domingo, 21 de setembro de 2008

O fim da hegemonia americana?


Glaúcio Soares
Folha

As notícias sobre o declínio e até o colapso dos EUA provocam alguns pensamentos. Não é a primeira vez que se coloca o fim da hegemonia americana em pauta. Parte importante do problema deriva de tomarmos o fim da Segunda Guerra como ponto de partida.

Foi o ponto mais alto, quando os EUA chegaram a ser responsáveis por mais de metade da produção industrial mundial. Esse ponto de partida foi "naturalizado" e se tornou uma referência habitual. Porém, foi um momento artificial, no qual os principais concorrentes dos EUA -Alemanha, França, Reino Unido, Japão e a então União Soviética- sofreram pesada destruição física. Parte da saliência americana derivou da ausência de competidores.

Como esperado, houve um crescimento das economias desses países, mais acelerado em uns casos, menos em outros, que reduziu a preponderância dos EUA. Seu declínio relativo provocou um choque de idéias. Uma das variantes estava associada, ironicamente, ao custo da guerra e da própria hegemonia.

Em 1987, o assunto voltou à ribalta. O historiador Paul Kennedy publicou "Ascensão e Queda das Grandes Potências" (ed. Campus), que provocou celeuma. Nele, defendia a tese da "overextension": países "hegemônicos" tenderiam a ampliar territórios e áreas de influência, assumindo compromissos, sobretudo militares, que terminariam conspirando contra sua própria hegemonia, sobretudo econômica. Esticando o argumento, alguns adeptos de Kennedy postularam que os EUA não deveriam ter participado tão intensamente da Guerra Fria, deixando que o expansionismo da União Soviética a levasse à autodestruição. Claro, a direita americana definiu Kennedy como "liberal" -que, no linguajar político americano, significa esquerdista.

Dois anos depois, Francis Fukuyama publicou o artigo "O Fim da História" (1989), que representava a resposta do ufanismo americano, em tom nada moderado, após o colapso político da União Soviética. Fukuyama, é bom lembrar, era um alto funcionário do Departamento de Estado e tinha sido analista da conservadora Rand Corporation.

Desde o pós-guerra, muito tem sido escrito e dito sobre esse ou aquele "milagre". Um dos primeiros foi o "milagre alemão". A Alemanha teve duas excelentes décadas, chegando a crescer mais de 10% em alguns anos. Mas o milagre acabou há muito tempo, e o crescimento econômico alemão anda próximo aos 2% anuais. Enquanto o milagre alemão esmaecia, surgia o japonês. Em 1965, o PIB nominal do Japão era de US$ 91 bilhões. O Japão cresceu tão rapidamente que, 15 anos mais tarde, ultrapassou US$ 1 trilhão. Passamos a falar em "milagre japonês", e o Japão passou a ser visto como o país competidor dos EUA e talvez a potência hegemônica do futuro. O perigo, agora, eram os Toyotas, os Hondas, a Sony etc.

Livros foram escritos, inclusive sobre a melhor administração das empresas japonesas, e políticas foram alteradas. O então presidente Bill Clinton, em discurso e ação, reorientou a economia americana, abandonando o "rust belt", industrial, e apoiando a política do Vale do Silício, de serviços muito qualificados. Industrialmente, não dava para competir com os japoneses. Deu certo, e os EUA voltaram a crescer. E o Japão? Os anos 90 foram chamados de "a década perdida"; a partir dela, a economia parou de crescer rapidamente, chegando a estagnar. Mais um milagre chegava ao fim.

Os milagres da vez são o chinês e o indiano. As expectativas são semelhantes: vão durar e comprometer a liderança econômica americana. Os dados sobre outros milagres são mais pessimistas. O terceiro milênio confirmou um novo panorama, com um número maior de atores economicamente significantes.

A esquerda afirma que o imperialismo americano vive do complexo militar; ironicamente, a economia americana sobe e desce com as políticas de seus presidentes, mas na direção oposta à prevista pela esquerda, recuperando a credibilidade da tese de Paul Kennedy. Clinton reduziu os gastos militares, o que lhe permitiu equilibrar o orçamento e reduzir o déficit fiscal. Em seus dois mandatos houve prosperidade, com as associadas reduções no desemprego, na violência e na criminalidade. Porém essas políticas -e suas conseqüências benéficas- foram substituídas por políticas econômicas e sociais regressivas e um retorno ao militarismo. As guerras no Afeganistão e no Iraque e os cortes de impostos dos mais ricos devastaram a economia americana. Se os ataques do 11 de Setembro justificaram a primeira, a segunda permanece sem nenhuma justificativa, a despeito de incalculável custo humano.

Os EUA, hoje, vivem a contradição de sofrerem a crise econômica e financeira mais séria em oito décadas e serem uma potência militarmente hegemônica. Não há país que se aproxime: os gastos militares americanos correspondem a cerca de 45% do total (dados de 2007), seguidos, de longe, por Reino Unido, China, França e Japão, com perto de 5% cada. A disparidade é muito grande: os EUA gastam nove vezes mais do que o segundo colocado. O medo de muitos é que a próxima administração americana tente resolver militarmente a crise econômica e financeira. Os EUA afundarão mais, levando junto a paz mundial e muitos povos.

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