terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Co2penhague

Marcos Peres
Folha

O risco real de aquecimento global e o esgotamento das reservas de petróleo podem colocar em risco a existência das democracias tal como as entendemos hoje, defende o professor do Instituto de Ciências Políticas de Paris -Sciences Po- e da Universidade de Lausanne (Suíça) Dominique Bourg. Para ele, a democracia ocidental foi construída sobre a perspectiva enganosa de que os recursos naturais não se esgotariam. Isso é cada vez menos verdade, à medida que a produção de petróleo chega perto do seu ápice, e as energias alternativas são pouco mais do que uma promessa. Bourg defende uma estratégia efetiva e de alcance imediato, como a mudança de estilos de vida -basicamente, menos consumo. Caso contrário, alerta, não haverá mais espaço para deliberações -apenas para medidas autoritárias. Como lembra o pesquisador, regimes autoritários "estão mais aptos" a lidar com atitudes drásticas, ainda que necessárias. Pessimista, vê com preocupação a cúpula de Copenhague sobre o clima, que acontece na capital dinamarquesa. Bourg avalia que as reuniões preparatórias para o encontro não funcionaram, e que os graves problemas de fundo permanecem intactos.

Em entrevista ao semanário francês "Le Nouvel Observateur", o sr. disse que a crise ecológica pode levar a um novo "paradigma democrático" e que corremos o risco de viver em "ecogulags". Que relação há entre ecologia e fascismo?

Não há, em si, relação entre ecologia e fascismo, mas uma provável deriva autoritária dos atuais regimes democráticos, caso não consigam lidar com as grandes dificuldades atuais e futuras. Penso, em primeiro lugar, na mudança climática, em relação à qual já ultrapassamos o limite do perigo. E, em segundo, no pico da produção de petróleo, que estamos prestes a atingir. Nos dois casos, há contradição entre o curso atual das democracias, fundadas sobre o consumo crescente de recursos naturais (e isso vai muito além da energia) e as consequências daqueles dois fenômenos. De fato, não é possível reduzir em 40% as emissões de CO2 [dióxido de carbono] até 2020 (meta defendida pelo Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática) só por meio do avanço tecnológico. Também será preciso modificar nossos modos de vida, tanto em termos de consumo quanto de transporte. Em outros termos, ou as democracias mudam, reintroduzindo o primado do coletivo diante de um hiperindividualismo consumista, ou elas tenderão a se apagar diante dos regimes autoritários. Pois esses governos estão mais aptos a resistir à penúria, à violência e às mudanças abruptas de todo tipo.

Qual é sua expectativa quanto à cúpula de Copenhague?

Estou muito preocupado, porque não se alinhavou nenhuma possibilidade real de acordo durante as reuniões preparatórias. De resto, os problemas de fundo são sérios: as dificuldades que têm os antigos países industrializados de reduzir a dependência de suas populações dos combustíveis fósseis; a necessidade, para os países ricos, de pagarem a conta da adaptação dos países pobres; a impossibilidade de um acordo homogêneo etc. A proposta dos EUA para 2020 é ridícula, pois lida com dados de 1990 e defende uma redução [na emissão de gases] de 3%! Já a proposta da China de reduzi-la em 45% para cada ponto percentual do PIB é muito construtiva. No entanto somente medidas rápidas e importantes de redução na emissão de gases podem garantir um mínimo de segurança à humanidade.

O sr. alerta para o efeito "rebond", que pode ser definido como o aumento de consumo devido à redução dos efeitos nocivos graças ao uso de uma nova tecnologia...

Chamo de efeito "rebond" o mecanismo que, por meio de ganho de produtividade industrial, promove uma baixa de preços de determinado produto e, por consequência, um aumento do consumo. Desse modo, um carro "econômico" permite que se rode mais pagando-se o mesmo preço. Um computador consome hoje menos energia do que há cinco anos, mas a potência necessária, os diferentes tipos de utilização e o número de usuários não param ce crescer. Logo, o consumo global de energia também cresce: segundo a Agência Internacional de Energia, ele triplicará em 2030. Mesmo não podendo consumir mais do que um tipo de produto (não irá haver mais mortes só porque o preço dos caixões baixou!), a quantidade de capital liberada pelos ganhos de produtividade permitirá financiar outros tipos de consumo. Uma tecnologia nunca tem valor em si, mas em razão do contexto e da relação que se estabelece com ela. As tecnologias nunca constituem soluções puras e simples -a não ser nos manuais de economia.

Meios alternativos de energia, como a eólica, estão longe de serem viáveis em larga escala. O que se pode fazer a esse respeito?

Você tem razão, mas isso não deve se constituir em obstáculo para seu desenvolvimento no interior de um "mix" energético. Vários países investem na criação desse tipo de tecnologia, garantindo a compra da eletricidade produzida a um preço mais alto que o do mercado. Além disso, o preço do petróleo deverá subir cada vez mais.

A Europa tem um discurso ecologicamente responsável e toma várias iniciativas nesse sentido. Porém, é responsável por boa parte das emissões de CO2 e pelo aquecimento global, que tem nos países pobres suas maiores vítimas. Como superar esse paradoxo?

A constatação é de fato justa, e isso vale especialmente para os antigos países industriais. Mas, nessa insanidade, são os EUA que foram mais longe. Um norte-americano emite em seu território 20 toneladas de CO2 por ano e 29 toneladas se considerarmos as emissões ligadas às importações. A média para um europeu é de, respectivamente, 8 e 15 toneladas. Esse é o dilema moral dos povos ocidentais, explicitado pelo filósofo Jean-Pierre Dupuy: ou preservamos, como valor supremo, a igualdade entre os homens -mas então esse valor não poderá ser respeitado, já que a universalização de nosso modo de vida não é materialmente suportável pelo planeta.Ou, então, decidimos seguir com nosso modo de vida atual -mas então deveremos renunciar à igualdade universal entre todos os homens.

Na recente visita ao Brasil do líder iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, o presidente Lula defendeu o uso de energia nuclear para fins pacíficos...

O caso da energia nuclear é muito complexo. Do lado negativo, seu uso permanece perigoso, e a questão dos resíduos radioativos, que têm vida longa, não encontrou solução satisfatória em lugar nenhum. A isso tem que se acrescentar o risco do uso da energia nuclear para fins bélicos e terrorismo. Mas, ao mesmo tempo, permanece a única forma de produzir eletricidade pobre em carbono. É possível que uma nova geração de reatores possa funcionar com outros combustíveis e, assim, eliminar os dois maiores obstáculos, que são o risco de acidente e a questão dos resíduos. Mas para países muito envolvidos com a produção elétrica nuclear, como a França, é impossível abandoná-la sem levar às alturas a emissão de CO2.

O Brasil está em via de se tornar uma potência energética, por conta do petróleo e do biodiesel. No futuro, que papel exercerá?

O pico da produção de petróleo encorajará, sem dúvida, a produção de etanol a partir da cana-de-açúcar, mas também irá colocar novos problemas, como o desmatamento.Contudo o Brasil é conhecido na Europa por uma política ambiental interessante, e espera-se muita inventividade dos grandes países emergentes.

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