sexta-feira, 4 de julho de 2008

Alain Touraine: A falta de mobilização social como deficiência da política contemporânea


Por Graziela Wolfart e Patricia Fachin

P: A partir das lutas sociais de Maio de 68, como a sociedade moldou e estruturou seu futuro? Os acontecimentos de 68 e a conquista da democracia mudaram, efetivamente, algumas questões sociais no que se refere, por exemplo, ao direito de igualdade e liberdade?

Alain Touraine: A situação é muito mais complexa, do meu ponto de vista. Maio de 68 não foi um movimento político nem social. Foi um movimento cultural dominado pelo tema da liberalização da juventude, não apenas em sua sexualidade, mas em todos os aspectos de sua vida. Isso, na época, era algo muito inédito, que se deparou com uma resistência forte. Somente hoje em dia, em minha opinião, se reconhece um pouco da importância histórica, no sentido de premonição de 68, que anunciou coisas que viriam a ter mais importância no futuro. Entre 1968 e nós, houve todo o período liberal, que estava negando esse aspecto de aparição de novas demandas e novos comportamentos de tipo pessoal ou público. Este ambiente liberal tem adquirido um papel cada vez mais reflexivo, onde se vê, especialmente, também, a insegurança e a necessidade de condenar. Isso se explica pela ausência e até pelo desaparecimento de atores sociais e de exigências de reformas políticas, o que não existe mais, porque não há mais ditaduras. A reforma social desapareceu, porque o mundo passou a ser fragmentado. De tal maneira que os anos 1970, 1980 e 1990 foram dominados por algo que, ao contrário de 1968, foi um tipo de determinismo social materialista, que segue um sistema de dominação total e onde os atores não podem existir. A noção de ator praticamente desaparece dando lugar à figura da vítima. Contra essa imagem dominante, Maio de 68 aparece e é apontado como uma confiança na capacidade dos atores de mudar sua situação, de transformar o mundo. E por essa razão, o episódio aparece como muito positivo, mas para muita gente pareceu perigoso.

P: Passados 40 anos das lutas pelo direito à democracia, como o senhor percebe o sistema político e as transformações sociais na América Latina? Conquistamos a democracia e não sabemos o que fazer com ela?

Alain Touraine: Enquanto América Latina, o que é totalmente outra coisa, é muito evidente que o continente, em seu conjunto, saiu dos regimes ditatoriais, mas entrou pouco ou muito parcialmente na democracia. Aqui tem muita importância o caso venezuelano, que teve influência na Bolívia, no Equador e em outros países, porque a influência simbólica de Chávez não se pode comparar com a de Fidel Castro. Mas o que é certo é que não há um importante papel das forças armadas, não há grandes conflitos internos, mas, sim, a necessidade da formação de atores políticos, de demandas sociais, de movimentos sociais. É mais fácil falar do fim de um regime autoritário do que do nascimento ou fortalecimento da democracia.

P: Por que a juventude e os trabalhadores, em geral, protestam numa escala muito menor ou quase inexistente, se comparado a Maio de 68? A conquista da democracia nos transformou em seres “iludidos”?

Alain Touraine: Sua pergunta é importante e muito difícil de responder. E não é à toa que você faz essa pergunta aí do Brasil, onde assistimos, com certa curiosidade, que a primeira eleição de Lula não teve como conseqüência nenhuma mobilização social. Ao contrário. Em todo esse período, houve pouquíssima mobilização. Na minha visão, não há um processo político muito agudo nem na Argentina, nem no México. Por um momento, o Chile teve seu processo relativamente forte. Mas sabemos que não foi o caso nem de movimentos sociais, nem de novas formas ou elementos de democratização. Eu mencionava que tivemos de 1970 até agora um período liberal. E nesse período liberal se formaram setores novos, orientados para o comércio internacional, e isso se vê muito mais claramente no caso do Brasil. Mas também se abandonaram, em todos os países do mundo, mas principalmente na América Latina, os esforços para reintegrar a parte pobre da população. Nesses últimos 30 anos, a distância entre ricos e pobres aumentou, inclusive em países como o Chile, onde a indigência praticamente desapareceu. No caso do Brasil, podemos falar de uma desilusão, não muito grande, mas notável, em relação às desigualdades sociais. No entanto, a América Latina se mantém (a Argentina, Chile, México e até o Brasil) na primeira fila em termos de desigualdade social. E, quando há muita desigualdade social, a capacidade de pressão dos pobres é mais baixa.

P: Que mudanças de paradigma podem ser destacadas como positivas no que se refere à luta das mulheres em maio de 68? Esse período foi crucial para auxiliar na construção do que o senhor denomina atualmente como "sociedade de mulheres"?

Alain Touraine: A situação das mulheres tem evoluído lentamente no caso do conjunto dos continentes. Desconsiderando os grupos de mulheres com cultura universitária, os direitos das mulheres têm mudado pouco. Por exemplo, no Chile, faz muito pouco tempo que o divórcio foi aceito. Nesse aspecto, eu diria que a modernização cultural das sociedades latino-americanas está muito insuficiente.

P: 40 anos depois das reivindicações que marcaram a década de 1960, que obstáculos ainda devem ser superados e que ideais as mulheres ainda precisam conquistar?

Alain Touraine: Na questão das mulheres tivemos, em primeiro lugar, uma busca pelos direitos políticos, que teve seu centro e seus êxitos principais na Grã-Bretanha e depois em outros países. Em segundo lugar, houve uma série de conquistas muito mais relacionadas à vida pessoal, por exemplo, a contracepção, o direito ao aborto, e outros direitos puramente jurídicos, como a responsabilidade pelos filhos. Mas tudo isso se deu de forma muito lenta. E o aspecto mais importante, que é saber se as mulheres podem ser agentes de uma transformação cultural profunda, é algo que se vê muito pouco. Eu defendo essa idéia de que, sim, as mulheres estão gerando uma nova cultura. Mas na opinião pública essa idéia não está tão forte. No caso latino-americano, eu diria que a visibilidade do movimento de liberação feminina é muito pouca.

P: Os revolucionários de 68 ergueram a bandeira por uma sociedade emancipada. Quatro décadas após esse acontecimento, como o senhor percebe o impulso e a revitalização do capitalismo (duramente criticado na época) no atual mundo globalizado?

Alain Touraine: Em primeiro lugar, eu não falaria em “revolucionários” de 1968, porque um revolucionário é aquele que se interessa em conquistar o poder político. Os agentes de 68 não tinham nenhuma intenção de tomar o poder, inclusive quando envolveu o aspecto político. Realmente, falar de revolução me parece exagerado. Os jovens estudantes de Paris, em maio de 68, passaram diante dos palácios da república, sem pensar em atacá-lo. Tomar o poder não era, de nenhuma maneira, sua preocupação. É por isso que no período atual, de tipo liberal, a preocupação revolucionária tem perdido, em todas as partes, muito de sua importância. E essa importância pode crescer de novo quando tivermos uma posição mais intervencionista do Estado. Até o atual momento, não se pode falar, realmente, em nenhum setor da sociedade, de uma volta dos atores sociais que haviam desaparecido. Há alguns intelectuais, mas nem no Chile, nem no Brasil, e nem em outro país, se vê realmente uma maturidade, um fortalecimento de movimentos propriamente sociais. O que muda não é nem o político, nem o social, mas o terreno dos comportamentos privados. Essa transformação da cultura privada é maior do que a das leis.

P: Para o senhor, os movimentos sociais vivem uma crise contínua e têm dificuldades de se manterem ativos?

Alain Touraine
: Eu creio que sim. É difícil para a opinião pública de qualquer país, constatar que há, claramente, uma adversidade dada a tal ou qual problema social, cultural ou político. Estamos, no entanto, em um período de muito baixo nível de mobilização popular.

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