo em 12 meses. Ouvimos promessas que não existiam. Isso talvez seja compreensível: após oito anos de Presidência Bush, estávamos na situação de um homem ou de uma mulher presos em um casamento desastroso: mesmo que ela não pareça nada de especial, a primeira aventura extraconjugal que se apresenta nos parece irresistivelmente sexy.

O Partido Democrata é leal a Obama?

Em um sistema bipartidário como o nosso, os dois grandes partidos são coalizões -uma coalizão da esquerda e uma coalizão da direita que se entrecruzam e se sobrepõem no centro. Após a Guerra do Vietnã, as revoluções culturais dos anos 1960 e 1970 e o surgimento do fundamentalismo religioso na vida política do país, esse centro se deslocou para a direita. Os oito anos em que os "novos democratas" de Bill Clinton estiveram no comando não mudaram nada. Pelo contrário. Por isso, a coalizão que chamamos de Partido Democrata e da qual Obama é o líder não oficial exprime muito melhor os pontos de vista de conservadores como os senadores Joseph Lieberman (Connecticut) ou Ben Nelson (Nebraska) que os de progressistas como os senadores Bernie Sanders (Vermont) ou Dianne Feinstein (Califórnia).

Os EUA não são uma democracia parlamentar na qual o chefe do partido que ganha as eleições de torna o chefe da nação. É o contrário. O chefe da nação se torna chefe de seu partido, mas isso não quer dizer que ele controle ou representa os interesses do partido. Gostamos de acreditar que o presidente encarna os interesses e a vontade do povo, da totalidade do povo e que, como tal, ele se coloca acima dos interesses dos partidos. Por isso, é inútil queixar-se da hesitação de uma grande maioria democrata no Congresso em unir-se sob a autoridade de um presidente democrata. Não foram os 60 senadores que o elegeram presidente, foram os norte-americanos que o fizeram. E ele só foi eleito porque soube captar as vozes dessa maioria que se define como independente e afirma não pertencer a nenhum partido. Mas não há independentes no Congresso.

Obama está ligado demais às potências financeiras? Será que conseguirá de fato reformar profundamente o sistema que causou a crise?

Na véspera de sua posse, quando ele nos apresentou os homens e as mulheres que recrutou para impedir que a grande recessão se convertesse em uma grande depressão, ficou claro que as pessoas que Obama considerava como as mais qualificadas para fazer a economia americana funcionar eram as mesmas que a tinham posto de joelhos: Timothy Geithner, Lawrence Summers, Peter Orszag, Ben Bernanke e todos os outros. Todos vêm de Wall Street ou do alto mundo financeiro de Washington. Não há entre eles nenhum que represente de algum modo os interesses dos operários, dos pequenos proprietários, dos pobres ou mesmo da classe média. Não há nenhum líder sindical, nenhum militante associativo; não há intelectuais ou acadêmicos independentes.

Um ano mais tarde, a situação melhorou, principalmente para Wall Street e os balancetes dos grandes bancos e instituições financeiras. Para a maioria dos americanos, porém, a situação piorou. Segundo o "New York Times", uma família em cada oito tenta sobreviver sem fonte de receita nem meios para comprar alimentos, exceto os cupons alimentícios financiados pelo governo federal. O índice de desemprego oficialmente contabilizado passa dos 10% da população ativa e aumenta constantemente. Os bancos puderam engordar graças ao dinheiro dos contribuintes, porém os sem-teto proliferam como metástases. Mas os mercados estão em alta, chegando a um nível próximo ao de antes da crise, e os bônus e as opções de ações pagos a banqueiros e corretores de ações não são menos obscenos do que eram um ano atrás. Como muitas crianças carentes criadas sem a presença paterna, Obama é um homem que confia demais na autoridade dos ricos, quando o assunto é economia e gestão das finanças.

Os EUA vêm hesitando em honrar suas promessas em matéria de ecologia e da luta contra o aquecimento climático. Obama será mais ousado que seu predecessor?

Ele é incontestavelmente mais dinâmico e mais audacioso que Bush, mas isso não é muito difícil. Basta ele comparecer a uma cúpula internacional ou enviar um representante que não insulte os outros participantes. Foi o que ele fez, aliás. Mas também, nesse quesito, ele parece estar mais disposto a seguir os americanos do que a lhes mostrar o caminho. Em razão da angústia provocada pela crise econômica, a maioria dos americanos não se preocupa com o desastre ecológico iminente, exceto à medida que afete seu cotidiano. Em épocas de crise, o planejamento de longo prazo é eclipsado pelas necessidades do curto prazo: alimentação, abrigo, atendimento médico, emprego. É um pouco como se uma onda gigante estivesse ganhando força perto do litoral e vindo em nossa direção, enquanto nós nos acotovelamos para garantir um lugar na fila da agência de empregos. O ano que vem não existe para os pobres: as esperanças deles se limitam ao dia seguinte. Para que a população pudesse conceder a Obama o poder de agir de modo voluntarista e inovador diante da crise ecológica, seria preciso que desse provas de imaginação para resolver a crise financeira atual. Coisa que ele não faz.

Os EUA de Obama se tornaram mais respiráveis?

Sim, desde que você não inspire muito profundamente. Apesar das críticas e das reservas que apresentei, é muito mais agradável ouvir Obama do que ouvir Bush, se você dá valor às palavras. E, se por acaso você prefere ter um presidente moderno, plugado na internet e elegante, se você prefere que ele tenha senso de humor, seja espirituoso e nutra um respeito sadio pela arte e a cultura, se você prefere que ele tenha lido alguns livros de história e filosofia e que se recorde de suas leituras, então, sim, os EUA hoje são um lugar culturalmente mais agradável do que foram nos oito anos anteriores.

Se você deseja que o presidente reflita a diversidade da população em suas próprias origens raciais e familiares, então é um alívio ter um presidente cujo pai é africano e cuja mãe veio do Kansas, um homem cuja mulher é descendente de escravos afro-americanos e cujas duas filhas pequenas são o retrato vivo das colegas de classe ideais que você desejaria para seus próprios filhos. Mas, se você inspirar mais fundo, os EUA de Obama não são mais respiráveis do que foram os EUA dos anos Bush.

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