sábado, 1 de outubro de 2011

Bolívia: o imbróglio do TIPNIS



Pablo Stefanoni
Página 7


O conflito envolvendo o Território Indígena e Parque Nacional Isiboro Sécure (TIPNIS), na Bolívia, tem, sem dúvida, várias dimensões, constituindo um verdadeiro imbróglio em termos ideológicos. Talvez os conflitos mais difíceis de resolver sejam aqueles em relação aos quais não se pode traçar uma linha nítida entre bons e maus, justos e pecadores, consequentes e traidores. E isso ocorre no caso do TIPNIS, onde parece haver argumentos “razoáveis” distribuídos em ambos os lados da discussão sobre a estrada. Vejamos dois eixos das apaixonadas discussões sobre esse caso.

Quem são os pró-imperialistas?

Por exemplo, para aqueles que assinaram o manifesto pela recondução do processo de mudança, a estrada é só uma pata do projeto do IIRSA para aprofundar a matriz extrativista a favor do subimperialismo brasileiro e do imperialismo em geral. “Igualmente contraditório é o fato de que estes governos, subordinados a interesses geopolíticos transnacionais das velhas e novas hegemonias como China e Brasil, continuem desenvolvendo projetos de integração ao mercado mundial impulsionados pelas forças de dominação do sistema mundo capitalista; como são aqueles desenhados pela Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sulamericana (IIRSA)”, escreve o ex-ministro de Hidrocarbonetos e ex-presidente da Assembleia Constituinte equatoriana, Alberto Acosta (“A maldição da violência. O Extrativismo posto a nu”). Ou seja, a estrada servirá para reforçar o modelo de acumulação por retirada da posse, tal como analisado por David Harvey. Ou seja, a estrada seria pró-imperialista.

Entretanto, o ex-ministro de Hidrocarbonetos, Andrés Soliz Rada, pode argumentar exatamente o contrário (e, em parte, também o governo, como faz García Linera no livro “El ONGismo, enfermidade infantil do direitismo”): que o imperialismo está do lado daqueles que se opõem à construção da estrada.

“Entre os dias 9 e 14 de julho deste ano, a embaixada dos EUA em La Paz patrocinou conferências dos Acadêmicos Lindsay Robertson, Stephen Greetham e Amanda Cobb. Greetham disse que em seu país ‘as tribos são donas dos recursos naturais que estão sobre a terra e debaixo dela’. Robertson acrescentou que ‘onde há gás, sua propriedade é dos povos indígenas e não de toda a população’”, escreveu Soliz Rada.

O vice-presidente García Linera já havia acusado indígenas do Norte paceño de contratar um escritório de advogados em Bruxelas para frear a exploração petroleira nessa região amazônica. Soliz assinala, além disso, que a Bolívia seria o primeiro país da América do Sul em que as ONGs controlam o poder. Desde a posição do eco-socialismo, o australiano Federico Fuentes adverte para os riscos de se cair nas mãos do “imperialismo verde”.

Desenvolvimento, “não desenvolvimento” ou desenvolvimento para quem?

Outra das características do conflito é o nível de oportunismo desmedido que aflorou nestes dias. A direita passou, da noite para o dia, a mostrar uma sensibilidade pela Mãe Terra e pelos irmãos indígenas ao estilo e na magnitude do ateu que, da noite para o dia, descobre uma fé. Só que nesse caso não chega nem ao status de conversão sem fé, é só uma pobre atuação teatral de péssimo nível. Eu creio que caso se debatesse na Bolívia, com honestidade intelectual e sem excessos de retórica nem ultra-romantismos, qual modelo de país quer a maioria do povo, isso seria um grande avanço. A frase de Evo: “Para os que têm tudo, é simples dizer que não haja desenvolvimento. Deveriam ir ver como vivem as pessoas do TIPNIS” – poderia ser um bom ponto para começar a discussão já que põe o dedo na ferida.

Queremos desenvolvimento? A que estamos nos referindo com esse termo? A um “grande salto industrial” ou a um estado de bem estar em pequena escala seguindo pautas da vida indígena/campesina? O que queremos e o que não queremos da modernidade? Ou ainda: o que a maioria dos bolivianos entende por “bem viver”? Como combinar ideias emancipatórias com mudanças nas condições de vida materiais? Hoje, para alguns, a resposta é ter uma estrada, enquanto que para outros é detê-la. E todos votam em Evo.

Finalmente, é necessário sair da histeria (nem o governo é autor de massacres, como afirmaram alguns em seus cartazes de protesto – apesar de que é preciso condenar a repressão sem ambiguidades – nem os indígenas são agentes da CIA, ainda que seus dirigentes devam explicar seus telefonemas à “Embaixada”, dos EUA, se é que existiram”.

Os dois lados precisam aprofundar a análise, mostrar estudos, dados e pesquisas mais precisas sobre a relação custo/benefício da estrada. Quanto melhoraria o acesso à saúde e à educação dos indígenas do TIPNIS, considerando os riscos envolvidos? Por que os aymaras que moram ao longo das estradas seguem sendo pobres e com acesso limitado à saúde? – como perguntou alguém no Facebook. Eles vivem melhor do que se não houvesse esses caminhos? Quanto mudaria a geopolítica nacional, tornando independente Beni de Santa Cruz? Quanto destruiria o ecossistema do TIPNIS? Em que medida a estrada está relacionada com a futura extração de petróleo no parque? A estrada é para favorecer a extração petroleira? Com base em que valores é preciso escolher entre acesso aos mercados e preservação de ecossistemas e espécies animais?

Por enquanto, a retórica a favor e contra – e os discursos desenvolvimentistas ou “pachamâmicos” grandiloquentes – ofuscaram esse tipo de debate. Oxalá a suspensão da obra dê tempo para enfrentar esses dilemas.

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