segunda-feira, 14 de julho de 2008

Balmaceda, ou o drama latino-americano


Francisco Carlos Teixeira
Gramsci e o Brasil


Ao escolher o presidente José Manuel Balmaceda (1840-1891), do Chile, como alvo de seu relato histórico no calor da hora — diríamos hoje, um episódio da história do tempo presente —, Joaquim Nabuco foi além da explicação dos fatos. Seu livro busca entender as condições que envolveram o projeto de reforma do Estado e da sociedade chilenas no final do século XIX.

Balmaceda, um político progressista, modernizador e ambicioso, buscou sacudir as estruturas oligárquicas e conservadoras do país, impor uma agenda ultraliberal, talvez mesmo radical (no sentido francês da palavra), resultando seu projeto, em verdade, numa guerra civil. Derrotado, o presidente preferiu o suicídio ao banal e costumeiro exílio dos líderes latino-americanos decaídos. Tal drama político, com cores de tragédia existencial, constituiu-se, a partir de então, num roteiro dos impasses latino-americanos. Vargas, mas sobretudo Salvador Allende, são prisioneiros históricos do drama de Balmaceda.

A historiografia chilena, principalmente depois da dramática morte de Allende e da cruel repressão que se abateu sobre o país — em tudo um roteiro de 1891 — debruçou-se sobre o fenômeno Balmaceda. As fontes ainda estão sendo estudadas, e os relatos de época revisitados. Disso tudo nos dá conta o brilhante prefácio do chileno Jorge Edwards.

Contudo, passado mais de um século, a atualidade do livro de Joaquim Nabuco não reside, somente, na própria atualidade do drama de Balmaceda. O relato de Nabuco — estilístico, elegante, cheio de referências clássicas e com recurso constante às fontes históricas — é, em si mesmo, o objeto central para a atenção do leitor. Nabuco não esconde suas preferências — sempre conservadoras em se tratando do arranjo político-institucional das jovens repúblicas sul-americanas. Nem mesmo a sua preferência monárquica. Tais “lugares de fala” são demarcados, sem engodos, numa defesa clara do ordenamento oligárquico, o único capaz, pela excelência de suas elites, de garantir o funcionamento institucional do Estado.

Isso não faz, de forma alguma, de Nabuco um reacionário. Longe disso. A postura de Nabuco frente à questão da escravidão comprova o seu avanço social. O autor prende-se diretamente a uma das vias mais importantes da modernidade: o pensamento conservador pós-Revolução Francesa. Em especial Edmund Burke (lembremo-nos da sua máxima: “Odeio as Revoluções!”). O grande pensador inglês é a fonte teórica mais importante na análise proposta por Nabuco para as instituições sul-americanas.

Sua preocupação reside na dupla eficácia das instituições republicanas: de um lado, em prover as necessidades da Nação e, de outro, evitar que o aventureirismo — sob o nosso sol travestido de caciquismo, coronelismo ou caudilhismo — se aposse do Estado, muitas vezes numa aliança direta com as massas — as temidas massas! —, ultrapassando o poder moderador e mediador das elites e suas instituições.

Por esta razão, hoje na América do Sul, o Balmaceda de Joaquim Nabuco é incrivelmente contemporâneo. Seu texto e suas idéias lançam desafios fundamentais para a construção da modernidade, impondo-se como questões centrais sobre a definição de cidadania e participação popular, bem como os limites do Estado nas suas relações com a sociedade. Hoje, mais do que nunca, precisamos manter o debate proposto por Nabuco vivo e aberto. Tais debates — hoje trazidos por intelectuais que honram a tradição nabuconiana, tais como Roberto Romano e José Murilo de Carvalho — ainda são os mesmos.

Esperemos que a tragédia, contudo, nunca mais se repita sob nosso sol.

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