quinta-feira, 22 de maio de 2025

A nova Idade das Trevas começa em Israel

Chris Hedges
Socialismo y Democracia

Na retomada da ofensiva contra Gaza, cem mortos por dia e um rastro de barbárie: o Ocidente regride no tempo, rumo a origens que nunca o deixaram, mas foram mascaradas por promessas vazias de democracia, justiça e direitos humanos.

Daqui do Cairo até o posto fronteiriço de Rafah, em Gaza, são 320 quilômetros. No deserto árido do norte do Sinai, no Egito, dois mil caminhões estão estacionados — abarrotados de sacos de farinha, reservatórios de água, alimentos enlatados, suprimentos médicos, lonas e combustível. Eles permanecem parados sob um sol implacável, com temperaturas que ultrapassam os 37ºC.

A poucos quilômetros dali, em Gaza, dezenas de homens, mulheres e crianças – sobrevivendo em barracas precárias ou entre os escombros de prédios destruídos – são massacrados diariamente por balas, bombas, mísseis, disparos de tanques, doenças infecciosas e pela arma mais antiga da guerra de cerco: a fome. Uma em cada cinco pessoas enfrenta inanição após quase três meses de bloqueio israelense a alimentos e ajuda humanitária.

 O primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu, que lançou uma nova ofensiva e já provoca mais de 100 mortes diárias, declarou que nada impedirá este ataque final, batizado de “Operação Carruagens de Gideon.”

 Ele declarou que “não há chance” de Israel parar a guerra, mesmo que os reféns israelenses restantes sejam libertados. “Estamos destruindo cada vez mais casas em Gaza”, afirmou. “Os palestinos não têm para onde voltar.” E acrescentou a parlamentares, numa fala que vazou de um encontro a portas fechadas: “Nosso maior problema é encontrar países que aceitem recebê-los.”

A fronteira de 14 quilômetros entre o Egito e Gaza tornou-se a linha divisória entre o Sul Global e o Norte Global – a demarcação entre um mundo de violência industrial selvagem e a luta desesperada daqueles abandonados pelas nações mais ricas. Ela simboliza o fim de um mundo onde o direito humanitário, as convenções que protegem civis ou os direitos mais básicos e fundamentais importavam.

Anuncia-se um pesadelo hobbesiano onde os fortes crucificam os fracos, onde nenhuma atrocidade – incluindo o genocídio – é impedida, onde a raça branca do Norte Global retorna à selvageria e dominação atávicas e desenfreadas que definem o colonialismo e sua longa história de pilhagem e exploração. O Ocidente está regredindo no tempo, rumo a suas origens – que nunca o deixaram, mas que foram mascaradas por promessas vazias de democracia, justiça e direitos humanos.

Os nazistas tornaram-se os bodes expiatórios convenientes para o legado europeu e norte-americano de massacres em massa – como se os genocídios que estes países perpetraram nas Américas, na África e na Índia nunca tivessem acontecido, meras notas de rodapé insignificantes em sua história coletiva. Na verdade, o genocídio é a moeda corrente na história da dominação ocidental.

Entre 1490 e 1890, a colonização europeia – incluindo atos de genocídio – foi responsável pela morte de até 100 milhões de indígenas, segundo o historiador David E. Stannard. Desde 1950, ocorreram quase duas dezenas de genocídios, incluindo os de Bangladesh, Camboja e Ruanda.

O genocídio em Gaza faz parte de um padrão. É o prenúncio dos genocídios que estão por vir, especialmente com o colapso climático, quando centenas de milhões serão forçados a fugir de secas, incêndios florestais, enchentes, colheitas escassas, Estados falidos e mortes em massa. É uma mensagem ensanguentada que se envia ao resto do mundo: “Nós temos tudo e, se tentarem tirar de nós, nós os mataremos.”


Gaza desmascara a mentira do progresso humano – o mito de que evoluímos moralmente. Apenas as ferramentas mudam. Se antes espancávamos as vítimas até a morte ou as esfacelávamos com espadas largas, hoje lançamos bombas de 900 quilos sobre campos de refugiados, metralhamos famílias com drones militarizados ou as pulverizamos com disparos de tanques, artilharia pesada e mísseis.

Louis-Auguste Blanqui, um socialista do século XIX, rejeitava — ao contrário de quase todos os seus contemporâneos, inclusive Friedrich Hegel e Karl Max, a crença de que a história humana é uma progressão linear rumo à igualdade e a uma moralidade superior. Ele alertava que essa visão positivista absurda é cultivada pelos opressores para enfraquecer os oprimidos.

“Todas as atrocidades dos vencedores, sua longa série de ataques, são friamente transformadas em uma evolução constante e inevitável, como a da natureza… Mas a sequência dos atos humanos não é inevitável como a do universo. Pode ser mudada a qualquer momento”, Blanqui alertou. E prosseguiu: “O avanço científico e tecnológico, longe de ser um exemplo de progresso, pode transformar-se numa arma terrível nas mãos do Capital contra o Trabalho e o Pensamento.”

 “Pois a humanidade”, escrevia Blanqui, “nunca é estacionária. Ou avança ou retrocede. Sua marcha progressiva conduz à igualdade. Seu marcha regressiva passa por todos os estágios de privilégio até desembocar na escravidão humana – a palavra final do direito à propriedade.” Ele acrescentava: “Não estou entre os que afirmam que o progresso é inevitável, que a humanidade não pode retroceder.”

A história humana é marcada por longos períodos de esterilidade cultural e repressão brutal. A queda do Império Romano levou à miséria e à opressão na Europa durante a Idade das Trevas, aproximadamente do século VI ao XIII. Houve perda de conhecimentos técnicos, inclusive sobre como construir e manter aquedutos. O empobrecimento cultural e intelectual gerou uma amnésia coletiva. As ideias de estudiosos e artistas da Antiguidade foram apagadas. Não houve recuperação até o século XIV, com o Renascimento – um desenvolvimento possibilitado em grande parte pelo florescimento cultural do Islã, que, ao traduzir Aristóteles para o árabe e por meio de outras conquistas intelectuais, evitou o desaparecimento da sabedoria do passado.

Blanqui conhecia bem os trágicos refluxos da história. Participou de uma série de revoltas francesas, incluindo a tentativa de insurreição armada de maio de 1839, a revolução de 1848 e a Comuna de Paris, o levante socialista que controlou a capital francesa de 18 de março a 28 de maio de 1871. Operários em cidades como Marselha e Lyon tentaram, sem sucesso, organizar comunas similares antes que Paris fosse esmagada militarmente.

Estamos entrando numa nova era das trevas. Esta versão moderna vale-se de ferramentas como vigilância em massa, reconhecimento facial, inteligência artificial, drones, polícia militarizada, a revogação do devido processo legal e das liberdades civis. Faz tudo isso para impor um regime arbitrário, guerras incessantes, insegurança, anarquia e terror – os mesmos denominadores comuns da Idade das Trevas.

Confiar no conto de fadas do progresso humano para nos salvar é rendermo-nos passivamente ao poder despótico. Só a resistência – articulada na mobilização das massas e na ruptura do exercício do poder, especialmente contra genocídios – pode nos salvar.


Campanhas de extermínio em massa liberam os instintos selvagens que permanecem latentes em todos os seres humanos. A sociedade organizada, com suas leis, etiqueta, polícia, prisões e regulamentos – todas as formas de coerção – mantém esses instintos sob controle. Remova esses freios e os seres humanos se transformam, como vemos com os israelenses em Gaza, em animais predadores e assassinos, que se inebriam com a destruição – inclusive de mulheres e crianças. Eu gostaria que isso fosse apenas uma suposição. Não é. É o que testemunhei em todas as guerras que cobri. Quase ninguém está imune.

No final do século XIX, o rei belga Leopoldo ocupou o Congo em nome da civilização ocidental e do combate à escravidão, mas saqueou o país, causando a morte — por doenças, fome e assassinatos — de cerca de 10 milhões de congoleses. Joseph Conrad retratou essa dicotomia entre quem somos e quem afirmamos ser em seu romance Coração das Trevas e no conto Um Posto Avançado do Progresso.

Em Um Posto Avançado do Progresso, Conrad narra a história de dois comerciantes europeus, Carlier e Kayerts, enviados ao Congo. Eles alegam estar na África para implantar a civilização europeia. O tédio, a rotina opressiva e, sobretudo, a ausência de quaisquer freios externos transformam os dois homens em feras. Traficam escravos em troca de marfim. Brigam por comida e suprimentos cada vez mais escassos. Por fim, Kayerts assassina seu companheiro desarmado, Carlier.

“Eram dois indivíduos perfeitamente insignificantes e incapazes”, escreveu Conrad sobre Kayerts e Carlier, “cuja existência só se torna possível por meio da alta organização das multidões civilizadas. Poucos homens percebem que sua vida, a própria essência de seu caráter, suas capacidades e audácias, são apenas a expressão de sua crença na segurança de seu entorno. A coragem, a compostura, a confiança; as emoções e os princípios; cada pensamento grandioso ou insignificante pertence não ao indivíduo, mas à multidão: à multidão que crê cegamente na força irresistível de suas instituições e moralidade, no poder de sua polícia e de sua opinião.

Mas o contato com a selvageria pura e absoluta, com a natureza primitiva e o homem primitivo, traz subitamente um turbilhão profundo ao coração. Ao sentimento de estar isolado entre os seus, à clara percepção da solidão dos próprios pensamentos, das próprias sensações — à negação do habitual, que é seguro – soma-se a afirmação do incomum, que é perigoso; uma sugestão de coisas vagas, incontroláveis e repulsivas, cuja intrusão perturbadora excita a imaginação e testa os nervos civilizados tanto dos tolos quanto dos sábios.

O genocídio em Gaza implodiu os subterfúgios que o Ocidente usa para enganar a si mesmo e tentar enganar os outros. Ele escarnece de todas as virtudes que a civilização eurocêntrica alega defender, inclusive o direito à liberdade de expressão. É um testemunho de sua hipocrisia, crueldade e racismo.

Os ocidentais não podem mais — depois de fornecer bilhões em armas e perseguir quem denuncia o genocídio — fazer reivindicações morais a ser levadas a sério. Sua linguagem, de agora em diante, será a linguagem da violência, a linguagem do genocídio, o uivo monstruoso da nova era das trevas, onde poder absoluto, ganância desenfreada e selvageria incontida assombram o mundo.

quarta-feira, 21 de maio de 2025

Por que legado de Malcolm X permanece atual

Suzanne Cords
Deutsche Welle

Ativista ainda é inspiração contra opressão dos negros, 100 anos após seu nascimento. Em meio aos esforços de Trump de branquear história dos EUA, palavras de Malcolm X estão mais relevantes do que nunca.

"O que você acha que faria depois de 400 anos de escravidão, Jim Crow e linchamentos? Você acha que responderia de forma não violenta?" Essas foram algumas das principais perguntas que Malcolm X fez à sociedade americana.

Embora a escravidão tenha sido abolida nos Estados Unidos em 1865, as chamadas leis Jim Crow continuaram a consolidar a discriminação cotidiana contra os negros até 1964. Eles não tinham permissão para votar ou sentar-se ao lado de brancos em ônibus ou restaurantes. Viviam em guetos e tinham empregos precários.

"Malcolm X abordou exatamente as questões que estavam fervilhando na mente dos afro-americanos oprimidos", disse Britta Waldschmidt-Nelson, autora da biografía Malcolm X: The Black Revolutionary. Sua mensagem para os afro-americanos foi clara: tenham autoconfiança! Lutem por seus direitos da forma que for necessária – até mesmo com violência, se preciso.

Na biografía de Malcolm X escrita pelo jornalista americano e ganhador do Prêmio Pulitzer Les Payne (1941-2018), ele relembrou como um discurso do ativista em 1963 o libertou, como um "golpe de espada", do "sentimento condicionado de inferioridade como homem negro" profundamente enraizado em sua psique. Esse era exatamente o objetivo declarado de Malcolm X.

Infância marcada pelo racismo

Nascido em 19 de maio de 1925, em Omaha, Nebraska, com o nome de Malcolm Little, o ativista passou a infância perto de Detroit, em meio à pobreza e violência. Ele tinha seis anos de idade quando seu pai foi encontrado morto, assassinado por supremacistas brancos, segundo relatos. Completamente sobrecarregada, com sete filhos e pouco dinheiro, a mãe de Malcolm enfrentou problemas de saúde mental. Malcolm foi, então, submetido a várias famílias adotivas e instituições. Mais tarde, em sua autobiografia, ele falou sobre o "terror dos assistentes sociais muito brancos".

Apesar de início de vida difícil, ele era um bom aluno, o único negro de sua classe. Uma experiência em particular teve um impacto profundo sobre ele: seu professor favorito lhe perguntou o que ele queria ser quando crescesse. Malcolm respondeu que gostaria de estudar direito. Mas o professor, dirigindo-se a ele com um insulto racista, disse que essa não era uma meta realista para um garoto como ele. Depois desse episódio, suas notas caíram drasticamente. Aos 15 anos, Malcolm X se mudou para Boston para morar com sua meia-irmã Ella Collins e, mais tarde, para Nova York. Ele se sustentava fazendo bicos, até passar a cometer pequenos crimes. Aos 20 e poucos anos, foi preso por vários roubos.

"Aqui está um homem negro enjaulado atrás das grades, provavelmente por anos, colocado lá pelo homem branco", escreveu mais tarde em sua autobiografia. "Você permite que esse homem negro enjaulado comece a perceber, como eu fiz, que desde o primeiro desembarque desse primeiro navio negreiro, os milhões de homens negros na América têm sido como ovelhas em um covil de lobos. É por isso que os prisioneiros negros se tornam muçulmanos tão rapidamente quando os ensinamentos de Elijah Muhammad entram em suas jaulas por meio de outros condenados muçulmanos." O mentor a que Malcolm X se refere, Elijah Muhammad, era um separatista negro e líder da Nação do Islã, uma organização político-religiosa de afro-americanos fora da ortodoxia islâmica.


Luta contra os "demônios brancos"

A Nação do Islã "afirma que todos os negros são inerentemente filhos de Deus e bons, e todos os brancos são inerentemente maus e filhos do demônio", explica a biógrafa Waldschmidt-Nelson. "O que tornou isso muito atraente para Malcolm e muitos outros presos, é claro, é que alguém viria e diria: 'Vocês não são culpados por sua miséria; foram os demônios de olhos azuis que os fizeram se desviar'."

Depois de entrar para a organização, ele começou a se chamar Malcolm X, porque os sobrenomes dos afro-americanos eram historicamente atribuídos por seus proprietários de escravos. Portanto, os membros da Nação do Islã rejeitavam seus nomes de escravos e se chamavam simplesmente de "X". Durante os sete anos em que passou na prisão, ele buscou mais conhecimento e permaneceu como membro da Nação do Islã por 14 anos. O líder Elijah Muhammed apreciava a perspicácia intelectual e as habilidades oratórias do jovem e o tornou o porta-voz da organização.

Em seus discursos, Malcolm X denunciou várias vezes os "demônios brancos". Embora vivesse nos estados do norte dos EUA – espécie de "terra prometida" para os negros dos estados do sul, ainda mais restritivos –, ele também não depositava mais nenhuma esperança nos "liberais" brancos de lá. Afinal de contas, ele havia experimentado pessoalmente como os negros eram tratados como cidadãos de segunda classe em todos os Estados Unidos.

Malcolm X há muito tempo desdenhava do movimento pelos direitos civis de Martin Luther King Jr. Ele criticou o famoso discurso de King na Marcha sobre Washington, em 1963, que falava de uma América livre e unida, que ultrapassasse todas as barreiras raciais, por considerá-lo irrealista. "Não, eu não sou americano. Sou um dos 22 milhões de negros que são vítimas do americanismo. [...] E vejo os Estados Unidos com os olhos da vítima. Não vejo nenhum sonho americano; vejo um pesadelo americano."

Peregrinação á Meca e mudança de atitude

Depois de ficar desiludido com o líder da organização, Malcolm X rompeu com a Nação do Islã em março de 1964. Naquele mesmo ano, ele fez uma peregrinação a Meca, e sua impressão a respeito dos "demônios brancos" começou a mudar. "Ele ficou profundamente impressionado com a hospitalidade e a cordialidade com que foi recebido, até mesmo por muçulmanos brancos na Arábia Saudita", escreve Britta Waldschmidt-Nelson em sua biografia. "E então, no último ano de sua vida, ele se afastou dessa doutrina racista".

Ele se lançou a um novo propósito: "Malcolm X queria criar uma aliança de todas as pessoas de cor oprimidas contra a opressão colonial branca", diz a biógrafa. Em uma viagem à África, os governos elogiaram sua intenção, mas ele não podia contar com o apoio deles: "É claro que todos eles dependiam da ajuda ao desenvolvimento dos EUA, e a maioria dos governos africanos não teria agido abertamente contra os EUA naquela época."

Em vez disso, Malcolm X tornou-se o foco da CIA, o serviço de inteligência americano. A Nação do Islã também estava em seu encalço. "Ele sabia que seria assassinado, e foi uma decisão consciente de sua parte enfrentá-la", diz Waldschmidt-Nelson. "Ele provavelmente disse a si mesmo: 'Não posso desistir agora'. Depois de sua experiência em Meca, Malcolm embarcou em um caminho completamente novo, aberto a colaborar com o movimento de direitos civis de King e, se necessário, também com os brancos." Mas isso nunca aconteceu. Em 21 de fevereiro de 1965, ele foi morto a tiros durante uma palestra, por membros da Nação do Islã. Ele tinha apenas 39 anos de idade.

Legado atual

Na década de 1980, artistas de hip-hop celebraram o legado de Malcolm X citando trechos de seus discursos em suas músicas: "Tudo isso teve muita ressonância", disse Michael E. Sawyer, professor de literatura e cultura afro-americana na Universidade de Pittsburgh. "Foi uma maneira de criar esse tipo de ressurgimento da identidade negra como também uma identidade política." As músicas serviam como declarações políticas de guerra contra o racismo branco, a brutalidade policial e o empobrecimento dos negros marginalizados.

Em 1992, Spike Lee adaptou a autobiografía de Malcolm X em um filme estrelado por Denzel Washington, o que também contribuiu para transformar a figura revolucionária num ícone que forjou a identidade cultural de muitos negros.

Hoje, como o esforço do atual governo dos EUA em branquear a história e subestimar as consequências do racismo na formação do país, e com o movimento Make America Great Again (MAGA) se opondo a qualquer crítica à suposta glória passada dos Estados Unidos, as palavras de Malcolm X estão mais relevantes do que nunca: "Você não deve ficar tão cego de patriotismo que não consiga encarar a realidade. O errado é errado, não importa quem o faça ou o diga."

quarta-feira, 14 de maio de 2025

Murió José "Pepe" Mujica, un líder histórico recordado por la magia de las palabras

Mercedes López
Página 12

La vida del exmandatario uruguayo transcurrió como en escenas de película. Empezó a militar en la adolescencia y se sumó al Movimiento de Liberación Nacional-Tupamaros. Preso durante la dictadura, llegó luego a la presidencia con el Frente Amplio.

Pepe, como lo llamaban todos en Uruguay, será recordado por sus múltiples aristas, pero hay una sobresaliente: la sabiduría de sus palabras. José “Pepe” Mujica nació el 20 de mayo de 1935 y murió este martes, a los 89 años, haciendo historia: un exguerrillero tupamaro que el 1 de marzo de 2010 llegó a la presidencia de su paisito, como le decía.

A principios de 2025 Pepe Mujica se despidió de la vida pública y pidió que lo dejaran descansar en la intimidad de su chacra, ya con un cáncer de esófago muy avanzado. "Lo que pido es que me dejen tranquilo. Que no me pidan más entrevistas ni nada más. Ya terminó mi ciclo. Sinceramente, me estoy muriendo. El guerrero tiene derecho a su descanso", expresó al semanario Búsqueda.

El pasado domingo, su ausencia en las elecciones municipales dio cuenta del cuadro de su salud. La histórica compañera del Pepe, Lucía Topolansky, confirmó que recibía cuidados paliativos. Faltaban días para que cumpliera los 90 años. Y su delfín político, el actual presidente Yamandú Orsi, declaró que Mujica estaba grave. El mandatario este martes informó de su muerte en la red X y lo despidió afectuosamente: "Te vamos a extrañar mucho, Viejo querido. Gracias por todo lo que nos diste y tu profundo amor por tu pueblo".

El pueblo podrá darle su último adiós a partir de este miércoles, hasta pasado el mediodía del jueves, inclusive. Un cortejo fúnebre partirá por la mañana desde la Torre Ejecutiva (sede del gobierno), recorriendo varios puntos de Montevideo, como postas de su historia de vida, entre ellos la sede del Frente Amplio y la del partido Movimiento de Participación Popular (MPP) hasta terminar en el Palacio Legislativo.

Porque la vida del Pepe transcurrió como en escenas de una película. Una de ellas sucedió cuando le dijo a una multitud: “No me voy, estoy llegando”, en el último acto como mandatario en vísperas de entregarle la banda presidencial a su correligionario Tabaré Vázquez, el 28 de febrero de 2015. “Me iré con el último aliento y donde esté, estaré por ti, contigo, porque es la forma superior de estar con la vida. Gracias, querido pueblo”.

En aquella emotiva despedida en la que a sus 80 años dejaba la presidencia, quedaba claro que seguiría haciendo política. Mujica había sido electo presidente el 29 de noviembre de 2009 cuando ya era un histórico referente del Movimiento de Participación Popular dentro de la coalición de izquierda Frente Amplio (FA). Y cuando sentía el aprecio de la gente en las calles y él se mostraba accesible. Le tocaban el hombro y lo abrazaban, como a un padre.

Durante su gobierno se aprobaron leyes de vanguardia en la región como la liberación de la producción y comercialización del cannabis, la legalización del aborto y el matrimonio igualitario. Como una reparación histórica más que simbólica, el extupamaro Mujica fue quien en nombre del Estado uruguayo pidió disculpas en un acto público por la desaparición de María Claudia Iruretagoyena, nuera del poeta Juan Gelman. Lo hizo en marzo de 2012 cumpliendo con un fallo de la Corte Interamericana de Derechos Humanos en el caso Gelman.

El capítulo memoria, verdad y justicia tuvo sus claroscuros en el gobierno de Mujica, con serias dificultades para dejar sin efecto la Ley de Caducidad que daba impunidad a militares y policías acusados por delitos de lesa humanidad. Y también por el nombramiento de Guido Manini Ríos al frente del Ejército. Manini Ríos, el jerarca militar, se convertiría en un político de extrema derecha y aliado del ex gobierno de Luis Lacalle Pou.

Vida de militante

Pepe Mujica donó casi el 90 % de su sueldo como presidente para caridad y siguió viviendo en su chacra en Rincón del Cerro, a las afueras de Montevideo junto a Lucía Topolansky, entonces senadora. Una partecita de ese mundo de la pareja, que no tuvo hijos, con un estilo de vida sencillo, el amor por el tango y el cultivo de flores y vegetales, fue contada por el cineasta Emir Kusturica en el documental "El Pepe, una vida suprema".

Cerca de Rincón del Cerro, en Paso de la Arena, creció Mujica: una zona ubicada al oeste de Montevideo, de clase obrera que luego sería bastión de la resistencia a la última dictadura (1973-1985). Aprovechando la hectárea de campo que tenía la familia ahí, Pepe plantaba verduras y flores codo a codo con su madre, Lucy Cordano. Y empezó a vender flores tras la muerte de su padre, Demetrio Mujica.


Mujica militó desde adolescente. "Tenía 14 cuando empecé en una agrupación anarca", le contó a María Ester Gilio en el libro Pepe Mujica, de tupamaro a presidente. De joven fue relacionándose cada vez más con partidos de izquierda y haciéndose marxista. Un marxismo difícil de encuadrar dentro de las visiones de los socialistas y comunistas de la época. La de un cuestionador y ávido lector.

En esa búsqueda se incorporó a la lucha armada con el Movimiento de Liberación Nacional-Tupamaros, una guerilla urbana inspirada en la revolución cubana. Cayó preso por primera vez en 1964 por el intento de asalto a una sucursal de la empresa Sudamtex y en 1969 pasó a la clandestinidad porque la policía descubrió armas y municiones que la guerrilla le había dado a él en custodia.

Mujica participó en la toma de la ciudad de Pando (en Canelones, a pocos kilómetros de Montevideo, el 8 de octubre de 1969, cuando decenas de guerrilleros mantuvieron el control de la comisaría, el cuartel de bomberos, y otros asaltaban la central telefónica y sucursales de bancos. Fue un operativo que duró media hora, y así de rápida fue la huída con enfrentamiento con la policía, causando la muerte de tres tupamaros, un policía y un civil. Una escena en blanco y negro que hilvana parte de su vida.

En otro momento una patrulla lo baleó seis veces en el suelo. Fue varias veces detenido. En 1971 protagonizó otro momento cinematográfico: la fuga a través de un túnel de 111 presos (106 guerrilleros) de la cárcel de Punta Carretas, una de las mayores fugas carcelarias de la historia.

Tras el golpe de Estado de 1973, Mujica se convirtió en rehén de la dictadura. En el libro Memorias del calabozo, Fernández Huidobro dialogó con Mauricio Rosencof sobre la dolorosa experiencia que vivieron junto a Raúl Sendic, Jorge Manera, Henry Engler, Adolfo Wasem, Jorge Zabalza y Julio Marenales, a quienes tuvieron rotando entre cuarteles. “Una noche de septiembre de 1973 nueve militantes del Movimiento de Liberación Nacional-Tupamaros fuimos sacados, por sorpresa, de cada una de nuestras celdas en el Penal de Libertad... Ese largo viaje de nueve rehenes de la tiranía duró, exactamente, once años, seis meses y siete días”.

Mujica empezó a hablar con las hormigas, entre muchos delirios, y terminó en el Hospital Militar a principios de los '80. Una psiquiatra recomendó que lo dejaran leer y escribir. Sobre ese momento Pepe contó: "Yo agarraba las pastillas que me daba y las tiraba en el baño. Hubo algo, sin embargo, en lo que esa mujer me sirvió. Me consiguió permisos para leer libros de ciencia... me autorizaron también a escribir y el ejercicio de escribir disciplinó mi cerebro", dijo en Pepe Mujica, de tupamaro a presidente.

Su madre Lucy, en una de las tantas visitas que hizo para llevarle libros, vaticinó que la carrera de su hijo recién empezaba. “Va a llegar a presidente gracias a su piquito de oro”, le dijo por entonces a un vecino. Pepe Mujica recuperó la libertad con una amnistía en 1985 y una década después fue electo diputado, luego senador, y en 2005 fue ministro de Ganadería y Agricultura del primer gobierno del Frente Amplio encabezado por Tabaré Vázquez.

En campaña

Su militancia frenteamplista y sus reflexiones sobre Uruguay y América latina siempre buscaron despertar conciencias. Mujica asistió el pasado agosto a un acto político del FA horas después de recibir el alta del hospital donde había sido internado por una descompensación relacionada con su tratamiento contra el cáncer de esófago, diagnosticado en mayo de 2024. "Hoy ha sido un día pesado. Ando remontando mis huesos como puedo, pero tenía que estar", dijo Pepe tras ingresar en silla de ruedas a la sede central la principal fuerza opositora del país que logró regresar al poder en las elecciones del 27 de octubre.

En una reciente entrevista que le hizo The New York Times, el influyente diario estadounidense lo presenta como un "filósofo sin pelos en la lengua". "La vida es hermosa. Con todas sus peripecias, amo la vida. Y la estoy perdiendo porque estoy en el tiempo de irme", dijo Mujica. Preguntado sobre cómo le gustaría ser recordado, fue enfático: "Como lo que soy: un viejo loco que tiene la magia de la palabra".

Una de las obsesiones del veterano político fue el barrio, Sudamérica. “No veo la integración para mañana. Estoy pensando en 25, 30 años. Tenemos que aprender a soportarnos, de izquierda y de derecha”, dijo Mujica a esta cronista en su último viaje a Buenos Aires sobre la anhelada integración regional. Él, que protagonizó junto a Lula, Chávez, Cristina Kirchner, Rafael Correa y Evo Morales un tiempo en el que ese anhelo parecía posible y se mejoraban las condiciones de vida de los sectores más postergados.

domingo, 11 de maio de 2025

El fantasma del fascismo acecha a Europa

Enzo Traverso
Socialismo y Democracia

Hace ochenta años, Europa celebraba la derrota del fascismo tras una lucha titánica. Sin embargo, como señala el historiador Enzo Traverso, el último aniversario del Día de la Victoria llega en un momento en el que la extrema derecha es más fuerte que en cualquier otro momento desde 1945.

Las conmemoraciones son interesantes espejos de las narrativas hegemónicas del pasado, que no siempre se corresponden con la conciencia histórica popular. Esto es especialmente cierto en el caso de aniversarios mundiales como el 8 de mayo de 1945.

Durante décadas, Occidente celebró el Día de la Victoria en Europa (VE) para mostrar su poder y afirmar sus valores. En esta mentalidad, Occidente no solo era poderoso, sino también virtuoso. Esta liturgia de la democracia liberal funcionaba sin problemas y de forma consensuada, con todos los participantes reunidos en torno a recuerdos, símbolos y valores que forjaron su alianza.

En 1985, cuarenta años después del fin del conflicto, la República Federal de Alemania (RFA) se sumó a estas conmemoraciones. En un famoso discurso ante el Bundestag, el presidente de la RFA, Richard von Weizsäcker, afirmó solemnemente que Alemania no debía considerar esta fecha como un día de derrota sino como uno de liberación.

Tras el fin de la Guerra Fría, el Día de la Victoria en Europa significó el triunfo de Occidente: el capitalismo, la fuerza militar, las instituciones sólidas, la prosperidad económica y un estilo de vida agradable. Algunos estudiosos hablaron de una especie de fin de la historia hegeliano, mientras que otros evocaron un final feliz al estilo de Hollywood.

Hitos inestables

Hoy en día, este cómodo ritual parece anacrónico, evocador de una época pasada. Ochenta años después de la caída del Tercer Reich, el fascismo está regresando a Europa. Seis países de la UE —Italia, Finlandia, Eslovaquia, Hungría, Croacia y la República Checa— tienen partidos de extrema derecha en el Gobierno. Partidos similares se convirtieron en actores importantes en toda la Unión Europea, desde Alemania hasta Francia y desde Polonia hasta España.

En este contexto, podría parecer mejor evitar las conmemoraciones internacionales. Al fin y al cabo, J. D. Vance, el omnipresente vicepresidente de los Estados Unidos, los liberadores de 1945, podría celebrar la libertad elogiando a la Alternative für Deutschland o el igualmente omnipresente Elon Musk podría hacerlo haciendo el saludo nazi.

En el lado oriental del continente, Vladimir Putin conmemorará el sacrificio del pueblo soviético en la lucha contra el fascismo —veinte millones de muertos— alabando el heroísmo del ejército ruso que invadió lo que él llama la Ucrania «nazi» hace tres años. Nuestros hitos históricos están en entredicho; la memoria convencional no encaja con el terrible caos de nuestro presente.

A pesar de su carácter oficial, el Día de la Victoria en Europa fue también un hito conmemorativo para la izquierda. Como subrayó Eric Hobsbawm, representó una victoria de la Ilustración contra la barbarie. Una coalición de liberalismo y comunismo, los herederos antagónicos del legado de la Ilustración, había derrotado al Tercer Reich. Esta visión era hegemónica en la cultura de la Resistencia, según la cual el antifascismo luchaba contra los enemigos de la civilización. Aunque cierta en muchos aspectos, esta perspectiva era, sin embargo, demasiado simplista.

Quizás, en lugar de participar en una forma ritualista y cooptada de conmemoración, este aniversario debería inspirarnos a llevar a cabo una reevaluación crítica. El Día de la Victoria en Europa celebra la victoria de una alianza militar en una guerra mundial que tuvo muchas dimensiones, incluido el establecimiento de un nuevo orden mundial en el que esta coalición «ilustrada» no pudo sobrevivir.

En Occidente, Estados Unidos se convirtió en la superpotencia dominante; en el bloque soviético, la guerra de autodefensa de la URSS contra la agresión nazi se convirtió en una ocupación militar y una nueva forma de colonialismo en Europa del Este. Las ideas del liberalismo y el comunismo se habían institucionalizado en forma de imperialismo y estalinismo.

Para la izquierda, el fin de la Segunda Guerra Mundial fue una victoria de los movimientos de resistencia, que otorgó legitimidad democrática a los nuevos regímenes nacidos del colapso del Tercer Reich. En la mayoría de los países de Europa occidental, la democracia no fue impuesta por los vencedores sino conquistada por la resistencia.

Sin embargo, como señaló Claudio Pavone, el concepto de resistencia tenía también varias dimensiones. Al mismo tiempo, abarcaba la totalidad de los movimientos de liberación nacional contra la ocupación alemana, una guerra civil entre las fuerzas antifascistas y muchos regímenes que colaboraron con los ocupantes nazis, y una guerra de clases que buscaba cambiar la sociedad, ya que las élites gobernantes y la mayoría de los componentes del capitalismo europeo habían estado implicados en el fascismo y la colaboración.

Esta guerra de clases ganó en Yugoslavia, que se convirtió en un país socialista, y creó las premisas para una izquierda poderosa en muchos otros países, desde Italia hasta Francia. También reforzó la resistencia contra el franquismo en España y el salazarismo en Portugal.

Ambigüedades de la liberación

Sin embargo, si miramos más allá de las fronteras europeas, el panorama parece mucho más diverso. Como aniversario mundial, el 8 de mayo de 1945 tiene diferentes significados. Mientras que el Día de la Victoria en Europa se celebró y mitificó como símbolo de la liberación en Occidente, no ocurrió lo mismo en otros lugares.

En Europa Central y Oriental, este momento de liberación resultó efímero, ya que el dominio nazi dio paso rápidamente a un bloque de regímenes autoritarios instalados por la URSS. En muchos países, esto significó la rusificación y la opresión nacional.

El Día de la Victoria en Europa tampoco es un hito conmemorativo de la liberación en África y Asia. En Argelia, esa misma fecha es el aniversario de las masacres coloniales de Sétif y Guelma, cuando el ejército francés aplastó violentamente las primeras manifestaciones por la independencia nacional. Fue el comienzo de una ola de violencia imperial que se extendió por toda el África francesa y alcanzó su punto álgido dos años más tarde en Madagascar.

El responsable de este estallido de violencia colonial fue un gobierno de coalición en París formado por partidos de la resistencia, entre los que se encontraban los principales partidos de izquierda, los socialistas y los comunistas. Los recuerdos antifascistas y anticolonialistas no siempre son armoniosos y fraternos. El aniversario del fin de la Segunda Guerra Mundial merece un recuerdo crítico, más que celebraciones apologéticas.