quarta-feira, 19 de junho de 2013

Redes sociais tornaram-se sujeitos político

Marco Aurélio Nogueira
IPPRI

O MPL (Movimento Passe Livre) realizou a primeira manifestação contra o aumento da tarifa de ônibus em São Paulo no dia 6 de junho e poucas pessoas acreditaram na ação. Nos dias seguintes, o movimento foi ganhando adeptos até culminar, no dia 13, no grande confronto entre manifestantes de policiais. Desde então, tem mobilizados pessoas em diversas capitais brasileiras e está repercutindo nos ambientes políticos e no exterior. Nesta entrevista, o Cientista político e diretor do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais da Unesp (IPPRI/Unesp), Marco Aurélio Nogueira, tenta compreender uma agitação que cresceu bem mais do que se imaginava e exprime uma insatisfação social difusa que aproxima e coliga cidadãos descontentes.

O Passe Livre articula o movimento pelas mídias sociais e mobiliza um punhado de gente, com razões diversas, nas avenidas e praças contra as diversas instâncias de governo. Que reflexão o senhor faz sobre essa mudança no fazer político?

Nogueira - O movimento passa ao largo de partidos e organizações. Algumas micro organizações tentam pegar carona, mas são ignoradas enquanto pretensão de comando e direcionamento. As ações se põem deliberadamente na “borda" daquilo que está organizado e se proclamam multicêntricas, horizontais, plurais, sem programas ou agendas claramente compostas. Seus inimigos são o Estado, os governos, os partidos, o parlamento, a burocracia, a autoridade, as hierarquias e "tudo isso que está aí". É um modo de fazer política que se alimenta da inoperância e da crise da democracia representativa. Quanto mais o sistema político fica paralisado, não se reforma e se deforma, quanto mais os parlamentares e os governantes insistem numa agenda refratária às expectativas sociais, mais a distância entre eles e a sociedade aumenta, impulsionando as pessoas para as praças. A mobilização tem a cara da sociedade atual (superconectada, rápida, impregnada de informações, narcisista e niilista, muito fragmentada e diversificada, cheia de problemas, injustiças e postulações de direitos, etc.) e encontra seu maior aliado nas mídias sociais. Ganha fôlego e se estrutura pelos espaços virtuais, saindo deles para as ruas. Desse modo, as próprias redes tornam-se sujeitos políticos. Deriva disso a rapidez com que o movimento encorpou, atraindo gente que num primeiro momento não havia se sensibilizado com suas propostas.

Uma avaliação apressada sobre o que agita o MPL -- "tarifa zero"-- nos faz pensar em algo irreal, afinal, nossa sociedade é capitalista. Acredita que o MPL está tentanto alertar para uma agenda de governo na contra-mão dos anseios sociais?

Não dá para saber o que o MPL está tentando falar, porque ele mesmo se apresenta como um movimento sem líderes, sem esquemas preconcebidos de atuação e sem agendas rígidas. Ele é um "vir-a-ser", algo em processo permanente de invenção. Pode estar, sim, verbalizando uma insatisfação com o modo como os governos buscam definir e levar à prática suas agendas, indicando que talvez essas agendas não atendam a todas as expectativas sociais. Mas é importante perceber que parte das expectativas é atendida, seja em termos de melhoria na redução das desigualdades (bolsa-família, por exemplo), seja em termos de certas providências econômicas ou financeiras que protegem classes médias e setores mais ricos. O problema, portanto, não é que os governos "não fazem nada": eles fazem, só que não conseguem agradar a maioria e muito menos a todos. E não conseguem simplesmente porque não têm força para fazê-lo. As redes sociais captam, reverberam e repercutem esse dado.

Agora, pensar em tarifa zero numa sociedade capitalista não chega a ser um despropósito, ou uma proposta irreal. É algo, porém, de difícil realização e de impossível realização no curto ou médio prazo, pois depende de um pacto social, ou seja, de um entendimento coletivo de que o transporte deve ser inteiramente custeado pelos impostos. Passa por uma discussão complicada sobre tributação e financiamento. Não é algo que o prefeito possa simplesmente decretar. Sequer a suspensão do aumento da tarifa é uma decisão simples. Depende de muitas coisas, ainda que possa provisoriamente ser feita.

Esse talvez seja o maior desafio do movimento: o que fazer a partir do momento em que se constatar que decisões de governo são mais complexas, lentas e difíceis do que imaginam as ruas? O que se pensará em fazer, caso o prefeito de São Paulo demonstre que a tarifa não pode ser reduzida e consiga ser persuasivo nessa demonstração? Como não é possível permanecer em mobilização indefinidamente, o movimento terá de definir um novo rumo e recompor seus slogans, de modo a obter algum resultado positivo. Sem isso, correrá o risco de se evaporar. Algumas lideranças, mesmo que a contragosto, terão de assumir a responsabilidade de participar de negociações e definir os próximos passos. E isso não é algo que pareça inscrito na natureza, na lógica do movimento.

O movimento em si é um fato que está se fortalecendo em um momento de queda de popularidade da presidente, da descrença do cidadão na política e nas instituições, e em uma época em que o país está em evidência no exterior por conta de duas grandes paixões mundiais -- futebol e religião. O que pensa sobre essa junção de fatos?

Não se tratou de mera coincidência. Não dá para afirmar que se planejou isso, pois o movimento não se caracteriza pelo planejamento. Mas a dinâmica social sugeria que seria possível obter maior visibilidade e audiência num momento em que o mundo estivesse olhando para o país. É um fato importante, porque a mobilização precisa dessa audiência: o espetáculo e a cobertura midiática são seu elixir, a condição de seu sucesso. Há toda uma operação governamental e empresarial montada para fazer dos eventos esportivos uma plataforma de lançamento do "Brasil do século XXI". E muita gente percebe que isso é oco, não vai acontecer, que os gigantescos recursos gastos não darão retorno, que se está inflando uma balão que não tem como alçar voo. O lance do passe livre, da tarifa zero ou do aumento da tarifa foi a faísca que fez com que a insatisfação difusa adquirisse corpo.

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