quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

Na pandemia, Exército volta a matar brasileiros


Luiz Fernando Vianna
Revista Época

Em vários momentos da nossa história, o Exército brasileiro se pôs a matar a população em grande quantidade. Na Revolta de Canudos, por exemplo, destruiu um povoado de 25 mil habitantes, na Bahia, em 1897. Nem as crianças foram poupadas. A Comissão Nacional da Verdade, que atuou entre 2012 e 2014, apontou 434 mortos e desaparecidos pelo Estado brasileiro entre 1946 e 1988. A maior parte dos crimes aconteceu durante o regime militar (1964-1985), quando as Forças Armadas se uniram às polícias para torturar e assassinar.

Com a redemocratização, o Exército se adequou ao seu papel constitucional. Nos últimos anos, começaram a acontecer coisas antes impensáveis, como um general, Eduardo Villas Bôas, pressionar o Supremo Tribunal Federal para que não se tomasse uma decisão em favor do ex-presidente Lula.

No governo de Jair Bolsonaro, o Exército voltou a se lambuzar de política. Oficiais da ativa e da reserva ocupam postos-chave, participam de manifestações antidemocráticas e, assim, emitem sinais de que as Forças Armadas endossam o que presidente diz e faz.

No momento, o Exército participa de um massacre. Um general, Eduardo Pazuello, aceitou ser ministro da Saúde mesmo, como admitiu, sem saber o que é o SUS (Sistema Unificado de Saúde). Suas credenciais eram as de um craque da logística. Ele pode ser bom em distribuir fardas e coturnos, mas, como estamos vendo, não sabe salvar vidas.

Demorou a comprar seringas e agulhas, e ainda mandou um lote vir de navio, porque é mais barato. Só agora, e quase à revelia dele, cidadãos daqui começam a ser vacinados, embora mais de 35 milhões já tenham sido ao redor do planeta. O Brasil passou dos 209 mil mortos, e Pazuello continua defendendo o uso de remédios que não servem para combater os efeitos do coronavírus.

Não se trata de um caso isolado, de um incompetente que está fazendo trapalhadas. Bolsonaro o nomeou para que ele as fizesse. O lambe-botas do presidente soube com dias de antecedência que os hospitais de Manaus entrariam em colapso por falta de oxigênio para os pacientes. Nada fez, a não ser prescrever a inútil cloroquina. A tragédia do Amazonas reforça o que não é novidade, mas ainda assim é terrível: temos um governo que atua para que um número cada vez maior de brasileiros morra. Não é acidente, é projeto. Em cada mil brasileiros, um já morreu de Covid-19.

Os generais de Brasília (Mourão, Augusto Heleno, Braga Netto, Azevedo e Silva) pouco fazem além de inscrever seus nomes na história como operadores de um morticínio – não se pode usar a palavra genocídio porque algumas damas da intelectualidade ruborizam.

O Exército ainda está sendo cúmplice da, quem diria, venezuelização do Brasil. Em vez das milícias boliviarianas de Hugo Chávez e Nicolás Maduro, estão em formação as milícias bolsonaristas: facilitação da compra de armas por civis, aumento de poder e de vencimento para policiais, mobilização de apoiadores contra o Legislativo e o Judiciário para que estes se submetam ao Executivo. Enquanto tentamos sobreviver na pandemia, temos um governo que joga contra nós e é integrado por oficiais que envergonham as fardas que vestem ou vestiam.

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