quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

A miséria na rica Europa


Celso Japiassu
Fórum 21

Um continente rico, composto de países ricos onde impera um sistema de bem estar social e que aprendeu, depois de tantas guerras e crises por que passou, a vencer a pobreza e a miséria das suas populações. Esta é a imagem que a Europa vendeu para o mundo e na qual o mundo passou a acreditar. Mas é uma ilusão porque a Europa, hoje, dominada por sistemas neoliberais na economia e à direita na política, contabiliza mais de 120 milhões de pessoas que vivem na fronteira da miséria numa população de pouco mais de 500 milhões de habitantes nos 27 países que compõem a União Europeia. Ou seja, perto de 25 por cento das populações da Europa vivem no limite da carência total de meios de subsistência.

O aumento da pobreza - quatro por cento maior do que antes da crise de 2008 - é atribuído ao desemprego, aos salários mais baixos, contratos de trabalho precários, acesso mais difícil à habitação e preços mais altos para energia, comida e saúde. Tudo agravado com a guerra da Ucrânia dentro das fronteiras do velho e orgulhoso continente e as consequências da pandemia de Covid 19.

A difícil situação

Mesmo quem tem emprego sofre a injustiça e não há garantia para condições de trabalho com dignidade. Em Gotse Delchev, no sudoeste da Bulgária, por exemplo, os empregados da fábrica Pirin-Tex trabalham muito para ganhar muito pouco. A Pirin-Tex emprega 1800 pessoas e opera principalmente para a marca de luxo Hugo Boss. Talvez seja bom não esquecer que Hugo Boss, empresário alemão filiado ao Partido Nazista, morto em 1948, desenhou os uniformes das sombrias Sturmabteilung (SA), Schutzstaffel (SS), da Juventude Hitlerista e do NSKK. Produziu os uniformes e ganhou muito dinheiro com a mão de obra escrava dos prisioneiros dos campos de concentração.

A pressão é enorme, dizem os empregados búlgaros de Hugo Boss, que se queixam de serem tratados como robôs. São fabricadas 12 mil peças de roupa por semana e a produção de cada empregado é controlada por tablets individuais. Os operários conseguem terminar diariamente, no máximo, apenas 60 por cento das tarefas que lhe são atribuídas e por isso os seus salários ficam abaixo do que foi contratado.

Mesmo nos países mais ricos a situação é também difícil. Na França, quase quinze por cento da população é considerada pobre ou muito pobre. Cerca de 400 mil pessoas caíram para a pobreza só no ano de 2018. Na Alemanha foram identificadas cerca de 700 mil pessoas sem teto, a maioria vivendo em abrigos mas 50 mil são moradores de rua.

A felicidade nórdica

 Nos países nórdicos, como Finlândia, Noruega e Dinamarca, a ideia de que eles são mais felizes mascara uma realidade sombria. São países que ocupam os primeiros lugares nos rankings de felicidade e bem estar. Mas um relatório do Conselho de Ministros Nórdicos e do Instituto de Pesquisa da Felicidade, de Copenhague, sugere que a reputação dos países nórdicos como "terras da felicidade" estão mascarando problemas importantes de parte da população, especialmente dos jovens entre 16 e 24 anos.

Uma pesquisa recente feita por aquelas entidades revela que mais de 12 por cento das pessoas declaram que se encontram em estado de sofrimento. O desemprego, a renda e a solidão têm a ver com este percentual. Os jovens, principalmente, declaram-se sozinhos e estressados. "Estamos vendo que essa epidemia de transtornos mentais e de solidão está chegando aos países nórdicos", disse Michael Birkjaear, um dos autores do relatório daquela pesquisa, ao jornal britânico The Guardian.

Na Finlândia, entre 2012 e 2016, o suicídio foi responsável por 35% de todas as mortes entre os mais jovens. Segundo a pesquisa, embora 3,9% das pessoas na região nórdica tenham declarado viver "em sofrimento", essa taxa em outros países é muito maior: 26,9% na Rússia e 17% na França.

O que fazer

Os estrategistas da União Europeia advertem que o envelhecimento das populações, provocado pela diminuição da taxa de natalidade e aumento da esperança de vida, está aos poucos tornando insustentável o modelo social europeu, pois aumentam as necessidades na área da saúde e pensões e vai diminuindo o número de pessoas em idade ativa.

Os objetivos da União Europeia para os próximos anos para enfrentar a pobreza visam aumentar o número e a qualidade dos empregos através de políticas nacionais em cada um dos países que levem em consideração o investimento em educação e treinamento e, genericamente, “a busca da justiça, combate à pobreza e promoção de oportunidades iguais para todos”.

A pobreza não é o mesmo que desigualdade, dizem alguns estudiosos do assunto. Mesmo nas sociedades desiguais quem ganha menos não vive necessariamente em situação de carência. Mas os pobres não dispõem de meios para sobreviver e podem chegar à indigência da miséria absoluta. São os jovens dos 18 aos 29 anos os que sofrem maior risco de caírem na pobreza. Segundo Christine Lagarde, que foi diretora do FMI e hoje é presidente do Banco Central Europeu, “os jovens da Europa colocaram seus sonhos em espera”.

Nicanor Cué, líder metalúrgico e dirigente do Partido da Esquerda Europeia, diz que “trabalhamos cada vez mais, somos mal remunerados”. E acrescenta que “há um grande número de problemas que se vão acumulando no seio da Europa. Temos que os resolver porque existe o risco de a Europa explodir sob a ascensão da extrema-direita que quer desmantelar a Europa”. Um dos lemas do Partido da Esquerda Europeia é “por uma Europa do povo e não do capital”.

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