Diante do insólito apoio a Sarney, da saída dos senadores Marina Silva e Flávio Arns (este provocado pelo comportamento do partido no Conselho de Ética) e da renúncia do líder Aloizio Mercadante que não se consumou (pelos mesmos motivos de Flávio Arns), o PT recorre à mesma estratégia de defesa do presidente do Senado: invoca sua biografia para minimizar (ou revogar) os erros do presente.
Ocorre que, enquanto uma biografia exige longo curso de tempo para ser construída, o erro não exige mais que ele próprio para demoli-la. Um gesto, dependendo de sua gravidade e motivação, pode comprometer toda uma trajetória de décadas. Quanto maior o contraste entre um e outra, maior o tombo.
No caso do PT, não é o primeiro gesto em conflito com sua, digamos assim, biografia. Já no mensalão, em 2005, o partido abdicou de sua história, com práticas que durante duas décadas denunciara como nefastas. A tibieza da oposição diante daquele escândalo – ou mesmo a falta de autoridade moral para levá-lo às últimas conseqüências – beneficiou Lula e o PT. Lula foi reeleito e considerou-se absolvido pelas urnas. Se parasse ali, tudo bem.
As alianças problemáticas, no entanto, prosseguiram. E desembocaram no caso Sarney, que colocou no mesmo balaio Lula, PT, Fernando Collor e Renan Calheiros. A base não gostou e a oposição, claro, explorou. Imagine-se se fosse o PSDB a protagonizar tal espetáculo. O que dele diria o Lula opositor?
Em contraste, há a candidatura Marina Silva, cuja força maior reside numa biografia sem contrastes. Ela deixou o ministério com uma frase: “Perco o cargo, mas não o juízo”. Lula fez o PT perder o juízo, para não perder carona no seu carisma.
A crise do Senado encerrou o seu primeiro capítulo, que se desenrolou em seu âmbito interno, chegando às ruas via imprensa. Começa agora o segundo capítulo: a cobrança dos eleitores, que vão eleger no ano que vem nada menos que dois terços dos senadores. Dos 12 que o PT possui, nove terão que se submeter ao teste das urnas. Eis o abalo que vive o partido. Nada deixa um político mais apavorado que a perspectiva de perder o mandato.
Lula, que aparentemente não foi contaminado em sua popularidade pelo imbróglio, confia em que servirá de antídoto ao problema. O tempo dirá. O que é certo é que há uma crise no partido, agravada pelo desgaste vivido por Dilma Roussef, exposta duramente no episódio com a ex-secretária da Receita Federal, Lina Vieira, em que sua defesa esmerou-se num paradoxo: de um lado, negar que tenha havido a audiência; de outro, a minimizar-lhe o conteúdo. Ora, se não houve a audiência, como asseguram Dilma e Lula, por que considerar o seu conteúdo?
A crise do Senado não terminou. Novos casos continuarão a pipocar, já que o repertório parece inesgotável. A crise tem dois vetores: ela em si, com suas aberrações, e o impacto político de suas revelações, que serve de combustível para as eleições de 2010, cuja campanha já começou. Não é correto supor, como quiseram fazer crer o senador José Sarney e a base aliada, que a crise decorre tão-somente da proximidade da campanha.
Ela vale por si, tem enredo próprio. Mas não há dúvida de que terá (já está tendo) peso no curso da campanha. Seus momentos mais fortes hão de ser rememorados no horário gratuito da TV. Daí o pânico de senadores como Aloizio Mercadante (PT-SP), que buscam votos em centros urbanos mais exigentes, em ficar bem na foto. Por enquanto, se isso o consola, todos estão muito mal. Exceto, claro, Marina Silva, que, no entanto, a partir de agora, corre os riscos de quem se expõe ao sol e ao sereno.
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